Dados mostram que os que ganham até dois salários mínimos
mensais pagam 53,9% em impostos, enquanto a população que recebe acima de 30
salários mínimos paga até 29%.
A população brasileira não tem o hábito de analisar detalhadamente
os impostos que paga. Por isso, é normal a reprodução da afirmação – divulgada
incansavelmente na grande mídia – de que no país as empresas e os empresários
são sobretaxados.
Porém, quando nos detemos para analisar o desenho da carga
tributária no Brasil e no mundo constatamos que aqui existe uma distribuição da
tributação totalmente desigual. As políticas tributárias não são neutras, assim
como a construção do orçamento e dos respectivos investimentos em políticas
públicas, pois a depender da dinâmica podem potencializar ou não maior inclusão
social e equidade.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) mostra que os que ganham até dois salários mínimos mensais pagam 53,9%
deste valor em impostos, enquanto a população que ganha acima de 30 salários
mínimos paga até 29%. Concluímos, portanto, que há uma forte injustiça fiscal
no formato atual de arrecadação, que privilegia as camadas mais ricas.
Até aqui estamos falando das desigualdades fiscais dentro do
que está previsto na legislação. Devido à facilidade de as multinacionais e os
milionários escaparem da tributação no Brasil por mecanismos lícitos (elisão)
ou ilícitos (evasão/sonegação), um relatório recente da ONU considera o país um
“paraíso tributário” para os “super-ricos”, que pagam uma taxa efetiva média de
apenas 7% de impostos.
Como isso tudo é possível?
Vez ou outra o termo “paraíso fiscal” aparece nos rasos
noticiários brasileiros, quase sempre relacionados com alguma atividade
criminosa, de corrupção pública ou tráfico de drogas.
O que a mídia tradicional omite é que esses estereótipos de
crime organizado e corrupção corresponderam a somente 12% dos recursos que
saíram da América Latina em direção aos paraísos fiscais entre 2004 e 2013. Os
outros 88% são fruto de manobras ilícitas de evasão de imposto em seus
respectivos países de origem.
E qual é o tamanho do prejuízo para os cofres públicos?
Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), somente
em 2014 o Brasil teria perdido cerca de R$ 500 bilhões para a sonegação fiscal.
A título de comparação, no mesmo ano as perdas do Brasil por causa da corrupção
corresponderam a um valor sete vezes menor.
Soma-se a isso o fato de que as leis que regulam a
tributação em nível internacional foram elaboradas há quase 100 anos,
tornando-as incompatíveis com a economia informatizada internacional dos dias
de hoje. Essas lacunas jurídicas permitem a elisão fiscal – manobras legais que
permitem às empresas multinacionais burlarem o fisco nos países em que produzem
lucros.
Outro mecanismo que faz com que o país renuncie a bilhões
por ano de arrecadação são as anistias e isenções fiscais concedidas a grandes
empresas. Para atraí-las, os governantes decidem abrir mão de seus ingressos
tributários, sob a justificativa de estimular a economia e criar empregos. O
problema é que as isenções fiscais não passam por controle social e são
concedidas sem contrapartidas, em processos sem transparência. No estado do Rio
de Janeiro, por exemplo, em 2013 as isenções fiscais para as grandes empresas
foram seis vezes maiores do que o orçamento estadual para a saúde (R$ 32,3
bilhões versus R$ 5,2 bilhões).
Esses altos níveis de abuso fiscal por meio de diversos
mecanismos violam o princípio constitucional da capacidade contributiva, uma
vez que aqueles que possuem grandes quantias financeiras são os que menos pagam
no final das contas. Quem paga, para valer, imposto no Brasil são os mais
pobres.
Há nesse contexto uma questão de respeito aos direitos
humanos e de gênero. A população pobre e que precisa ter acesso a serviços
públicos de boa qualidade é a mais afetada, pois o orçamento público fica
prejudicado, em quantidade e qualidade, enquanto os investimentos em concursos
públicos, carreira e valorização de servidores ficam relegados ao segundo
plano, assim como a manutenção e abertura de novos serviços, a criação de
políticas públicas transversais e a promoção da inclusão e da equidade.
A superação da desigualdade de gênero e raça também é
inviabilizada, já que as mulheres negras - que pelos indicadores sociais
possuem renda mais baixa - usam a maior parte de seus rendimentos em itens
básicos, por cuidarem da família, e sofrem mais com a carga de impostos cobrada
diretamente sobre o consumo.
E o que podemos fazer?
O tema da tributação, tanto nacional quanto internacional ,
é ainda distante do cotidiano das lutas dos movimentos sociais. Além de
investir em transparência e na popularização do tema, alguns países já
apontaram caminhos pelos quais podemos seguir. É o caso dos islandeses, que a
partir da denúncia de que o primeiro-ministro tinha contas em paraísos fiscais,
tomaram as ruas até que ele renunciasse, e conseguiram. E também do Equador, que
em fevereiro deste ano realizou um plebiscito nacional por meio do qual a
população rechaçou a possibilidade de políticos e funcionários públicos de alto
escalão terem contas em paraísos fiscais enquanto exercem seus cargos.
Nesse contexto é importante que os movimentos sociais se
apropriem desse debate, pois, no Brasil, por trás do tecnicismo das discussões
sobre o tema , existe um forte viés ideológico liberal.
Denise Motta Dau – Assessora da Internacional de Serviços
Públicos (ISP); no Brasil, é assistente social, mestra em Saúde Pública e
ex-Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres da Cidade de São Paulo
(2013 - 2016).
Gabriel Casnati – Assessor da ISP-Brasil e da Rede
Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip); é formado em Relações Internacionais
pela PUC -SP e pesquisador na área de tributação internacional.
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