Por que as coincidências no Brasil têm sido tão trágicas? No
dia 4 de julho, o mundo culto e civilizado lembrou o falecimento de Monteiro
Lobato, o escritor da infância de todos os tempos brasileiros. E como um coice
irônico, nesse mesmo dia o indivíduo que está presidente cometeu:
"Trabalhando com nove, dez anos de idade na fazenda eu
não fui prejudicado em nada. Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar
em algum lugar, tá cheio de gente aí (dizendo) trabalho escravo, não sei o quê,
trabalho infantil. Agora, quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém
fala nada"
A partir da sua experiência bruta e da formação na escola da
ditadura, ele poderia adaptar a frase “o trabalho liberta”. Esse foi o deboche
para o trabalho forçado e extermínio de judeus inscrito nas entradas de vários
campos do nazismo, como em Auschwitz. Bastaria o ignaro falar de modo mais
claro, se um pouco de imaginação tivesse: o trabalho infantil liberta. Por que
não? O espírito de insulto é o mesmo.
Na sua volta até o passado bárbaro, esse indivíduo na
presidência recua aos tempos da Revolução Industrial, nos séculos dezoito e
dezenove. Lá no começo, apenas as crianças abandonadas em orfanatos eram
entregues aos patrões para o trabalho nas fábricas. Mas com o passar do tempo,
as crianças que tinham famílias começaram a trilhar o mesmo caminho, trabalhando
por longas e exaustivas horas. A história registra que crianças eram espancadas
a socos e outras agressões para punir a desatenção. As que chegavam atrasadas
ou que conversavam durante o trabalho também eram castigadas. As que fugiam
eram procuradas pela polícia e fichadas quando encontradas.
Como uma atualização da fala de Bolsonaro no século dezoito,
crianças trabalhavam sob máxima exploração na indústria, porque os patrões as
salvavam do crime. A “ideia”, como falam os tecnocratas do governo, era que as
crianças pobres deveriam trabalhar porque o trabalho as protegia do crime e da
marginalidade. Assim, evitavam que fumassem o equivalente a um paralelepípedo
do crack na época Dentro de uma fábrica, muitas delas acorrentadas, não
poderiam estar a mesmo tempo nas ruas. O trabalho liberta!
Marx escreveu sobre esse belo quadro:
“Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a
treze ou quatorze anos, foram despachados para o norte. O costume era o mestre
(o ladrão de crianças) vesti-los, alimentá-los e alojá-los na casa de
aprendizes junto à fábrica. Foram designados supervisores para lhes vigiar o
trabalho. Era interesse destes feitores de escravos exigirem das crianças o
trabalho máximo possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de
trabalho que deles pudessem extrair. Os lucros dos fabricantes eram enormes,
mas isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do
trabalho noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo
da noite. O grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo
noturno ainda acabara de deixar, e vice-versa. Todo mundo diz em Lancashire,
que as camas nunca esfriam”.
As notícias no aniversário da morte de Monteio Lobato falam
que Bolsonaro partiu da própria experiência para elogiar o caráter pedagógico
do trabalho infantil. Bolzo fala do que viveu, ou que diz ter vivido. É
natural. Em indivíduos num estágio rudimentar, atrasado de consciência, não
existe a compreensão mínima do que sofreram. Se foram espancados, estuprados na
infância, é porque isso é natural. Então repetem a barbárie, pregam-na como um
ideal de vida, porque assim seria a lei. Estúpidos por natureza e demência.
A esta altura, é impossível não lembrar o Barão de Itararé,
quando observou o nível da política brasileira: “Houve um tempo em que os
animais falavam; hoje, eles até escrevem”
Escrevem, tuítam, falam sobre trabalho infantil, Barão No
mesmo dia do aniversário da morte de Monteiro Lobato.
* Jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no
Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”
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