E eis que chegamos ao tempo em que há um padrão para a
vagina. Não basta mais que esteja depilada, limpa e cheirosa, é necessário
também que pareça uma vagina jovem, virgem (pois é), clara e magra (sim,
magra). Essas vaginas-padrão vemos aos montes nos filmes pornográficos -
completamente depiladas, lembram a genitália infantil, o que nos remete à
questão da pedofilia, que não vou explorar nesse post. Além disso, essas vaginas-padrão
nos dizem o quanto ainda somos preconceituosos, hipócritas e, claro, machistas.
A vagina deve ser clara e magra, seguindo o padrão ariano. A vagina deve
parecer virgem, pois a liberdade sexual feminina ainda não foi aceita e
assimilada pela maioria dos homens (e, talvez, nem pelas mulheres). É evidente
e essencial aqui, penso, a relação entre esses padrões e o mito da beleza e da
eterna juventude.
Para alcançar a vagina perfeita, as mulheres se submetem,
fora as sessões de depilação total, a clareamentos e à labioplastia. Nenhum
desses 'tratamentos' é exatamente novo, mas todos estão se popularizando cada
vez mais, com fins estéticos. A labioplastia é também chamada de cirurgia
íntima e consiste basicamente em cortar ou inchar com gordura pequenos e/ou
grandes lábios vaginais, de acordo com o 'defeito' que se julgue ter. O
pós-operatório dura quase dois meses e, segundo os médicos, a cirurgia pode
diminuir a sensibilidade dos lábios vaginais, o que leva à diminuição do prazer
sexual.
O risco é alto mas, atendendo à demanda, por receio de
ficarem sozinhas e por isso infelizes (outro mito), muitas mulheres deixam-se
ao escrutínio do olhar alheio, o bisturi imaginário que as retalha constantemente
nas revistas femininas, novelas, propagandas, nas ruas e dentro de casa. É
certo que, se há submissão feminina aqui, há sobretudo muita pressão e muito
poder masculinos, pois os homens são os donos das mídias (e também da rua). De
toda forma, é difícil pensar em alguma parte do corpo feminino que não tenha sido
avaliada e para a qual não haja um padrão: cabelos, olhos, pernas, barriga,
joelhos, cotovelos, boca, nariz, bunda, peitos, costas, tornozelos, pés,
mãos,ânus... e também nosso templo (?).
Se me permitem a divagação: penso que assim se delineia o
corpo pós-contemporâneo, por excelência feminino, já que da mulher se exige a
manutenção e/ou 'conquista' da juventude e beleza. Esse é o corpo torturado, o
corpo retalhado, costurado e cheio de cicatrizes . Não é a guerra, entretanto,
nem o trabalho, que o torturam, mas a gama virtualmente infinita de
intervenções estéticas que cortam, secam, incham, serram, enxertam...
transformando-o em escultura sempre passível de remendos ou mesmo de
refazimento. O corpo do nosso tempo é uma mulher em pedaços, permanentemente
imperfeita.
Parabéns a autora do artigo e à sua postagem Comentário lúcido e perfeito. Nas bases dessa paranóia cada vez mais generalizada está a submissão feminina que décadas de trabalho e esforço não conseguiram vencer.
ResponderExcluir