No interior, distantes da realidade das metrópoles, há
lugares que conseguem um feito ao não registrar homicídios há mais de 4 anos.
Imagine um lugar onde é possível caminhar à noite sem medo e
ter certeza de que se voltará para casa em segurança ao fim do dia. Esse lugar
existe. Corresponde à situação real de quase 10% dos municípios paranaenses, ou
38 ilhas de paz que não registram assassinatos há mais de quatro anos.
Mas não ache que as armas estão longe dessas localidades.
Encravadas no interior do estado, essas cidades estão em regiões rurais, áreas
onde há pouco tempo era costume manter armas em casa. Contudo, é mais fácil
ouvir o “cri cri” dos grilos do que o estampido de um trabuco. Sem tiros nem
guerra entre gangues ou facções criminosas, o ambiente pacífico está
estabilizado nessas localidades, mas elas representam apenas 1,4% da população
do estado.
Com número de habitantes muito abaixo das grandes
metrópoles, essas cidades tem outro ponto em comum. Todas têm um índice de
desenvolvimento humano (IDH) considerado médio, entre 0,5 e 0,7 (veja o
gráfico). Apesar dos bons indicadores, 20 dos 38 municípios vêm sofrendo com
uma debandada populacional, fenômeno considerado comum em pequenos povoados, de
onde os moradores saem em busca de novas oportunidades de vida.
Paradoxo
Nos 18 municípios restantes, um paradoxo: economia e
população em crescimento em um cenário de zero homicídio. É o caso de
Douradina, Noroeste do estado (veja o texto ao lado). A população de lá cresceu
30% entre 2000 e 2013. Há mais de 40 anos, a grande fabricante e varejista de
colchões, molas e estofados Gazin está na cidade. Foi na primeira década dos
anos 2000, no entanto, que a empresa mais cresceu. Hoje são 5,5 mil funcionários
nas unidades de Douradina, mais da metade da população da cidade.
Mistério
O segredo da segurança nessas cidades, entretanto, ainda não
foi desvendado. Será preciso aprofundar estudos para estabelecer os motivos que
as tornaram lugares raros no país. É o que explica o coordenador do Grupo de
Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê. “A
correlação entre violência e número de habitantes não existe. Há grandes
concentrações populacionais pelo mundo com índices muito baixos”, explica. Pode
ser um traço cultural, cogita Bodê.
Ele cita exemplos de cidades grandes como Tóquio, Berlim,
Hong Kong com índices de assassinatos quase zero. Segundo ele, violência tem
mais ligação com crescimento desordenado e políticas públicas equivocadas. Bodê
ainda rechaça o IDH como indicador para estabelecer qualquer conexão com a
questão da violência.
O estudioso lembra que o país viveu nos últimos anos grande
queda na desigualdade social, mas um aumento no número de assassinatos. Além
disso, aponta para a realidade curitibana como exemplo que salta aos olhos.
“Curitiba tem IDH alto [0,823, considerado bom pela ONU], mas taxa de
homicídios elevada”, destaca. A capital do Paraná tem hoje 39 homicídios para
cada grupo de 100 mil habitantes. A taxa é quatro vezes maior que a considerada
não epidêmica pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Colaborou Heliberton Cesca
Prevenção
Município cresce 30% em 4 anos e homicídios se mantêm zerados
Gesli Franco, da sucursal
Em Douradina, no Noroeste do estado, os 8 mil habitantes também vivem tranquilos. O que chama a atenção é que o município teve crescimento de 30% entre 2010 e 2014, e mesmo assim permanece distante dos registros de homicídios. O aumento da população, segundo a prefeitura, se deve à sede da empresa de móveis Gazin estar instalada na cidade, o que atrai trabalhadores de outros estados, como Mato Grosso e Rondônia.
Com a mistura de culturas, diz o sargento Ronaldo Aparecido, é preciso prevenção para garantir a segurança. “Se avistamos uma placa de fora, abordamos a pessoa. Nem todo mundo gosta, mas é uma maneira de identificar quem veio de mudança ou quem está só de passagem.” Escolas e empresas recebem mensalmente palestras sobre segurança e combate às drogas.
Itaúna do Sul
Também no Noroeste está Itaúna do Sul. Com 3.500 habitantes, o município segue livre de homicídios . O prefeito Pedro Castanhari (PSD) lembra que o local é rota dos caminhões que vão para o Mato Grosso. Segundo ele, cerca de mil veículos atravessam a cidade por dia. “A polícia está em cima. Se vê algo suspeito, não deixa passar. Além disso, as crianças recebem sempre orientações nas escolas sobre drogas e qualquer tipo de violência.”
Entre 2010 e 2014, o município perdeu 22% da população. O prefeito justifica que o abandono foi por causa da baixa produção cafeeira. “Sem trabalho, a mão de obra jovem também vai embora. Ficam os aposentados e consequentemente a tranquilidade.”
Em Flórida, polícia faz papel de conselheira
Gesli Franco, da sucursal de Maringá
Flórida, no Norte do Paraná, preserva os hábitos de uma típica cidade do interior. Vizinho ajuda vizinho e polícia faz papel de conselheiro familiar. Na entrada da cidade, a placa indica: “Bem vindo ao recanto feliz do Brasil”. E os moradores confirmam. “A gente é feliz porque vive tranquilo. Não tem esse negócio de bandidagem”, diz o agricultor Fermino Batista, 68 anos.
“Aqui o dono do bar sai e a gente cuida do estabelecimento. Todo mundo conhece todo mundo”, emenda o aposentado João Rodrigues Salgueiro, 72 anos. Latrocínio [roubo seguido de morte] e lesão corporal seguida de morte, por exemplo, também não ocorrem há mais de quatro anos.
O sargento Adriano Rossini, responsável pelo destacamento local, cita a boa convivência como fator principal para a tranquilidade. Segundo ele, o fato de o município ser pequeno facilita a relação dos moradores e o trabalho da polícia. “Se aparece gente estranha na cidade todos ficam em alerta e em caso de algo fora do normal, chamam a gente. É um trabalho mútuo.”
Os três policiais de Flórida lidam geralmente com pequenos delitos como furtos ou discussões familiares. “No caso de uma briga entre família, a gente entra no papel de conselheiro também, justamente aproveitando o fato de que a gente se conhece e os laços se tornam mais próximos”, contou Rossini.
Sem violência, cidade não pode receber policiais
Osmar Nunes, correspondente
A paz é tanta em Esperança Nova que o prefeito Everton Barbieri reclama. Não pela falta de crime, claro, mas porque não consegue que policiais sejam transferidos para lá. A 60 quilômetros de Umuarama, os moradores precisam ser atendidos pela delegacia de Pérola ou por policiais militares de São Jorge do Patrocínio.
Barbieri diz que é cobrado pela população, mas toda vez que pede policiais para cidade, esbarra nos números mínimos de ocorrências. “Uma enquete feita na cidade revelou que 63% dos moradores querem policiamento fixo. Esperamos conseguir ao menos dois com a formatura de novos soldados da PM nos próximos dias”, afirma o prefeito.
O escrivão da delegacia de Pérola, Acir Fonseca Moura, conta que quase não existem ocorrências em Esperança Nova. Quando existem, são coisas simples, “fuleragem”, como ele chama na gíria policial.
O último homicídio na cidade ocorreu em outubro de 2009 e vitimou um homem chamado João Cirino de Campos. De lá para cá, as ocorrências mais graves foram um roubo a propriedade rural e uma tentativa de latrocínio, ambos no ano passado.
Tranquilidade
Moradores de Esperança Nova não têm receio de dormir com a janela aberta, nem de deixar a porta e o portão abertos quando vão ao mercado, à panificadora ou à casa do vizinho.
Dono de um bar no centro da cidade, Airton Palota, 71 anos, está no ramo há mais de 40 anos e diz não saber o que é ser assaltado. “Nem brigas acontecem aqui. O máximo que ocorre é o camarada beber um pouco e chegar em casa brigando com a mulher, mas nada grave”, comentou. Mesmo assim, ele reclama da falta de policiais na cidade. Para ele, o problema maior são as algazarras com som alto depois da meia noite, principalmente nos fins de semana em praça pública.
O aposentado Orlando Reberti, 70 anos, nem recorda a data do último assassinato. “Aqui, quando tem coisa errada, é gente de fora. Por isso a gente queria a polícia na cidade para espantar esse povo”, disse. “Até o bar deixo sozinho às vezes e ninguém mexe em nada”, diz Palota.
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