É preciso enterrar esta mentira.
A mídia brasileira não defende a liberdade de expressão.
Nem absoluta, nem parcial, nem nenhum tipo de liberdade de
expressão.
A única liberdade que a mídia conhece é aquela que lhe
interessa comercialmente.
A mídia brasileira não deu quase nada sobre a sonegação da
Rede Globo.
Houve um sinistro pacto de silêncio em torno do assunto,
apesar de envolver 1 bilhão de reais, roubo de processo e lavagem de dinheiro
em diversas off shore no exterior.
A mídia brasileira apoiou o golpe, sustentou a ditadura e se
enriqueceu à margem de um regime totalitário que censurava, matava e prendia
quem tinha coragem de se expressar livremente.
Além disso, a liberdade de expressão não existe num regime
de monopólio.
O sistema de comunicação brasileiro não é democrático e,
portanto, não é livre.
E se não é livre, não existe liberdade de expressão.
O poder de poucas famílias sobre tvs, rádios e jornais, não
encontra paralelo no mundo democrático.
O arcabouço legal, após o fim da lei de imprensa, também não
colabora para a liberdade de expressão.
Ricos e poderosos podem processar judicialmente qualquer um
que lhes incomode. Como não há lei, depende-se da opinião de juízes, que
infelizmente ainda formam, no Brasil, um estamento patrimonialista a serviço da
classe dominante
É o caso, por exemplo, de Ali Kamel, que processa vários
blogueiros, por conta de ninharias.
Ninguém lhe chamou de ladrão. Ninguém ofendeu sua família.
Ninguém o desrespeitou como pessoa.
Houve apenas humor, chiste e, no meu caso, uma crítica
política ao chefe do jornalismo do maior monopólio da América Latina.
Não existe liberdade de expressão nem na própria mídia.
Se alguém elogiar um político do qual a mídia não gosta, é
demitido.
Se alguém fizer uma charge crítica ao político que a mídia
gosta, é demitido.
O jornalismo brasileiro encontra-se cada vez mais oprimido
por um patronato sectário.
Não há liberdade nenhuma!
Enquanto todas as profissões liberais se expandem no Brasil
(médicos, advogados, arquitetos, etc), o jornalismo declina.
Os salários são cada vez menores, há cada vez menos
empregos. Os jornalistas se sentem cada vez mais oprimidos nas redações.
Não podem pensar, não podem falar, não podem desenhar, não
podem sequer desabafar nas redes sociais.
Quer dizer, podem desabafar sim, desde que o desabafo seja
agradável aos patrões!
Podem falar o que quiser, desde que toquem conforme a música
dos barões da mídia!
E agora a mídia brasileira, uma mídia monopolista,
conservadora, golpista, astutamente, toma para si a bandeira de Charlie, um
jornalzinho nascido na luta contra os monopólios, contra os conservadores, e
que sempre defendeu, de verdade, a democracia.
No enterro de Charb, seus amigos cantaram a Internacional, a
famosa canção revolucionária, com os punhos erguidos, e Jean-Luc Melechon, uma
das principais lideranças da esquerda francesa, fez o discurso principal.
Melechon foi o candidato a presidente da Frente de Esquerda,
nas eleições de 2012. É um homem público extremamente sério e respeitado pela
esquerda européia.
A esquerda francesa defende a Palestina, defende os
imigrantes, defende todas as minorias, lança candidatos muçulmanos, contra uma
direita cada vez mais racista, cada vez mais reacionária quando o tema é
imigração.
A nossa mídia nunca fez um “Globo Repórter” em detalhes
sobre o socialismo francês, que inclui um sistema tributário progressivo, leis
sobre a herança e sobre as grandes fortunas, educação e saúde públicas para
todos.
O socialismo francês hoje está em crise inclusive por seus
excessos, e pelos vícios do próprio homem. Por exemplo, há 25 anos, o Estado
francês, a partir de conselhos de psicanalistas, começou uma nova política em
relação aos órfãos. Ao invés de orfanatos, as crianças eram alocadas em
famílias que receberiam auxílio do Estado para criá-las. Resultado: uma
quantidade crescente de famílias que rejeitavam os filhos quando este
completavam 18 anos, e o Estado parava de pagar o auxílio.
Os terroristas do atentado são um exemplo. Eles foram
criados por famílias que recebiam auxílio do Estado, e foram rejeitados em
seguida, ingressando no mundo do crime e, depois, aderindo ao terrorismo.
A mídia brasileira é uma talentosa alquimista. Ela consegue
inverter tudo. No primeiro dia da ditadura, os jornais diziam que a democracia
tinha voltado.
Transformaram a democracia de Jango em ditadura, e a
ditadura em democracia.
E agora transformam um jornalzinho comunista-libertário de
Paris em ícone da sua visão distorcida, monopolista, hipócrita de liberdade de
expressão!
Os chargistas do Globo apenas podem fazer charges que
corroborem a linha reacionária do jornal.
Nenhum chargista do Globo tem ou terá liberdade de expressão
para praticar uma arte livre e irreverente!
Sobretudo se a crítica deriva de uma ideologia socialista,
anarquista ou libertária, como era a dos chargistas do Charlie.
Ao contrário, a mídia demite imediatamente qualquer
empregado que tenha manifestação de livre pensamento, sobretudo se esta
liberdade se volta em defesa da classe trabalhadora.
O controle da narrativa permite à mídia criar um universo
paralelo, para dentro do qual até mesmo a esquerda se vê abduzida.
No afã de ser contra a mídia, muitas vezes fazemos
exatamente o jogo dela.
A mídia, malandramente, pegou o discurso de liberdade de
expressão, que é um discurso vencedor, e passou a defender um Charlie e uma
França que sempre representaram tudo que a nossa mídia não é: socialista e
libertária.
No grande jogo da geopolítica mundial, um jogo hoje
profundamente midiatizado, a mídia brasileira quer posar ao lado dos
vencedores, mesmo que estejamos falando de um jornaliznho comunista e
libertário de Paris.
No fundo, ela age certo.
A esquerda, neste caso, é que pode ter cometido um erro, ao
se deixar levar por um pensamento binário (a mídia é favor, então sou contra),
permitindo que a mídia brasileira se finja de paladina de valores que ela, a
mídia, historicamente, nunca defendeu: a democracia e a liberdade de expressão.
A mídia brasileira, tal como ela é hoje, se consolidou na
ditadura.
Jornalzinhos como Charlie Hebdo, havia de montão no Brasil
na década de 60, atendendo a atmosfera da época, profundamente libertária.
Todos foram censurados. Os jornalistas e chargistas só encontraram emprego em
dois ou três jornais do eixo Rio e São Paulo.
Sem concorrentes, sem outros jornais, empresas como Globo e
Folha passaram a dar as cartas na opinião pública brasileira, durante décadas,
e sua influência cresce vertiginosamente após a redemocratização.
Os poucos artistas do texto e da charge que sobreviveram à
hecatombe da ditadura e às terríveis crises econômicas das décadas de 80 e 90,
tiveram que se tornar submissos intérpretes do pensamento patronal.
Em suma, temos que deixar isso bem claro: a mídia brasileira
é exatamente o contrário de tudo que se pode chamar de liberdade de expressão.
Via ContrapontoPIG
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