Ao lado de filmes como “Ela”, “Ex Machina”, “The Machine” e
“Zoe”, a produção sérvia “A.I. Rising” (2018) faz uma reflexão das profundas
mudanças no atual desenvolvimento da Inteligência Artificial, presente em cada
aplicativo, motor de busca ou sistema operacional. Já não temos mais máquinas
ameaçadoras querendo substituir o homem, como o computador HAL 9000 de “2001”.
No Jornal GGN
Através da engenharia social, agora criam-se programas sedutores e fetichistas
que oferecem a aparência do controle ao usuário. Mas que, na verdade, nos
monitoram, controlam e preveem cada padrão comportamental, sob a ilusão da
customização e consumo. O astronauta Milutin, acompanhado de um androide
feminino, percorrem uma longa missão na direção de Alfa Centauri. Trava-se uma
relação intima, erótica e fetichista de um homem com uma “I.A.” corporativa,
produto de ponta da engenharia social da Ederlezi Corporation.
Os leitores mais antigos deste humilde blog Cinegnose já
devem estar familiarizados com a Cosmologia do Gnosticismo: uma divindade
decaiu nessa esfera material e criou o Universo, tal como conhecemos. Inebriado
pelo poder, por acreditar ser o Deus único e Todo Poderoso, confina a
humanidade nesse cosmos, mantendo-a na ignorância através de três tentações
irradiadas tanto pelos Arcontes como também pela indústria do entretenimento:
as religiões consoladoras, o hedonismo (sexo perverso e consumismo) e a
racionalização terapêutica (a engenharia do espírito).
São formas de esquecimento, seja pela alienação religiosa,
pelos prazeres efêmeros ou pela anestesia do espírito.
À Religião, erotização do consumo e todo aparato de “cura
espiritual” (da autoajuda às drogas lícitas farmacológicas), soma-se agora a
engenharia social – manipulação psicológica com o objetivo de que as pessoas
sigam comandos a partir de informações comportamentais e psicológicas
secretamente extraídas de amplos públicos-alvo.
Principalmente na atualidade, com o desenvolvimento da
Inteligência Artificial através de motores de busca na Internet, Big Data,
machine learnings e algoritmos que probabilisticamente antecipam
comportamentos, hábitos e atitudes.
Mas a vantagem da engenharia social em relação às formas
tradicionais de esquecimento (alienação, hedonismo e anestesia) é que não
precisamos mais procurar um objeto externo: um deus, um produto ou uma droga.
Agora, encontramos gadgets (IAs, aplicativos, sistemas operacionais etc.) que
aprendem conosco e passam a nos conhecer melhor do que nós mesmos.
Filmes como Ela, Ex Machina, The Machine ou Zoe começaram a
fazer reflexões sobre o destino humano diante dessa nova engenharia, ao mesmo
tempo invasiva e sedutora: porque são confessionais e até íntimas – nos
conhecem, nos adulam e antecipam nossos pensamentos e ações.
Uma nova forma de esquecimento, através do solipsismo – a
sensação de que o mundo não existe, a não ser nossas próprias experiências
solitárias.
O filme sérvio A.I. Rising (2018), em alguns aspectos, lembra
2001 de Kubrick: o ritmo lento e as panorâmicas do espaço infinito mostrando
uma nave em uma longa missão para uma colônia de Alpha Centauri. E a relação
íntima de uma tripulação composta por um único astronauta, o computador da
imensa nave e um androide feminino dotado de sofisticados softwares baseado nas
avançadas pesquisas de engenharia social no século XXII.
Mas, ao contrário do clássico de Kubrick, não há um duelo
mortal do homem contra a máquina. O protagonista luta contra si mesmo – os softwares
do androide possuem todas as teorias da psicologia e da psicanálise
transcodificadas em algoritmos, transformando o drama do protagonista num
confronto com uma máquina que parece conhecer seu usuário mais do que ele
mesmo.
Ele quer buscar algo de humano e real dentro da A.I.
Enquanto para o androide tudo que importa é seduzir o “usuário” para que este
cumpra a missão da Ederlezi Corporation.
O Filme
Estamos em 2.148.
Social e economicamente, o mundo conseguiu estabelecer uma fusão entre
Capitalismo e Socialismo: a sociedade é governada por gigantescas corporações,
cuja engenharia social conseguiu transformar em algoritmos e softwares teorias
sociais, psicológicas e ideologias políticas.
Depois que cada pedaço do planeta já foi explorado pelas
corporações, o alvo agora são as colônias existentes em diversos planetas. Por
isso, é crucial enviar para cada uma delas uma “ideologia” que rodará como um
software numa colônia, dando sentido e propósito a todos.
A.I. Rising inicia com uma entrevista admissional para uma
longa missão: uma engenheira social da Ederlezi Corporation entrevista Milutin
(Sebastian Cavazzi), um experiente “cosmonauta” (estamos em Moscou) que deverá
levar uma ideologia chamada “Juche” – um tipo de ideologia para
“especialistas”. O filme não dá maiores detalhes.
Milutin é uma pessoa arredia, solitária e antipática. Um
homem ao velho estilo do século XX. Sempre preferiu trabalhar em missões
solitárias. Mas dessa vez, pela importância e duração da missão, Milutin terá
uma companhia: um androide feminino modelo Nimani 1345 (Stoya) – uma AI
avançada, customizável, mas com um programa secreto, corporativo, para o qual
Milutin não terá acesso: o “TIFA”. Um programa que monitora a nave e,
principalmente, comportamentos e atitudes de Milutin. Que serão reportados à
Ederlezi Corporation.
Machista e misógino, Milutin resiste à inédita companhia:
ele teve um histórico traumático com diversas mulheres. Principalmente porque
ele descobrirá que, na verdade, é ela, Nimani, que terá o controle da missão.
Está claro que o primeiro papel da atraente Nimani é tornar
a longa viagem mais agradável e suportável. A nave não é exatamente uma
Enterprise, de Star Trek. Parece mais uma velha instalação industrial
abandonada, com paredes de aço enferrujadas. Por isso, ter um “playtoy” erótico
inteiramente sob seu controle através de um tablet, é bem sedutor.
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