Um dos três existentes, documento de cultura pré-colombiana
é atração em biblioteca na capital da Saxônia. Para especialistas, ele inspira
sobretudo o respeito à natureza.
A prova de que o mundo não vai acabar fica bem atrás de uma
pesada porta de metal dourada, pintada com hieróglifos. A porta leva do Museu
do Livro diretamente à sala do tesouro da Biblioteca Estatal e Universitária de
Dresden. As paredes são pintadas de preto, uma luz pálida dificulta a visão e
um mistério parece pairar no ar.
A sala guarda escritos seculares como, por exemplo, um cone
de argila da Suméria de quase 4 mil anos, um livro de orações hebraico e uma
Missa em si menor, de Johann Sebastian Bach. No meio do recinto, repousa o
maior tesouro, dentro de uma caixa de vidro: o mundialmente famoso calendário
maia, composto de uma tira de papel amate de 3,5 metros, dobrada em 39 folhas.
Fonte da crença no fim do mundo
O lugar é fresco e escuro, para retardar o processo de
decomposição biológica. Regularmente, o diretor da biblioteca, Thomas Bürger,
leva visitantes de todo o mundo através desse ambiente, explicando quais
informações os sete sacerdotes maias que fizeram o calendário gravaram nas folhas
com quase um palmo de largura. "Há numerosas representações divinas, pois
os maias reverenciavam os deuses da guerra, da morte e também do milho",
afirma Bürger.
"O documento é uma espécie de calendário agrícola, uma
cópia de todo o conhecimento maia disponível na época", acrescenta. Os
sacerdotes previam nascimentos, eclipses e estações chuvosas. No final do
calendário, há uma imagem pintada com cor vermelho escuro. Nela pode ser visto
o senhor do mundo subterrâneo, munido com lanças e uma funda, e a deusa Chak
Cheel, que derrama água de um jarro de barro.
O crocodilo celeste, que os maias provavelmente associavam à
camada mais baixa do céu, também cospe uma grande golfada de água. Esse cenário
sombrio é a base usada pelos teóricos do apocalipse. "Porém, a cena
ilustra, sem sombra de dúvida, um grande dilúvio que era esperado a cada cinco
anos, quando a estação chuvosa coincidia com o dia 4 EB do calendário ritual de
260 dias", escreve o especialista em cultura maia Nikolai Grube, em seu
recém-publicado livro Der Dresdner Maya-Kalender (O calendário maia de
Dresden).
Bürger, que cooperou com a publicação, também vê o detalhe
num contexto bem mais amplo. "Pode-se tirar deste manuscrito a lição de
que devemos ter um grande respeito pela natureza. Tivemos agora uma década com
todos os tipos de inundações e tsunamis. Isso mostra que temos também hoje os
mesmos problemas que os maias tinham, de ocasionalmente serem surpreendidos
pela natureza."
Sorte histórica
É uma boa notícia que haja um calendário como o da
biblioteca de Dresden. Porque a maioria dos documentos da cultura maia,
desaparecida perto do ano 900 d.C., foi destruída. "Quando os europeus
conquistaram o México, os deuses maias eram tão estranhos para eles que o bispo
Diego de Landa ordenou que todos os 5 mil livros maias fossem queimados",
conta Bürger.
Apenas três livros maias sobreviveram não só à
cristianização, mas também ao clima tropical e ao inferno da Segunda Guerra
Mundial: o severamente danificado Codex Peresianus, hoje na Bibliothèque
Nationale de Paris, o Codex Tro-Cortesianus, guardado no Museo de América, em
Madrid, e o Codex Dresdensis. Esse último é o único no mundo cujo original
ainda está acessível.
O calendário é originário do início do século 16, tendo sido
produzido pouco antes da conquista espanhola, embora os pesquisadores não
tenham uma datação mais precisa e não saibam a forma como o documento chegou da
América Latina para a Europa. Relatos dão conta de que o bibliotecário e
capelão da corte Christian Götze o descobriu em 1739, durante uma viagem de
compras a Viena, de onde o levou para a Biblioteca Real, em Dresden.
Somente cem anos depois é que se descobriu que o documento é
um manuscrito maia. O então diretor da biblioteca, Ernst Wilhelm Förstemann,
conseguiu decifrar a grande parte da escrita histórica, marcando o dia 21 de
dezembro de 2012 como uma data importante. Neste dia, começa um novo ciclo de
400 anos, o 14° baktun.
Tributo musical à cultura maia
O tão falado apocalipse é, portanto, apenas uma das
possíveis interpretações. "Acho que muitas mídias usam a mudança de era
mais por razões financeiras. Para mim, isso é uma profanação de algo realmente
sagrado e importante para o povo maia", diz a jovem cantora de 19 anos
Sara Curruchich.
Ela é uma dos seis milhões de descendentes dos maias que
ainda vivem na América Central. Um dia, ela gostaria de vir para Dresden, para
ver o Códice. "A cultura maia é conhecida por sua sabedoria, seu respeito
e sua relação com a natureza. Muito desse conhecimento entrou em esquecimento.
Estaríamos num caminho melhor se pudéssemos voltar a essas origens", diz
ela.
Mas em 21 de dezembro, Curruchich estará conectada a
Dresden. Neste dia, músicos de toda a Europa participarão de um concerto na
biblioteca da cidade. Às 11h50, a cantora maia será conectada ao vivo a partir
do México. "É fascinante construir uma ligação espiritual com uma outra
cultura que há muito tempo desapareceu", diz Markus Rindt, diretor da
Orquestra Sinfônica de Dresden.
Foi ele quem organizou esse grande evento musical. "Foi
incrivelmente difícil encontrar músicos. Os maias quase não cantam mais. E
quando cantam, interpretam música europeia, mexicana ou pop." Curruchich
prova, entretanto, que algo da cultura maia também está sendo mantido vivo pela
geração mais jovem.
Autora: Claudia Euen (md) - Revisão: Alexandre Schossler
Fonte DW - http://www.dw.de/calend%C3%A1rio-maia-que-inspirou-cren%C3%A7a-no-fim-do-mundo-est%C3%A1-em-dresden/a-16466426
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