CNV
A Comissão anunciou que fará vistoria ao Centro de Informações do Exército (CIE), em Marabá, conhecida como “Casa Azul”, onde eram torturados os guerrilheiros e camponeses presos.
"Eu fico feliz de denunciar ao país os crimes que as Forças Armadas insistem em ocultar", disse Criméia Schmidt de Almeida. "O objetivo da tortura é desestruturar, desmoralizar", afirmou Danilo Carneiro. Eles foram os primeiros depoentes na audiência pública realizada nesta terça-feira (12) pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) para apurar as graves violações de direitos humanos cometidas na repressão à guerrilha do Araguaia.
Os dois fazem parte do grupo de sobreviventes e testemunhas do episódio mais violento da ditadura militar, que resultou em prisões ilegais, torturas e dezenas de mortos e desaparecidos políticos na primeira metade dos anos 1970. O saldo das operações militares de repressão na região do Araguaia foi de cerca de 70 pessoas desaparecidas entre militantes do PCdoB e moradores da região.
Quatro agentes do Estado foram convocados para depor. Sebastião Rodrigues de Moura - mais conhecido como "Major Curió", foi internado ontem (11) no Hospital das Forças Armadas, em Brasília. A CNV tentará ouvi-lo no hospital. Os demais - Leo Frederico Cinelli, Thaumaturgo Sotero Vaz e José Conegundes do Nascimento - não compareceram.
O secretário-executivo da CNV, André Saboia, abriu a audiência com a apresentação do trabalho de pesquisa realizado pela CNV até agora sobre a Guerrilha do Araguaia. E reproduziu os trechos de depoimentos de militares ouvidos pela comissão.
A Guerrilha do Araguaia terá um capítulo do relatório final da CNV, informou Pedro Dallari na audiência, quando foi também anunciada a decisão da Comissão de fazer vistoria no local em que funcionou a Casa Azul de Marabá, no Pará. Os guerrilheiros e camponeses presos eram levados para o Centro de Informações do Exército (CIE), em Marabá, conhecida como “Casa Azul”.
“Sessões de cinema”
A primeira a depor foi Criméia Almeida (foto), que esteve no Araguaia entre 1969 e 1972. Ela contou que deixou o movimento para ter o filho em São Paulo, onde foi presa, na casa da irmã, Amélia Telles, onde estava disfarçada de babá. Levada para a Oban, inicialmente ela não foi torturada, mas assim que foi identificada como a Criméia do Araguaia passou a ser barbaramente torturada.
Na primeira vez, já grávida de seis meses, ela foi torturada pessoalmente por Carlos Alberto Brilhante Ustra, então major do Exército, comandante do Doi-Codi de São Paulo. Depois, foi transferida para Brasília, onde continuou a tortura. Em Brasília, Criméia era submetida a "sessões de cinema" em que eram mostradas fotos dos guerrilheiros mortos.
Meses depois, teve seu filho em Brasília, vigiada por policiais do Exército armados com metralhadora. "Quando meu filho nasceu, foi feita a ficha dele. Ele nasceu fichado", afirmou Crimeia em seu depoimento. Depois de liberada, Criméia foi ameaçada de morte pessoalmente pelo general Bandeira, comandante do combate à guerrilha.
Em seu depoimento, Danilo Carneiro, que foi barbaramente torturado no Pará e em Brasília, onde ficou preso, lembra que "os amigos cantavam para mim depois da tortura. Aquilo recompunha minhas forças", afirmou. Ele também contou que testemunhou as torturas sofridas por Paulo Fonteles, assassinado por pistoleiros nos anos 1980, no Pará. "O objetivo da tortura é desestruturar, desmoralizar", afirma Danilo.
A ordem era eliminar
Durante a apresentação dos slides que mostraram as informações obtidas pela CNV em seu trabalho de apuração, o presidente da CNV destacou a afirmação do Sgto. Sacramento, que atuou no Araguaia, de que só Curió pode determinar onde estão os desaparecidos.
Ele destacou ainda que os documentos do Exército mostram que a primeira opção no combate à guerrilha era "eliminar" adversários. Em depoimento à CNV, o general Álvaro de Souza Pinheiro disse que em combate "não existe tiro para ferir".
Segundo os documentos da CNV, a guerrilha do Araguaia foi um movimento armado desenvolvido pelo Partido Comunista do Brasil, PCdoB, na região da divisa entre os estados do Pará, Maranhão e Goiás (hoje Tocantins). O movimento começou a ser organizado nos anos de 1966 e 1967, com a chegada dos primeiros militantes do PCdoB à região do sudeste do Pará e proximidades, com o objetivo de realizar projeto de “guerra popular prolongada”, inspirado na Revolução Chinesa.
Os combates no Araguaia começariam em abril de 1972, seis anos depois da chegada dos primeiros militantes do PCdoB, quando o Exército iniciou o ataque aos destacamentos guerrilheiros.
As Forças Armadas realizaram três campanhas militares e operações de inteligência na região, mobilizando cerca de 10 mil homens. No primeiro ano, foram feitos prisioneiros, mas, depois disso, a ordem do comando militar era “eliminar” todos os envolvidos.
De Brasília
Márcia Xavier
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