Orçamento da Capes para 2020 não permite novas bolsas; 83
mil pesquisadores do CNPq podem ficar sem receber em outubro.
Doutorando do Instituto de Química da USP, Mateus Carneiro é
um dos cientistas que esperam pela retomada das bolsas / Foto: Pedro
Stropasolas.
|
Pedro Stropasolas
Em sua cruzada contra a ciência e o conhecimento, o governo
do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem um novo alvo estratégico: o fomento à
pesquisa no Brasil.
Com os cortes de verbas anunciados ao longo dos últimos
meses, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) podem
interromper suas atividades.
No início do mês de setembro um corte de mais 5.613 bolsas
de estudos para pesquisas de pós-graduação – referentes a trabalhos de
mestrado, doutorado e pós-doutorado – foi anunciado pela Capes.
Na última quarta-feira (11), o Ministro da Educação, Abraham
Weintraub, reduziu parcialmente o corte e anunciou que a Capes receberá R$ 600
milhões para a manutenção de 3.182 benefícios vigentes. O dinheiro, no entanto,
abrange apenas os cursos com as melhores conceitos de acordo com a agência e
será suficiente para bancar somente os atuais bolsistas.
Se nada mudar, a Capes terá, em 2020, pouco mais de R$ 3
bilhões para custear as cerca de 215 mil bolsas de formação de professores,
graduação, pós-graduação e intercâmbio.
No total, a Capes já cortou 11.800 bolsas neste ano. Até o
momento, 8.629 vagas em pós-graduações seguem travadas para novos alunos.
Sem sustento
“A partir do momento que não tem bolsa, não tem dinheiro,
como eu vou me sustentar aqui, numa cidade como São Paulo?”, indaga Mateus
Carneiro, doutorando no Instituto de Química, da Universidade de São Paulo
(USP). A instituição é referência no estudo da História e Filosofia da Química.
Após um ano de estudo e um processo seletivo com provas em
inglês e espanhol, Carneiro foi contemplado com uma bolsa da Capes para
financiar os quatro anos de doutorado. Isso após 6 meses sem receber
remuneração pela pesquisa – acumulando boletos e contas a pagar.
No dia 2 de setembro, após o comunicado do MEC, ele recebeu
um e-mail do Programa de Pós-Graduação da USP comunicando que sua bolsa havia
sido cortada.
Sem renda e com dedicação exclusiva à pesquisa – em função
da qual passa mais de dozes horas diárias em seu laboratório –, o doutorando
pretende fazer bicos como professor de química em escolas básicas. “Essas
agências de fomento são importantes justamente para a gente conseguir
sobreviver aqui”, argumenta.
Após a declaração de Weintraub, anunciando a retomada de uma
parcela dos investimentos, Mateus espera a volta de sua bolsa, que ainda não
foi confirmada pelo Programa. “Aqui dentro da instituição, da USP, a gente vê
que a educação vem sendo corroída por dentro. O próprio Ministério da Educação
está acabando com a pesquisa nas universidades públicas do Brasil”, desabafa.
Bolsas do Cnpq com futuro incerto
No mês de agosto, o governo federal também anunciou que não
fornecerá recursos para financiar 83,4 mil bolsas de estudos e pesquisas em
andamento. Também ficam suspensas as assinaturas de novos contratos, previstos
para este ano no Orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao ministério da Ciência e Tecnologia.
O ministro de Ciência e Tecnologia Marcos Pontes prometeu um
remanejamento interno no orçamento do órgão para pagar os R$ 82 milhões
referentes às bolsas de pesquisa de setembro deste ano. Não há, porém, qualquer
garantia de continuidade dessas bolsas até o fim do ano. O pagamento depende da
liberação do recurso por parte do Ministério da Economia.
Com déficit de R$ 330 milhões previsto para este ano, o CNPq
pretende remanejar a verba destinada ao fomento, para pagar as bolsas em
outubro. A área de fomento é utilizada para custear equipamentos, insumos,
manutenção dos laboratórios e materiais para as pesquisas.
A medida impõe outra problemática. Além da incerteza em
relação ao pagamento das bolsas, a pesquisa sofre com os problemas estruturais
das instituições públicas de ensino.
Marcos Gregnani é bolsista do CNPq e doutorando em Biologia
Molecular pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ele pesquisa novas formas de prevenção para
doenças metabólicas, como a obesidade e a diabetes.
O pesquisador relata as dificuldades com a manutenção dos
biotérios no departamento de Biofísica, que vem sendo impactado pelo
racionamento da ração para os animais e a falta de refrigeração adequada.
“Outras universidades com menos recursos que a nossa já
interromperam o trabalho com animais. Você tem aí um trabalho de quatro
gerações de pesquisadores. É uma parte da ciência que pode ser jogada no lixo”,
desabafa.
Segundo o Painel dos Cortes, divulgado pela Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil
(Andifes), o MEC cortou o equivalente a 30% do orçamento destinado à USP.
São Paulo é o estado com o maior número de pesquisadores
ameaçados pelos cortes no CNPq. Os 18.470 bolsistas representam 22% do total no
país. Os cortes também afetam outra modalidade de bolsas da agência, as do
Edital Universal 2018, que selecionou 5.572 projetos. O cancelamento das bolsas, divulgado em
abril, impediu 2.516 pesquisadores de contratarem técnicos especializados para
o desenvolvimento de suas pesquisas.
Sem perspectiva de renda após outubro, Gregnani teme pelo
fim ao fomento a pesquisa. “A educação não pode ser uma pauta de direita ou uma
pauta de esquerda, ela tem que ser uma pauta do país. A população precisa
entender que a gente é isso, que nós somos parte deles”, defende.
Confira a videorreportagem Cortes de Bolsas: ciência e
educação em risco:
Edição: Rodrigo Chagas
Nenhum comentário:
Postar um comentário