Por Kiko Nogueira
Um filme sobre São Paulo, feito em 1943, mostra belas imagens da cidade. Foi produzido pela extinta Coordenadoria de Assuntos Inter-Americanos, CIAA, durante os anos da política de boa vizinhança.
Chefiada por Nelson Rockefeller, a CIAA tinha a função, oficialmente, de estimular “a cooperação e a solidariedade hemisférica”. O objetivo era, na verdade, enfrentar a ameaça nazista e consolidar a posição dos EUA como superpotência. É uma peça de propaganda, tanto quanto o desenho “Saludos Amigos”, que a Disney fez sob encomenda. O Brasil tinha declarado guerra à Alemanha em 1942, mas só enviou tropas para a frente de batalha em 1944.
A São Paulo que aparece ali é uma pequena
maravilha. Com “O Guarani” ao fundo, surge o centro, o Museu do Ipiranga, a
Avenida São João e a Avenida Paulista com seus casarões. “Com 1,3 milhão de
habitantes, Sáo Páolu é hoje a maior cidade industrial da América do Sul”.
Uma saída de fábrica da Pirelli lembra as
comédias italianas de Mario Monicelli. O Instituto Butantan é uma das “várias
instituições dedicadas à pesquisa científica”. Um desfile militar no Pacaembu.
Deliciosas piscinas públicas. Os prédios em estilo art-déco. Um baile com uma
cantora acompanhada de uma orquestra que parece uma das festas mal assombradas
de “O Iluminado”.
“Refletindo o espírito de Ramos de Azevedo, o
grande arquiteto, o paulista está construindo novas ruas, novos viadutos,
túneis, apartamentos, avenidas, hoteis e hospitais”, diz o narrador.
A CIAA gastou 140 milhões de dólares em 6 anos
e é visível, no curta, que não houve economia. A cidade retratada tem algo de
fictício, mas o documento é precioso. É uma grande vila em crescimento, antes de
ser desumanizada, ou a caminho de ser desumanizada, com bondes, bonita e sem
nordestinos…
Epa.
O vídeo tem mais de 337 mil visualizações até
agora. Evidentemente que muitos paulistanos deixaram seu parecer. E é um
festival inacreditável de xenofobia, racismo e obtusidade. É como se Danilo
Gentili e Roger tivessem chamado sua turma para praticar luta-livre na lama.
Uma amostra:
“Emigrantes principalmente do nordeste vivem
falando que construíram São Paulo. Grande mentira, os imigrantes estrangeiros e
nós, paulistanos, construímos São Paulo e porque crescemos muito, eles
emigraram para cá.”
“Chora mais, e vá alisar esse seu cabelo ruim,
macaco.”
“Acredito que boa parte dos problemas de SP
tem relação com essa migração descontrolada…O Brasil é um país muito grande de
culturas diferentes… que acabam não se adaptando e causando transtornos
irreparáveis.”
“A maioria de nós, paulistanos, somos muito
patriotas… Tenho grande respeito pelos nordestinos, pois são trabalhadores. Mas
eles vêm para SP invadindo serras, construindo favelas, onde destroem as matas
e deixam a cidade feia. Os nordestinos vêm em busca de emprego, mas quase não
encontram…Depois saem da cidade falando mal de nossa terra.”
“A única coisa que os nordestinos construíram
em São Paulo é Heliópolis.”
“Nossa cidade esta cheia de favelas por causa
dos malditos nordestinos!!”
“E tem mais, o problema não passa apenas pelos
nordestinos em si, todos sabemos da elevada taxa de ”procriação” desse povo,
pois bem estamos presenciando o surgimento de uma linha de nordestinos ‘made in
sum paulo’”.
E um longo etc.
O YouTube tenta, há algum tempo, criar
mecanismos que inibam esse tipo de comportamento. Nada deu muito certo até
agora. O site de notícias falsas The Onion publicou uma “reportagem” sobre o baixo
nível de comentaristas do YouTube. Segundo o Onion, a sede da empresa no Vale
do Silício explodiu em aplausos depois da trilionésima manifestação racista.
“Quando criamos o YouTube, em 2005, sabíamos que ele tinha o potencial de
revolucionar a forma como as pessoas fazem observações altamente ofensivas”,
disse o CEO Salar Kamangar. “Estamos realmente impressionados com nossos
usuários dedicados e extremamente ignorantes, que fazem declarações abjetas
todo dia. Obrigado”.
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