Por José Roberto Torero
Em sua festa anual, os deuses conversam preocupados sobre
seu futuro Ahura Mazda, o deus do zoroastrismo, cochichava no ouvido de Deus
(ou Javé, ou Alá, dependendo de sua preferência): "O ateísmo está
crescendo. Até no Brasil. Na década de 1960, os sem-religião representavam 0,5%
da população. Hoje chegam a 7,8%".
Era a festa anual dos deuses, que este ano aconteceu em
Asgard, onde o arco-íris é ponte.
Odin, o anfitrião, desfilava com todo seu garbo, usando
tapa-olho na vista direita e piscando para os amigos com o olho esquerdo. Já
seu filho Thor, por conta do filme Os Vingadores, distribuía autógrafos aos
outros convidados.
Num canto, Xangô, Zeus e Tupã comparavam seus raios para ver
quem tinha o maior. Noutro, Ganesha, com sua cabeça de elefante, conversava com
Rá, com sua cabeça de falcão. Na varanda, Ceci e Diana falavam sobre a Lua,
enquanto Quetzacoatl tomava um chocolate.
No jardim, Itzamna, o deus maia, trocava ideias sobre
sacrifícios humanos com Viracocha, o deus inca. E Ahura Mazda, o deus do
zoroastrismo, cochichava no ouvido de Deus (ou Javé, ou Alá, dependendo de sua
preferência):
- Sabe?, sem mim você não seria nada. Antes era uma tremenda
bagunça.
- É verdade, mas eu fui muito mais longe. Enquanto você
ficou ali pela Pérsia, eu me espalhei pelo mundo.
- Ok, mas não esqueça que graças a mim é que começaram a
pensar num deus único. E num paraíso, no juízo final e num messias.
- Pode ser. Mas eu é que entendo de mercado. Tenho o
judaísmo, o cristianismo, o islamismo e o espiritismo. Dividi para conquistar.
- Não se gabe muito. O ateísmo está crescendo. Até no
Brasil. Lembra daquele país?
- Claro. Diziam que eu era de lá.
- Pois é, no Brasil o time dos sem-religião vem aumentando
muito. Mais que o grupo dos evangélicos.
- Mesmo sem aquelas músicas ruins e as ex-atrizes pornôs?
- Mesmo. Na década de 1960, os sem-religião representavam
0,5% da população. Em 2003 este grupo já havia alcançado 5,1% e, em 2009, 6,1%.
E agora chegaram a 7,8%.
- Se os brasileiros continuarem assim...
- Podem ficar como os nórdicos. Você sabia que 72% da
população da Noruega é de ateus ou agnósticos? Na Dinamarca é pior: 80%. E na
Suécia, um horror: 85%!
- Os números são altos, mas as populações destes países são
pequenas.
- Pois na China só cerca de 20% das pessoas crê num deus.
Quando eles dominarem o mundo de vez...
- Isso me dá um pouco de medo. Eu me dei bem com o império
romano, não me saí mal com o inglês e me mantive por cima com o
norte-americano. Mas com o império chinês..., não sei, não...
Com certo ar sádico, Mazda começa a cantar, apontando os
indicadores para cima:
-Ai, ai, ai, ai, ai-ai-ai, tá chegando a hora... A China já
vem, chegando meu bem, é hora de ir embora...
-Ir embora? Não seja radical.
-Mas é isso mesmo, meu chapa. Se não acreditam em nós,
desaparecemos. Lembra de Nammu, Dagon, Anath e Molech?
-Lembro, claro.
- Pois eles desapareceram como fumaça. E também Marduk,
Damona, Ésus, Dervones e Nebo; e Yau, Drunemeton, Inanna e Enlil; e Deva,
Borvo, Grannos, Mogons e Sutekh, o deus do vale do Nilo.
- É mesmo...
- Mesmo os deuses desta festa estão quase transparentes. É
que pouca gente crê neles. Zeus e Toth, por exemplo, são mais folclore que
religião. E eu só sobrevivo por conta de uns duzentos mil adeptos. Uma mixaria.
Meus dias estão contados...
A esta altura, todos os outros deuses já cercavam os dois
deuses únicos. E tinham semblantes preocupados. Então todos deram as mãos e
Deus (ou Javé, ou Alá, dependendo de sua preferência), para levantar o moral da
turma, puxou uma oração que era assim:
“Homem nosso que estais na terra,
santificado seja o nosso Nome,
chegue a vós o nosso Reino,
e seja feita a nossa vontade
assim no céu como na Terra.
A oração de cada dia nos dai hoje,
e perdoai as nossas ofensas
assim como nós perdoamos
a quem nos tem desprezado.
Não nos deixeis cair em esquecimento
mas livrai-nos do limbo,
Amém.”
José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela
USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em
1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho
de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu
também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns
curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema
e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.
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