O cartunista Miguel Paiva afirma que a cultura brasileira
segue ameaçada. Ele diz: "um país como o Brasil não pode ser entregue a
iniciativa privada como querem os neoliberais. Somos um país pobre, muito
pobre, violento e abandonado, sem autoestima, sem orgulho, sem possibilidades
reais de crescimento nessas condições”.
Charge-Miguel Paiva |
A censura desavergonhada e explícita que vem acontecendo nas
manifestações culturais no Brasil, incluindo as recentes retiradas de apoio da
Caixa Cultural a dois espetáculos teatrais e mais a tentativa de recolhimento
de livros na Bienal acendem de cara o sinal vermelho da democracia. O último
corte anunciado de 43% nos recursos do Fundo Setorial para o Cinema funcionou
como a facada no chuveiro do Psicose de Hitchcock. A trilha sonora sensacional
do Bernard Hermann poderia ser usada para todo o governo Bolsonaro. Aquelas
cordas sincopadas ilustrando o suspense e o terror caem como uma luva no nosso
dia a dia. A cultura vai sendo colocada para escanteio porque , de fato, não
interessa ao governo. Nunca esperei nada diferente dessa turma. E se esperasse
seria uma coisa absurda o que se produziria. A arte ligada a um governo
autoritário é sempre desprezível e de péssima qualidade. Ainda bem que até
agora pouca coisa se fez enaltecendo esse governo. Já vivemos no passado, à
época da ditadura militar que o governo reafirma todos os dias que não existiu,
uma situação parecida. Havia censura prévia explícita, proibição aberta de
filmes, música, teatro e livros.
Assim mesmo, fomos capazes de produzir e muito. É impossível
parar pela força a criação, a inquietação, a manifestação artística. Fica mais
difícil criar mas não impossível. O complicado agora é encarar, disfarçado de
democracia, o clima de penúria cultural depois de anos de efervescência,
produção e reconhecimento, não só aqui mas em todo mundo, da nossa arte. Eles
não querem. Querem um país debaixo de um controle rígido que só produza riqueza
para quem já é rico. As tentativas desatinadas da nova CPMF, a reforma da
previdência que não visa os grandes devedores, a anunciada reforma tributária e
outros projetos existem para poder saldar a dívida assumida para a eleição do
presidente. Nenhum projeto deste governo, cultural ou social, visa o bem estar
do povo, a melhoria da informação ou o desenvolvimento humano. Esse é o projeto
da direita internacional e a cultura bate de frente nisso. O que está se
produzindo a favor do Donald Trump ou do Projeto Brexit, por exemplo? O que se
produziu de bom na Europa de direita? Nada. A cultura não fecha com essas
ideias, muito menos a História ou a Ciência. O mundo anda pra frente levando no
bojo a cultura. Quando começa-se a andar pra trás é sinal de que a ela foi
colocada de lado. Depois, lá na frente, quando a História mudar os rumos desta
prosa vamos encontrar novamente o que foi produzido mesmo sem condições, mesmo
escondido e sob censura nesse período de trevas.
Um país como o Brasil não pode ser entregue a iniciativa
privada como querem os neoliberais. Somos um país pobre, muito pobre, violento
e abandonado, sem autoestima, sem orgulho, sem possibilidades reais de
crescimento nessas condições. Precisamos de um estado, que junto com a
iniciativa privada como parceira, possa criar condições de crescimento social,
de sobrevivência mesmo e de efervescência cultural que também alimenta, ou na
pior das hipóteses, enquanto efervescente, ajuda na digestão dos problemas.
Achar que a meritocracia é justa , que a iniciativa privada vai fazer de tudo
para o desenvolvimento social é cair em outro conto da carochinha que vem sendo
a especialidade deste governo. Quero ver até quando o povo que votou nele vai
continuar esperando que alguma coisa aconteça em seu benefício. Só destruir,
desmontar, não leva a nada, só a uma sensação ilusória de que aquilo que se
combatia, mesmo que inventado, foi destruído.
E agora? fazemos o quê? Acreditamos nas histórias ou
começamos a refletir sobre a merda que se estabeleceu no nosso país? Deprimimos
com a situação atual ou começamos a perceber onde alguma coisa acontece para
podermos reagir? Aceitamos essa tirania cultural ou começamos a articular
alguma reação autônoma, alguma saída para esta penúria cultural que se anuncia?
Sentamos na frente da TV para ouvir as mentiras ou trocamos informações com
nossos pares onde se apresentar a possibilidade. Ficamos atrelados à grande
imprensa ou buscamos a informação na imprensa alternativa? O caminho está aí.
Não dá pra ficar parado.
*Cartunista, ilustrador, diretor de arte, roteirista e
criador da Radical Chic e Gatão de Meia Idade.
Especial para os Jornalistas Pela Democracia
Via - Portal Vermelho
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