Na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça (19), o
presidente Michel Temer discorreu sobre uma realidade paralela, diferente da
vivenciada pelos brasileiros. Falou de superação da crise, quando muitos veem a
economia estagnada; de equilíbrio fiscal, apesar dos déficits recordes; de
promoção de políticas sociais, que na verdade sofreram cortes. Teceu loas à
abertura do Brasil, como se isso fosse positivo. “É tudo ilusório, discurso
para inglês ver”, avalia o economista Guilherme Delgado.
Do Portal Vermelho.
Na sua fala, Temer disse que o país atravessa um momento de
transformações decisivas, que teriam impacto positivo. “Com reformas
estruturais, estamos superando uma crise econômica sem precedentes. Estamos
resgatando o equilíbrio fiscal. E, com ele, a credibilidade da economia”,
afirmou.
Após uma queda acumulada de quase 7,3% entre 2015 e 2016, a
economia brasileira de fato parou de cair e registrou um avanço de 1% e de 0,2%
no primeiro e segundo trimestres de 2017, respectivamente.
Ocorre que essa era uma situação esperada, causada por
fatores pontuais - como a boa safra agrícola -, e não aponta para a retomada
sustentável do crescimento, conforme vários economistas. Inclusive porque o
resultado positivo recente é muito pequeno, na comparação com o baque dos
períodos anteriores, fazendo com que o PIB do último trimestre permaneça menor
que o registrado no primeiro trimestre de 2016.
Para Delgado, o discurso de que a recuperação está em curso
e decorre das reformas promovidas pelo governo “é ilusório”. “Se você está em
crescimento negativo e passa a crescer 0,2%, chamar isso de tendência é fazer
os outros de trouxa”, disse.
“Nada disso corresponde ao Brasil real. Não tem recuperação,
há movimentos conjunturais, que, numa economia muito deprimida, é natural
ocorrem. Nessa circunstância adversa, a única notícia importante nesse período
foi o crescimento físico da produção de grãos. Mas isso é uma notícia que tem certa
ambiguidade, porque não necessariamente esse crescimento foi acompanhado de
melhoria na exportação em valores”, completou.
13,3 milhões de desempregados
Nas Nações Unidas, Temer também declarou que o país voltou a
gerar empregos. Segundo dados do IBGE – que abarcam o mercado formal e informal
-, a população ocupada aumentou em 1,4 milhão de pessoas (1,6%) no trimestre
encerrado em julho. Mas a alegada recuperação dos postos de trabalho se apoia,
principalmente, na substituição de trabalhadores com carteira assinada por
aqueles na condição de informalidade. Houve aumento de 4,6% dos trabalhadores
sem vínculo na carteira. E, ainda assim, o Brasil permanece com 13,3 milhões de
desempregados.
Já os números do Caged, do Ministério do Trabalho - que reúnem
apenas o mercado formal – mostram que foram criados 103.258 empregos formais de
janeiro a julho deste ano, contra um saldo negativo de 623.520 postos em igual
período de 2016.
"A recuperação mostrada pelo IBGE ainda precisa ser
confirmada e os empregos criados foram predominantemente informais. E, de
qualquer forma, essa flutuação do emprego nos remete ainda a um patamar de
desemprego muito alto. Você sai dos 13,3% de desemprego para 12,5%. Isso é
ainda mais que o dobro do que tínhamos em dezembro de 2014. Então houve uma
flutuação conjuntural, mas que não tem nada a ver com reformas, como ele diz”,
pondera Delgado.
De acordo com o economista, o discreto resultado positivo do
PIB também não tem relação com as reformas anunciadas pela gestão. Inclusive
porque algumas delas sequer se materializaram ainda.
“A reforma trabalhista, por exemplo, nem entrou em vigor. A
da Previdência não saiu do papel. E atribuir qualquer resultado à PEC do teto
de gastos não faz sentido, porque ela tem sido um obstáculo à provisão de bens
públicos e não causa de qualquer melhoria”, elencou.
Quanto ao equilíbrio fiscal, bandeira única da gestão Temer,
basta lembrar que o governo acabou de revisar a meta de déficit fiscal,
ampliando o rombo para 2017 em R$ 20 bilhões. Agora, a estimativa é de déficit
de R$159 bilhões e, mesmo assim, parte da equipe econômica ainda avalia que
pode ser preciso uma nova alteração.
“A situação fiscal, a se ver pela meta de déficit primário e
nominal, continua na mesma faixa de proporção do PIB. Eles não melhoraram nada.
E a meta fiscal ainda teve que ser revista muito por causa de anistias e
isenções que eles deram para pagar a conta da votação, na Câmara, da denúncia
contra Temer”, disparou o economista.
Política social derrete com teto de gastos
No seu discurso, o presidente brasileiro defendeu ainda que
“recobramos a capacidade do Estado de levar adiante políticas sociais
indispensáveis em um país como o nosso”. Segundo ele, “nosso olhar deve
voltar-se, também, para as minorias e outros segmentos mais vulneráveis de
nossa sociedade. É o que temos feito no Brasil, com programas de transferência
de renda e de acesso à habitação e à educação”.
Mas a verdade vai na direção contrária, já que o governo -
cujo início ficou marcado por ser formado por homens, brancos e velhos -
promoveu cortes em diversos programas. E a prioridade dada pela gestão aos
temas sociais está explícita na fala de alguns ministros, que foram a público
atacar a saúde e a educação pública e defender a privatização em áreas
estratégicas.
“A política social não melhorou, pelo contrário, declinou do
ponto de vista da garantia de recursos. No período 2016-2017, o orçamento
público, por disposição legal, ficou constrangido. Você atacou o orçamento da
seguridade social, impediu que as vinculações orçamentárias do Cofins e CSLL se
aplicassem ao gasto social. A política social derreteu nesse período, sob a
égide da PEC dos gastos”, indicou Delgado.
Benevolente com interesses estrangeiros
Presidente do entreguismo, Temer declarou, na ONU, que esse
“novo Brasil” que surge com as “reformas” está muito mais “aberto ao mundo”.
Guilherme Delgado ressaltou que esse trecho condiz com as atitudes do governo,
que “vem fazendo um processo de concessão máxima aos interesses do capital
internacional”.
“Ele está é oferecendo recursos naturais, ativos como
reservas do pré-sal, áreas de agricultura, concessões de serviços públicos. O
problema é que você faz esse esforço e tem a expectativa de que porque é um
governo benevolente com o interesse estrangeiro, a contrapartida será o capital
estrangeiro vir para salvar a pátria”.
Mas a experiência mostrou o contrário. Na sua avaliação,
trata-se da mesma retórica do grupo conservador, que já existia nos governos
Fernando Henrique Cardoso, algo que “degringolou” exatamente porque não houve
essa contrapartida externa.
“O país se endividou, tornou-se campeão de importação de
tudo que vem do resto do mundo e não conseguiu crescer. Sofreu num ataque
especulativo. Replicar essa estratégia tucana, com apoio ostensivo dos mercados
financeiros, não tem significado, não é por aí que você vai realizar o projeto
de crescimento. Não tem leitura histórica nesse sentido”, colocou.
Para o economista, a saída para a crise vai na direção
contrária. “Quando você não tem o papel coordenador do Estado no investimento
em infraestrutura, nem o mínimo de articulação interna dos blocos privados e
estatais para sair à frente, o país fica empancado. Não tem isso de que vai
crescer porque entregou tudo para o exterior”, criticou.
De acordo com ele, o discurso econômico de Temer é “retórica
pura e vazia”. “É um discurso que poderia ter sido escrito há 20 anos pelo
grupo do Plano Real, que tinha até mais até com mais tecnicalidade e verve,
porque eles apresentaram a fatura do fim da inflação. E esse governo não
apresentou nada até agora. Nem é o governo do crescimento, nem da distribuição,
nem da estabilidade”, encerrou.
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