Motim acabou às 3h40, quando último agente feito refém foi liberado. Secretaria de Justiça não descarta que presos tenham fugido pelo sistema de esgoto da Penitenciária Estadual durante a rebelião
Presos rebelados foram ocupam o teto da penitenciária desde o início do movimento |
Ao todo, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos (Seju) realizou entre a noite desta segunda (25) e esta madrugada 851
transferências. Em viaturas, ônibus e carros fechados do Departamento de
Execuções Penais (Depen-PR), os presos foram levados para penitenciárias em Foz
do Iguaçu, Guarapuava, Francisco Beltrão, Cruzeiro do Oeste, Maringá e
Piraquara, na região metropolitana de Curitiba.
Durante cerca de uma hora desta segunda, das 20 às 21 horas,
as transferências chegaram a ser suspensas pela PM por "questão de
segurança". O fato gerou protesto dos presos, que queimaram colchões e
fizeram gestos em protesto para demonstrar que estavam insatisfeitos com o
"descumprimento do acordo". O transporte de presos foi reiniciado às
21h e a situação voltou a ficar como estava antes da interrupção.
A Seju estima que 187 presos não foram transferidos e ocupam
hoje as quatro galerias da unidade que não foram danificadas durante a revolta.
Juntos, estes espaços têm capacidade para 144 pessoas. Contudo, o número dos
que permaneceram na penitenciária será confirmado ao longo do dia porque a
secretaria não descarta a possibilidade de fuga pelo sistema de esgoto do
local.
A secretaria, por meio de sua assessoria de imprensa, disse
também que a Polícia Militar iniciou nesta manhã uma nova operação e buscas por
outros possíveis corpos e feridos que podem não ter sido encontrados nas
primeiras vistorias, iniciadas logo após o fim da rebelião.
Outras vistorias serão realizadas durante esta terça-feira
para analisar os estragos causados na unidade. Se for constatada a chance de
que algumas celas sejam rapidamente recuperadas – como apenas com limpeza, por
exemplo – parte dos presos que foram transferidos podem voltar à penitenciária
de Cascavel.
Mortos e feridos
Dos cinco mortos durante a rebelião, pelo menos dois deles
foram decapitados. De acordo com a Seju, por volta das 7h15 desta terça-feira
(26) os corpos permaneciam no interior da Penitenciária Estadual de Cascavel
porque as perícias ainda eram realizadas neste período. Contudo, viaturas do
Instituto Médico Legal (IML) do município já aguardavam pela liberação dos
corpos.
Nenhum dos assassinados havia sido identificado até o
momento. Contudo, em entrevista à rádio CBN Cascavel nesta segunda-feira, o
preso Alessandro Meneghel disse que as vítimas fatais são estupradores e um
deles é Gilmar de Lima -- condenado por ter matado sua enteada, a menina
Rafaela Trates, de apenas cinco anos.
Os feridos – que somaram 25, sem contar os dois reféns –
foram socorridos pelo Siate. Oito deles, que tiveram ferimentos mais graves
foram encaminhados a hospitais da região. Os demais foram atendidos no local e
liberados logo em seguida.
Quanto aos dois agentes penitenciários feitos reféns, a
secretaria informou que eles foram liberados com bastante escoriações pelo
corpo. Eles foram levados a um hospital em Cascavel onde passam por tratamentos
físicos e psicológicos.
A Seju disse não saber para quais hospitais os detentos e os
reféns foram levados.
Início do motim
A rebelião teve início por volta das 6h30 do domingo (24), no
momento em que um agente começou a entregar café da manhã aos detentos. Boa
parte dos rebelados, que usavam capuzes para esconder os rostos, estava
concentrada no telhado da penitenciária. Eles também usavam identificações do
Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que domina presídios em
vários estados do país.
Pelo menos cinco presos foram atirados do teto do presídio.
Eles caíram de uma altura de cerca de 15 metros e permaneceram no chão por
cerca de três horas até as equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da
Polícia Militar conseguirem entrar no pátio em segurança. Ainda no domingo saiu
a confirmação e quatro presos assassinados. Várias pessoas foram espancadas
pelos detentos e mostradas para quem acompanhava a rebelião pelo lado de fora.
Também no primeiro dia do motim, cerca de 145 presos que não
aderiram à rebelião, e eram ameaçados pelos rebelados, foram transferidos,
sendo que 77 deles foram para a Penitenciária Industrial de Cascavel (PIC), que
fica no mesmo complexo que a Penitenciária Estadual. O restante foi encaminhado
para a Penitenciária de Francisco Beltrão.
Durante a rebelião, galerias foram incendiadas. Colchões
usados pelos detentos também foram queimados. Já na noite de domingo, a luz e a
água da unidade penitenciária foram cortadas para forçar uma negociação.
A Seju informou que cerca de 60% da penitenciária chegou a
ser tomada pelos presos.
Comissão considerou presídio o pior do estado
Os fatores que levaram presos da Penitenciária Estadual de
Cascavel a se amotinarem na rebelião mais sangrenta dos últimos quatros anos no
estado não são novidade. Eles já haviam sido detalhados em 2012 pela seção
paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR). Na ocasião, o presídio
foi considerado a pior unidade penal do estado.
Entre os principais problemas relatados pela Ordem estavam
falhas estruturais “seríssimas” – como celas sem manutenção e infiltração –,
falta de agentes penitenciários e alimentação estragada e insuficiente. Outro
ponto detectado era a falta de condições à ressocialização: menos de 10% dos
detentos trabalhavam e não havia acesso adequado a assistência jurídica e
médica.
“É uma tragédia anunciada”, resume a advogada Isabel Kügler
Mendes, que presidia a Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR na época das
vistorias. “Não foi uma briga entre facções. A motivação [da rebelião] foi que
aquilo [a PEC] é uma panela de pressão”, completa.
Além disso, os detentos denunciavam torturas e punições
coletivas e excessos cometidos por agentes penitenciários durante as revistas
íntimas, para que familiares pudessem visitar os presos. A Comissão de Direitos
Humanos da Assembleia Legislativa confirmou que, nos últimos dois anos, os
casos de violência contra os internos continuaram.
“A PEC já tem um histórico de tortura. No último ano,
tivemos pelo menos três presos mortos por agressão no presídio. Tem vários
processos administrativos abertos contra agentes por causa de abusos”, diz o
presidente da comissão, deputado Tadeu Veneri.
“Quando uma unidade rompe o tripé alimentação, visitas e tem
tortura, o sistema se desequilibra”, acrescenta. Alerta O Sindicato dos Agentes
Penitenciários (Sindarspen) também havia alertado quanto às condições da PEC.
Vinte dias atrás – quando o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR)
transferiu mais de cem presos àquela unidade – o sindicato denunciou “o perigo
e a irresponsabilidade” de se alocarem mais detentos na PEC.
“Tanto os presos como os agentes penitenciários são vítimas
do descaso e da falta de investimento público adequado no sistema
penitenciário”, diz o advogado do sindicato, Jairo Ferreira Filho. Em julho de
2013, os presos chegaram a enviar uma carta à presidente Dilma reclamando das
condições do presídio. Para as autoridades, a rebelião de Cascavel serve de
alerta à deterioração do sistema carcerário.
Há preocupação que outras unidades – também consideradas em
situação delicada, como a Penitenciária Central do Estado (PCE) e a
Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu II – sofram motins. “É só um aviso do
que pode acontecer em outros presídios”, pontua Veneri. “Já há ameaças. Temos
levado ao conhecimento do Depen-PR que outras penitenciárias podem passar pela
mesma situação em muito breve”, afirma Isabel Kügler.
Familiares revoltados
Apreensivos e revoltados com a falta de informação sobre o
que acontecia dentro da penitenciária, familiares dos presos bloquearam em
protesto por três vezes a BR-277, próximo à unidade prisional. Eles
reivindicaram por informações sobre a situação dos detentos, que estão
rebelados.
Gazeta do Povo
Gazeta do Povo
Nenhum comentário:
Postar um comentário