No final da década de 90, uma revista de classe média
chocava o conservadorismo da alta sociedade maranhense com duas páginas de
matérias que traziam a reportagem sobre um local da capital com o excêntrico
nome de Xirizal.
No Buliçoso
O autor da matéria, jornalista Rogério Pixote, trazia detalhes
inéditos e silenciados pelos jornalões do Maranhão sobre o conjunto de oito
bares, funcionando logo atrás do extinto comércio de ferragens e material de
construção Oscar Frota. “O Xirizal resiste há quase 30 anos. O nome, explicam
as frequentadoras com quem conversamos, é uma homenagem ao fluxo de xiris que
povoa a área”, explicava Pixote.
MATÉRIA PUBLICADADA PELA REVISTA PARLA, PRIMEIRO VEÍCULO DA
IMPRENSA MARANHENSE A ABORDAR A PROSTITUIÇÃO FORA DAS PÁGINAS POLICIAIS.
|
Fui fundadora da revista que exibiu o tema, a Parla, junto
com a jornalista, hoje atriz e humorista, Dadá Coelho. Mais de 20 anos depois,
o Xirizal ainda sobrevive, ofegante, encravado em uma ramificação que dá acesso
à Rua da Manga e a alguns becos do Centro Histórico de São Luís. Há décadas,
frequento as proximidades por razões inversamente proporcionais ao ambiente de
desbragamento e culto à carne. Ali perto, na Rua da Saúde, fica o endereço onde
me dedico aos prazeres do espírito e exercito meu ideal humanitário. Nos
últimos anos, tenho aproveitado para fazer registros fotográficos e entrevistar
as meninas que trabalham na prostituição da área. Muitas chegam do interior em
busca de empregos e acabam no comércio da venda do próprio corpo. Já conversei
com grávidas de até seis meses na atividade do comércio sexual. Elas cobram um
preço que varia de 30 a 100 reais por programa, dependendo da aparência de cada
uma. Após a negociação, o ato costuma ser consumado ali mesmo nas “pousadas”,
que custam entre 30 e 40 reais, pagas pelo cliente. Durante esse período, já
presenciei o choro de uma delas que havia sido agredida por um macho asqueroso
e cheguei a ser quase confundida com uma delas. A distribuição de camisinhas no
Xirizal é indecente: acontece apenas no Carnaval.
DETALHES SOBRE A PROSTITUIÇÃO FEMININA NAS CAMADAS MAIS
VULNERÁVEIS DA SOCIEDADE SÃO
REVELADORES DAS CONFIGURAÇÕES SOCIAIS E ECONÔMICAS
DA CAPITAL MARANHENSE
|
Prostituição não é crime no Brasil. Uma vida escrota, sem
acesso a escolas ou cursos técnicos, sem emprego e oportunidades de
sobrevivência digna deveria ser, no mínimo, criminalizada. Vergonha é sentar a
bunda na cadeira de algum cargo público e fingir que uma cidade ou um estado
são um paraíso – nome, aliás, de um bar no Xirizal que garante: o amor está no
ar.
Passeio pelos pontos da prostituição
UM DOS BARES QUE AINDA FUNCIONAM NO XIRIZAL DO OSCAR FROTA,
NA REGIÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE SÃO LUÍS
|
– Compreender a
territorialidade da prostituição das camadas mais vulnerabilizadas do gênero
feminino em São Luís é fundamental para perceber as feridas abertas da capital
do Maranhão. Foi esse o objetivo do grupo de estudos feministas negro Marielle
Franco, ao realizar no último sábado (3), um passeio no Centro Histórico de São
Luís com visita aos pontos centrais da prostituição feminina na região central.
Com saída do prédio do curso de História da UEMA, o grupo percorreu pontos da
Rua 28 de Julho/Rua da Palma, antiga ZBM (Zona do Baixo Meretrício), ao Xirizal
do Oscar Frota até a Praça da Faustina. O passeio teve a mediação da professora
Tatiana Raquel Reis da Silva, doutora em Estudos Étnicos e Africanos (UFBA) ,
do Departamento de História e Geografia da Universidade Estadual do Maranhão
(UEMA) e do Programa de Pós-graduação em História, Ensino e Narrativas.
O GRUPO DE ESTUDOS FEMINISTAS MARIELLE FRANCO FEZ UMA
PASSEIO PELOS PONTOS DE PROSTITUIÇÃO, MEDIADO PELA PROFESSORA DOUTORA TATIANA
REIS (UEMA)
|
Tatiana explica que atividades como estas possibilitam que
se conheça melhor o Centro Histórico, saindo dos muros da academia, revendo a
visão sobre a prostituição feminina. “A gente rememora e se reporta a esses
casarões muito pelos grandes senhores, produtores de algodão, mas esquece como
outros sujeitos, outros indivíduos ocuparam e ainda hoje residem nestes
espaços. É uma memória que é silenciada, que é preciso trazer à tona. Então, a
proposta foi pensar na territorialidade do Centro Histórico, mas dentro dos
espaços que foram ocupados pela prostituição feminina aqui”.
No antigo texto, Rogério Pixote descreve o Xirizal, com
fotos de Geraldo Iensen: “Jean Genet se excitaria com a atmosfera de policiais,
comerciantes de tudo quanto é tipo, espécie e mercadoria, música desafinada num
ambiente desconfortável, mas alegre”. Ou ainda: “Tarantino tomaria vários
drinks neste inferno, penso”. A São Luís das pracinhas com jardinagem em
bairros nobres, das grandes avenidas homenageando os invasores brancos, como os
Holandeses, até que tenta disfarçar suas estrias e feridas, mas elas ainda
sangram.
Nenhum comentário:
Postar um comentário