O líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, enviou uma
mensagem nesta segunda-feira (26) à Federação Estudantil Universitária no
quadro do 70º aniversário de seu ingresso na Universidade de Havana. No texto,
Fidel ressalta que não confia na política dos Estados Unidos. Leia a íntegra
abaixo:
Fidel Castro |
Para meus companheiros da Federação Estudantil Universitária
Queridos companheiros:
Desde o ano de 2006, por questões de saúde incompatíveis com
o tempo e o esforço necessário para cumprir um dever — o que me impus a mim
mesmo quando ingressei nesta Universidade em 4 de setembro de 1945, há 70 anos
—, renunciei aos meus cargos.
Não era filho de operário nem carente de recursos materiais
e sociais para uma existência relativamente cômoda; posso dizer que escapei
milagrosamente da riqueza. Muitos anos depois, o norte-americano mais rico e
sem dúvida muito capaz, com quase 100 bilhões de dólares, declarou ― segundo
publicou uma agência de notícias na quinta-feira da semana passada (22) —, que
o sistema de produção e distribuição privilegiada das riquezas converteria de
geração em geração os pobres em ricos.
Desde os tempos da antiga Grécia, durante quase 3 mil anos,
os gregos, sem ir mais longe, foram brilhantes em quase todas as atividades:
física, matemática, filosofia, arquitetura, arte, ciência, política, astronomia
e outros ramos do conhecimento humano. A Grécia, contudo, era um território de
escravos que realizavam os mais duros trabalhos em campos e cidades, enquanto
uma oligarquia se dedicava a escrever e filosofar. A primeira utopia foi
escrita precisamente por eles.
Observem bem as realidades deste conhecido, globalizado e
muito mal dividido planeta Terra, onde se conhece cada recurso vital depositado
em virtude de fatores históricos: alguns com muito menos recursos do que
necessitam; outros, com tantos que não têm o que fazer com eles. Agora, em meio
a grandes ameaças e perigos de guerras reina o caos na distribuição dos
recursos financeiros e na repartição da produção social. A população do mundo
cresceu, entre os anos 1800 e 2015, de um bilhão a sete bilhões de habitantes.
Poderão ser resolvidos dessa forma o incremento da população nos próximos 100
anos e as necessidades de alimento, saúde, água e moradia que a população
mundial terá, quaisquer que sejam os avanços da ciência?
Bem, deixando de lado estes enigmáticos problemas, é de
admirar pensar que a Universidade de Havana, nos dias em que eu ingressei nesta
querida e prestigiosa instituição, há quase três quartos de século, era a única
que existia em Cuba.
Certamente, companheiros estudantes e professores, devemos
recordar que não se trata de uma, mas contamos hoje com mais de cinquenta
centros de Educação Superior espalhados em todo o país.
Quando vocês me convidaram para participar no lançamento da
jornada pelo 70º aniversário de meu ingresso na Universidade, o que soube com
surpresa, e em dias muito atarefados por diversos temas nos quais talvez ainda
possa ser relativamente útil, decidi descansar dedicando algumas horas à
recordação daqueles anos.
Impressiona-me descobrir que se passaram 70 anos. Na
realidade, companheiros e companheiras, se me matriculasse de novo nessa idade
como alguns me perguntam, responderia sem vacilar que seria em uma carreira
científica. Ao graduar-me, diria como Guayasamín: Deixem-me uma luz acesa.
Naqueles anos, já influenciado por Marx, consegui
compreender mais e melhor o estranho e complexo mundo em que a todos nos coube
viver. Pude prescindir das ilusões burguesas, cujos tentáculos enredaram muitos
estudantes quando menos experiência e mais ardor possuíam. O tema seria longo e
interminável.
Outro gênio da ação revolucionária, fundador do Partido
Comunista, foi Lênin. Por isso, não vacilei um segundo quando no julgamento do
Moncada, onde me permitiram assistir, mesmo que somente uma vez, declarei
perante juízes e dezenas de altos oficiais batistianos que éramos leitores de
Lênin.
Não falamos de Mao Zedong porque ainda não tinha terminado a
Revolução Socialista na China, inspirada em idênticos propósitos.
Advirto, contudo, que as ideias revolucionárias hão de estar
sempre em guarda à medida que a humanidade multiplique seus conhecimentos.
A natureza nos ensina que podem ter transcorrido dezenas de
bilhões de anos luz e a vida em qualquer de suas manifestações está sempre
sujeita às mais incríveis combinações de matéria e radiações.
A roca de cumprimentos pessoalmente entre os presidentes de
Cuba e dos Estados Unidos ocorreu no funeral de Nelson Mandela, insigne e
exemplar combatente contra o Apartheid, que tinha amizade com Obama.
Basta assinalar que já naquele dia, tinham transcorrido
vários anos desde que as tropas cubanas derrotaram de forma esmagadora o
exército racista da África do Sul, dirigido por uma burguesia rica e com
enormes recursos econômicos. É a história de uma contenda que está por ser
escrita. A África do Sul, o governo com mais recursos financeiros daquele
continente, possuía armas nucleares fornecidas pelo Estado racista de Israel,
em virtude de um acordo entre este e o presidente Ronald Reagan, que o
autorizou a entregar os dispositivos para o uso de tais armas com as quais
golpear as forças cubanas e angolanas que defendiam a República Popular de
Angola contra a ocupação desse país pelos racistas. Desse modo se excluía toda
negociação de paz enquanto Angola era atacada pelas forças do Apartheid com o
exército mais treinado e equipado do continente africano.
Em tal situação não havia possibilidade alguma de uma
solução pacífica. Os incessantes esforços por liquidar a República Popular de
Angola para sangrá-la sistematicamente com o poder daquele bem treinado e
equipado exército, foi o que determinou a decisão cubana de assestar um golpe
contundente contra os racistas em Cuito Cuanavale, antiga base da Otan, que a
África do Sul tratava de ocupar a todo custo.
Aquele prepotente país foi obrigado a negociar um acordo de
paz que pôs fim à ocupação militar de Angola e o fim do Apartheid na África.
O continente africano ficou livre de armas nucleares. Cuba
teve que enfrentar, pela segunda vez, o risco de um ataque nuclear.
As tropas internacionalistas cubanas se retiraram com honra
da África. Sobreveio então o Período Especial em tempo de paz, que durou já
mais de 20 anos sem levantar bandeira branca, algo que não fizemos nem faremos
jamais.
Muitos amigos de Cuba conhecem a conduta exemplar de nosso
povo e lhes explico a minha posição essencial em breves palavras.
Não confio na política dos Estados Unidos nem troquei uma só
palavra com eles, sem que isto signifique, muito menos, um rechaço a uma
solução pacífica dos conflitos ou perigos de guerra. Defender a paz é um dever
de todos. Qualquer solução pacífica e negociada aos problemas entre os Estados
Unidos e os povos ou qualquer povo da América Latina, que não implique a força
ou o emprego da força, deverá ser tratada de acordo com os princípios e normas
internacionais. Defenderemos sempre a cooperação e a amizade com todos os povos
do mundo e entre eles os de nossos adversários políticos. É o que estamos
reclamando para todos.
O presidente de Cuba deu os passos pertinentes de acordo com
suas prerrogativas e faculdades que lhe concedem a Assembleia Nacional e o
Partido Comunista de Cuba.
Os graves perigos que hoje ameaçam a humanidade teriam que
dar lugar a normas que fossem compatíveis com a dignidade humana. Nenhum país
está excluído de tais direitos.
Foi com este espírito que lutei e continuarei lutando até o
último suspiro.
Fidel Castro Ruz
26 de janeiro de 2015, às 12h35
Fonte: Granma; tradução de José Reinaldo Carvalho, editor do
Portal Vermelho
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