Droga símbolo dos anos 1960, o ácido lisérgico está de volta
às pesquisas acadêmicas, com resultados promissores para a cura de problemas
como a depressão
VIAGEM SEM VOLTA
Timothy Leary em Millbrook, recanto onde morou
com seus seguidores em 1967. Ele dedicou a vida
ao LSD
(Foto:
Alvis Upitis/Getty Images)
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Califórnia, Estados Unidos, 1971. Um detento da prisão de
San Luis Obispo sobe até o telhado e, pendurado em cabos de telefonia,
atravessa o pátio e pula o muro. Do lado de fora, um carro o aguardava. Dias
depois, ele chegou à Argélia, sob os cuidados do grupo revolucionário Panteras
Negras. O fugitivo era Timothy Leary, doutor em psicologia formado pela
Universidade Berkeley e professor de Harvard. Ou, nas palavras do então
presidente dos EUA, Richard Nixon, “o homem mais perigoso da América”. Leary
foi o principal ativista dos usos medicinais e recreativos do alucinógeno LSD,
na década de 1960. Quando a droga foi proibida pelo governo americano em 1970,
até para pesquisas científicas, Leary decidiu seguir sua campanha como um fora
da lei. A imagem de Leary se confunde com a do ácido: aceito socialmente nos
anos 1950 e 1960, maldito a partir da década de 1970 – e atualmente em processo
de redenção. Há cerca de 20 estudos em andamento no mundo sobre LSD, um
renascimento do uso terapêutico da droga.
Leary entrou em contato com o LSD como pesquisador da
Universidade Harvard, em 1960. Ele integrou os esforços para explorar o
potencial do LSD-25 (25ª variação descoberta do Lysergsäurediethylamid, que em
alemão significa “dietilamida do ácido lisérgico”), droga sintetizada pelo
cientista suíço Albert Hoffman em 1938. Em 1943, Hoffman ingeriu alguns
cristais da substância e descobriu suas propriedades alucinógenas. “Fiquei
tonto”, disse. “De olhos fechados, via uma torrente de cores, como um
caleidoscópio.” Dono da patente da substância, o laboratório suíço Sandoz
distribuiu a droga para pesquisadores, como Leary, em busca de utilidades que
motivassem seu comércio. Não havia nada de subversivo nisso. No fim dos anos
1960, mais de 700 pesquisas no mundo avaliavam o emprego de alucinógenos como o
LSD em terapias contra esquizofrenia e depressão, além de aumento da
criatividade. Só o serviço secreto de inteligência dos Estados Unidos (CIA)
conduziu mais de 400 projetos com drogas, a maior parte com LSD, ao custo
estimado em US$ 25 milhões, segundo um artigo de 1977 da revista especializada
Psicology Today.
Na forma de cápsulas e ampolas, com o nome Delysid, o ácido
chegou às farmácias. Como ocorre hoje com remédios como o Rivotril, a exigência
de receita médica era mera formalidade. Psicólogos e pacientes estavam ávidos
por experimentar o medicamento capaz de abrir as “portas da percepção” –
expressão associada ao efeito dos alucinógenos que batizou um livro do escritor
Aldous Huxley e inspirou o nome da banda The Doors. Os atores Jack Nicholson e
Cary Grant se ofereceram como voluntários das pesquisas. Grant disse que se
tornou uma nova pessoa graças ao LSD. “Encontrei quem eu era por trás de todos
os disfarces, hipocrisias e vaidades. Me desfiz deles, camada por camada.”
Segundo a revista americana Vanity Fair, cerca de 40 mil pessoas no mundo todo
experimentaram o LSD entre 1950 e 1965.
Leary tornou-se um apóstolo do LSD depois de uma viagem ao
México, em 1960. “Foi a experiência religiosa mais profunda de minha vida”,
disse. Ele viu nas drogas o potencial de curar pessoas e a própria sociedade.
Pela universidade, pesquisou a droga em detentos de uma colônia penal e num
grupo de seminaristas. Os estudos de Leary foram interrompidos em 1963, quando
a diretoria de Harvard descobriu que estudantes consumiam o estoque da droga
destinado à pesquisa. Leary foi expulso. Fora da academia, passou a defender
abertamente o uso recreativo da droga, circulando entre celebridades da
contracultura, como os escritores Aldous Huxley, Jack Kerouac e Allen Ginsberg.
A pregação de Leary influenciou os Beatles, que devem
algumas canções ao LSD. “‘Day tripper’ é uma delas”, disse Paul McCartney, em
2004. “‘Lucy in the sky’ é outra, obviamente.” Autor de “Lucy in the sky with
diamonds” (“Lucy no céu com diamantes”), John Lennon, em vida, negou que o
título da música fosse uma referência às iniciais LSD. “Lucy era uma amiga de
meu filho Julian”, disse. Mas Lennon não escondia sua intimidade com o ideólogo
do ácido. Leary é uma das vozes na gravação do hino pacifista Give peace a
chance, de Lennon. O LSD inspirou outras estrelas, como Eric Clapton e Jim
Morrison, e desconhecidos que chegariam à fama décadas depois, como o fundador
da Apple, Steve Jobs. “Tomar LSD foi uma das duas ou três coisas mais
importantes de minha vida”, disse Jobs.
O consumo desmedido de alucinógenos, defendido por Leary,
era temerário. Sem limites, mesmo substâncias legalizadas, como bebidas
alcoólicas, trazem consequências desastrosas. “O LSD pode danificar o sistema
neurológico, se for tomado sem responsabilidade”, diz Amanda Beckley, criadora
da fundação Beckley, que apoia pesquisas com drogas alucinógenas. “A dose de
LSD era cinco a dez vezes maior que a aplicada hoje.” Não tardou para que
relatos de pessoas que pularam de prédios ou desenvolveram algum tipo de
psicose começassem a ganhar visibilidade.
Em março de 1966, a revista americana
Life publicou na capa a reportagem “LSD: a ameaça explosiva da droga que saiu
do controle”. Quando Richard Nixou conquistou a Presidência dos Estados Unidos,
em 1968, o combate às drogas foi um dos motes de sua campanha vitoriosa.
“Espero salvar centenas de milhares de vidas que, expostas ao vício, poderiam
ser moral, física e mentalmente destruídas”, afirmou Nixon, em 1969, ao propor
ao Congresso americano uma lei mais dura contra os entorpecentes.
Aprovada em 1970, a Comprehensive Drug Abuse Prevention and
Control Act enquadrou o LSD e outros alucinógenos na categoria das drogas mais
perigosas, proibidas não apenas para consumo, como também para pesquisa. No ano
seguinte, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu proibição
semelhante, em nível mundial. “Nixon buscou erradicar o consumo de drogas
proibindo até a pesquisa e o uso medicinal”, diz Pedro Abramovay, professor de
Direito da Faculdade Getulio Vargas. A proibição na ONU acabou por igualar
traficantes e cientistas e fechou as torneiras de recursos em países onde ainda
era permitido pesquisar. “Depois de 1972, ficou impossível conseguir
financiamento para novos estudos”, afirma Richard Doblin, doutor em políticas
públicas pela Universidade Harvard e fundador da Associação Multidisciplinar de
Estudos Psicodélicos (Maps).
As portas da pesquisa com alucinógenos só foram reabertas na
década de 1990, quando a Food and Drug Administration (FDA), autoridade de
saúde dos Estados Unidos, igualou a classificação das drogas psicodélicas à de
substâncias como ópio e anfetamina, livres para estudo. Os resultados da
liberação começam a aparecer. Em 2011, o doutor em psiquiatria Peter Gasser
concluiu uma pesquisa de LSD no tratamento para depressão (leia o quadro
abaixo). Foi o primeiro estudo completo, após quatro décadas de proibição.
“Diante de efeitos benéficos tão evidentes, é intrigante por que terapias com
LSD foram tão abertamente ignoradas”, afirmou o neurocientista norueguês
Pal-Orjan Johansen, autor de uma pesquisa sobre o uso do LSD no combate ao
alcoolismo.
Uma das explicações para a longa proibição do LSD é a
influência decisiva das questões morais no curso das descobertas científicas. A
história do LSD é um capítulo do histórico conflito entre o racionalismo
científico e os dogmas que permeiam o senso comum da sociedade. Quando propôs a
proscrição do LSD, Nixon tinha argumentos objetivos a seu favor, como altos
índices de violência associada a drogas, mas não escondeu que aquela era,
sobretudo, uma cruzada moral. São essas questões que fazem os governos
interferir no trabalho dos laboratórios, autorizando e proibindo procedimentos,
concedendo e negando recursos. Outro exemplo da influência das questões morais
na evolução da ciência é a polêmica na autorização de pesquisas com
células-tronco embrionárias. Promissoras no tratamento de doenças hoje
incuráveis do sistema nervoso, mas combatidas por religiosos, elas só foram
liberadas no Brasil em 2008.
O debate sobre moral e os limites da ciência é necessário,
mas traz lentidão e até prejuízos ao desenvolvimento científico. As duas
décadas de intervalo entre proibição e liberação das pesquisas com drogas
alucinógenas não significaram apenas um atraso no desenvolvimento de novas
terapias. Os estudos que poderiam ter ocorrido na década de 1970 jamais serão
retomados, uma vez que as patentes dessas substâncias já caíram em domínio
público. “Nenhum grande laboratório financia pesquisas sem a perspectiva de monopolizar
o mercado”, diz Amanda. “Eles não querem descobrir no LSD um rival para
remédios que já têm.”
As novas pesquisas com alucinógenos são financiadas por
doadores sem finalidades comerciais, como o cantor Sting ou o fundador do
Napster, Sean Parker. Gente de mente e bolsos abertos também bancou os últimos
dias de Timothy Leary. Após sua fuga espetacular da prisão, em 1971, ele entrou
em acordo com o governo americano, cumpriu pena de três anos e moderou suas
ações. Morto em 1996, vítima de câncer, ele durou o bastante para ver a
retomada dos estudos com a droga a que dedicou a vida. Após a cremação, 7
gramas de suas cinzas foram embarcados no foguete espacial Pegasus, que ficou
em órbita por seis anos até se desintegrar na atmosfera. Timothy e seus cristais
de LSD ficaram no céu, como a Lucy da música psicodélica.
A mensagem
Para a sociedade
Proibições refletem a época em que foram impostas.Suas razões devem ser repensadas com frequência
Para a ciência
A interdição de uma pesquisa muda para semprea produção de conhecimento
O futuro da droga do passado | |
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Novos estudos científicos sugerem que terapias com LSD podem resolver problemas atuais | |
Depressão
O pesquisador suíço Peter Gasser concluiu no ano passado o primeiro estudo com LSD feito em 35 anos. Ele afirma que o consumo de ácido lisérgico, associado à psicoterapia, reduziu os níveis de ansiedade dos 12 participantes de sua análise. O teste será refeito com grupos maiores
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Alcoolismo
Pesquisadores da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia e de Harvard analisaram seis estudos com LSD feitos nos anos 1960, para tratar de alcoolismo. “Surgiram evidências claras do benefício do LSD”, disse o jornal daPsicofarmacologia
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Dor de cabeça
O psiquiatra John Halpern, de Harvard, testou com sucesso o tratamento de dores de cabeça com bromo-LSD, uma variante não alucinógena do ácido. Sem encontrar interesse de grandes laboratórios, Halpern fundou uma empresa, a Entheogen, para produzir um remédio
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(Fotos: Michael Ochs Archives/Getty Images, Vinnie Zuffante/Michael Ochs Archives/Getty Images, Daniel Mordzinski/AP e Murray Garrett/Getty Images)
Marcelo Osakabe e Marcelo Moura
No Época - Via Com Texto Livre
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