O compositor Waldir Azevedo é considerado um divisor de águas na história do cavaquinho (foto: Arquivo O cruzeiro/EM/DA PRESS)
Por Pedro Paulo Malta
O compositor Waldir Azevedo é
considerado um divisor de águas na história do cavaquinho (foto: Arquivo O
cruzeiro/EM/DA PRESS)
Waldir Azevedo custou a acreditar
no tamanho do sucesso de “Brasileirinho”, choro de sua autoria lançado em maio
de 1949, em seu primeiro disco como solista, um 78 rotações da gravadora
Continental. Foram tantas as execuções em rádio, convites para shows e discos
vendidos que ele, aos 26 anos, pediu demissão do emprego na Light, companhia de
eletricidade em que trabalhava desde 1941, como escriturário. Embora iniciante,
a carreira artística – somada ao emprego de músico contratado da Rádio Clube do
Brasil – já dava conta de sustentar a família: a esposa, Olinda, e duas filhas
pequenas, Mirian e Marli.
Tão improvável quanto o início
avassalador foi, já no ano seguinte, o lançamento do segundo grande sucesso: o
baião “Delicado”, que saiu em disco pela Continental, em novembro de 1950.
Curioso é que, quando Waldir entrou no estúdio para gravar esse 78 rotações, a
única música definida era o choro “Vê se gostas”, outro sucesso de sua autoria
(em parceria com Otaviano Pitanga), que seria lançado no lado B do disco. Na
biografia “Waldir Azevedo: um cavaquinho na história”, o autor Marco Antonio
Bernardo conta que, na falta de uma música para a outra face, foi Chiquinho do
Acordeom quem sugeriu: “Por que você não grava aquele baião?”
O cavaquinista e produtor
Henrique Cazes, num texto recente sobre “Delicado”, conta que Chiquinho foi
responsável também por dar nome à música e por ela ter sido gravada como baião
e não como bolero – como planejava Waldir. O próprio contaria ao jornal O
Estado de S. Paulo (na edição de 20 de novembro de 1979) que esta definição foi
decisiva para o sucesso da música: “Gravei ‘Delicado’ numa época em que Luiz
Gonzaga estava no apogeu e era, de fato, o Rei do Baião. Eu, claro, quis pegar
uma rebarba no sucesso e deu certo. Fui na onda do baião e me tornei o primeiro
artista a gravar esse ritmo instrumentalmente.”
O livro de Marco Antonio Bernardo
traz ainda um relato de Waldir Azevedo sobre a história da composição, feita
numa viagem a Nova Friburgo (RJ), onde ele ia tocar num baile de carnaval. No
meio da estrada, teve problemas com seu carro (“um carrinho Skoda, que andava
200 metros e descansava 15 minutos”) e precisou encostar. “Eu já tava tão
cansado, um calor louco, olhei uma árvore. Eu já tinha saído de casa com aquela
melodia na cabeça mas não estava ligando. Ia levar meia-hora para esfriar
aquele negócio. Abri o capô do carro e fui pra debaixo da árvore com o
cavaquinho. E comecei a fazer o ‘Delicado’ ali mesmo.”
Após o estouro inicial, o baião
de Waldir Azevedo chegou forte ao carnaval de 1951, repetindo o feito de
“Brasileirinho”, que já havia se misturado às marchinhas e sambas de 1950. Na
folia de 1952, “Delicado” voltou a fazer sucesso nos bailes, agora na versão
cantada, com letra de Ary Vieira, lançada em disco pela gravadora Todamérica,
em abril de 1951, no canto ligeiro de Ademilde Fonseca, com acompanhamento de
Guio de Moraes e seu Conjunto Melódico.
As outras regravações que constam
no site da Discografia Brasileira foram todas feitas de maneira instrumental, a
começar pelas lançadas em 1951: uma com Chiquinho do Acordeom, outra com Oscar
Aleman e sua Orquestra e uma terceira com Washington Bertolin e Seu Sexteto de
Jazz. Entre as gravações em 78 rotações há ainda uma com solo de assobio – por
William Fourneaut (1952) – e outra no violino de Fafá Lemos (1956), além de uma
do cravista Stan Freeman (com a orquestra de Percy Faith), gravações dos
pianistas Jan August e Luciano Sangiorgi e uma do guitarrista brasileiro
Laurindo de Almeida.
Segundo Henrique Cazes, este último – radicado em Los Angeles desde 1947 – foi decisivo para a trajetória estrangeira de “Delicado”, tendo presenteado o band leader Stan Kenton (com quem trabalhava) com uma gravação do baião de Waldir – que em 1952 ganharia sua primeira gravação de sucesso no exterior, pela Capitol Records, com Stan Kenton e Sua Orquestra. Depois disso vieram outras gravações nos Estados Unidos, assim como na Inglaterra, na Alemanha e na Argentina, entre outros países. Se no Brasil “Delicado” é menos conhecido que “Brasileirinho”, no exterior a história é outra, como se pode constatar pela discografia no livro
“Waldir Azevedo: um cavaquinho na
história” (2004): são mais de 60 gravações estrangeiras do baião, contra 12 do
famoso choro.
O próprio Henrique, na série de
TV “Apanhei-te cavaquinho”, que produziu e apresentou para a RTP, de Portugal,
mostra uma relíquia que dá a medida desta popularidade: uma caixinha de música
que o próprio Waldir, durante uma turnê com artistas brasileiros, encontrou
numa feira de rua no Egito: ao abrir-se a tampa de madeira, ouve-se o tema do
“Delicado” (veja aqui).
Sem contar sua gravação mais
conhecida, feita por Carmen Miranda no dia 4 de agosto de 1955, no programa
“Jimmy Durante Show”, da emissora norte-americana NBC, onde dividiu com o
comediante um texto em que alternava falas em inglês e português. Depois veio o
baião de Waldir Azevedo, mas com uma nova letra, feita por Aloysio de Oliveira.
“Eu quando escuto o ‘Delicado’ dá uma dor aqui do lado, aqui no meu coração. E
é porque o ‘Delicado’ faz lembrar do meu passado, faz lembrar o meu rincão…”,
cantou a Pequena Notável, que, por uma coincidência mórbida, faleceria na
madrugada seguinte, em sua casa em Beverly Hills (EUA).
Fonte: Instituto Moreira Salles (IMS)
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