No alto sertão nordestino, a vida pastoril e agrícola não
inspira somente as cantigas que celebram a braveza dos barbatões e a destreza
do cavalo ou consagram a uberdade do solo e enfeitiçam o trabalho dos adjuntos.
Sob o teto dos copiares campestres escutei enlevado, inumeráveis vezes,
divertidas narrativas em prosa e verso, historietas em que aos mais diversos
espécimens zoológicos se mesclavam bichos de grande ferócia, desses que o
senhor Afonso Celso talvez entenda ser motivo de ufania para nosso país não
figurarem da fauna brasileira.
O cego José Tenório, morador no morro do Moinho em
Fortaleza, cantou perante mim A festa dos bichos ou O porco embriagado. Tenório
não me soube dizer quem fosse o autor dessa poesia que, meses depois, com
insignificantes alterações de texto, li em folheto publicado no Piauí, em 1923.
Foi quando apurei que o autor da mesma era Firmino Teixeira do Amaral. Ei-la:
Quando bode era doutor
E cachorro advogado
Andava tudo direito
O mundo bem governado
A justiça muito reta
Ninguém vivia enganado!
O leão sempre foi rei
Casa com uma leoa
Jacaré seu secretário
Onça era uma grande pessoa
Mestre sapo professor
Na beira duma lagoa
Coelho chefe do mato
Peru era viajante
O galo, por ser tenor
Regia um café-cantante
Macaco bicho do rei
E urso rapaz amante
O porco era vagabundo
Passava o dia a beber
Por isso dele ninguém
Amigo queria ser
De toda festa que havia
Porco queria saber
Um dia, mestre coelho
Fez uma festa no mato
Foi cachorro e jacaré
Gente de mais aparato
Finalmente todo bicho:
Menos porco e mestre gato
Rato tocava flauta
Priquito no rabecão
Caititu no contrabaixo
Cururu no violão
Mucuim no clarinete
E tatu no bombardão
O pinto ia com os pratos
O carneiro com o tambor
Mosquito numa rabeca
Era quase professor
Mestre sapo, como chefe
Ia feito regedor
Quando o porco soube disso
Ficou muito injuriado
Disse ao gato: - "Vamos lá
Que eu garanto, por meu lado
Ou nós entramos na festa
Ou o baile está terminado"
O gato disse: - "Eu não vou
Porque acabo apanhando…"
O porco lhe respondeu:
- "Você bem que está mostrando
Ser um gato sem coragem…
Pois fique, que eu vou andando".
O porco, chegando lá
Queria o baile invadir
Jacaré veio e falou
Mandou o porco sair
Como não obedeceu
Foi preciso onça intervir
O urso logo zangou-se
Por a sua namorada
Que era uma anta bonita
E estava ali bem trajada
Por um porco vagabundo
Ser assim desrespeitada
Botaram porco pra rua
Mas ele tornou a entrar
Aí, já era demais
Impossível se aturar
Coelho puxou revólver
Para no porco atirar
O porco sacou da faca
Para matar ou morrer
Cotia teve um ataque
Paca queria correr
Galinha caiu sem fala
Durinha, sem se mexer
Raposa quase que morre
Mucura quebrou o braço
Lagartixa foi pisada
Quase ficou em pedaço
A cabra apanhou de pau
Se não corre, era bagaço
Barata correu pr’um canto
Não quis a vida perder
Preguiça estava num pau
Disse: - "Foi bom não descer…"
Canguru disse: - "O diabo
Quem não trata de correr…"
Girafa, como era grande
Estava tudo apreciando:
Quando viu, na sua costa
Arara estava trepando…
Ema disse: - "Eu vou me embora…"
Coruja saiu voando
Borboleta, há muito tempo
Já tinha se escapulido
Mosca fez sua viagem
Levou pium, seu marido
Garça disse: - "Vocês briguem
Mas não me suje o vestido…"
Aranha estava tremendo
E lesma morta de rir
Macaco olhou para um galho
Tratou logo de subir
Dizendo: -"Porco não trepa
Aqui nunca pode vir!"
Catraia gritava tanto
Que gritava à luz da lua
Minhoca não acertava
Para que lado era a rua
Curica ficou sem pena
Siriroca quase nua
Finalmente, a muito custo
Botaram porco pra fora…
Já tinha dado e apanhado
Por isso disse: - "É agora:
Antes que chegue a polícia
Vou tratando de ir-me embora!"
[...]
Leonardo Mota, "Violeiros do Norte"
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