No Distrito Federal, onde o modelo foi aplicado no início do
ano, houve recusa por parte de pais e professores.
Estudantes do Colégio da Polícia Militar de Ceilândia, no
Distrito Federal / Agência Brasília/Divulgação.
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Cristiane Sampaio
O programa do governo federal que incentiva a criação de
escolas cívico-militares em estados e municípios, lançado na última
quinta-feira (5), provocou reações de trabalhadores, parlamentares e
especialistas em educação. Anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), o
projeto pretende implantar 216 unidades com esse perfil em todo o país até
2023, com uma média de 54 escolas por ano.
Articulado pelos Ministérios da Educação (MEC) e da Defesa,
o programa prevê que militares da reserva das Forças Armadas trabalhem em
escolas públicas de ensino regular nas fases do Ensino Fundamental II e Ensino
Médio. Quanto aos professores civis, o governo afirma que o objetivo do
programa é mantê-los como responsáveis pela parte didática – toda a gestão das
unidades ficaria sob cuidado de militares.
"Nós não queremos que essa garotada cresça e, no
futuro, seja um dependente até morrer de programas sociais do governo",
disse Bolsonaro à imprensa durante o lançamento do projeto. O governo recebeu
críticas de instituições como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE).
“Quem emite uma opinião dessas não se preocupa e não tem
compromisso em compreender o que é a demanda da educação num país que há 519
anos tem, sistematicamente, negado o direito à educação à maioria da população.
É alguém que não conhece a história da educação no Brasil”, critica Gilmar
Soares, secretário de Assuntos Educacionais da entidade.
Além de membros das Forças Armadas, o programa permite que
estados e municípios desloquem bombeiros e policiais para atuarem na organização
das instituições e auxiliarem na parte de “disciplina” nas unidades
educacionais. Esse é outro aspecto que incendeia os debates em torno do tema.
"A existência de
disciplina na escola advém de o próprio Estado garantir as condições para que o
projeto educacional seja desenvolvido pelos sujeitos dentro da escola. É isso
que apontam o Plano Nacional de Educação, a LDB [Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional], com as condições necessárias pra que seja desenvolvida a
atividade educacional – profissionais efetivos, bem formados, bem pagos,
condições de infraestrutura adequadas, etc. Até hoje a população cobra isso,
mas os governos e a própria condição de Estado que temos hoje negam",
contrapõe Soares. "Não é a transformação em escolas cívico-militares que
vai resolver o problema".
Durante o lançamento do programa, o secretário de Educação
Básica do MEC, Janio Carlos Endo Macedo, disse que os estes ficarão
responsáveis pela “gestão comportamental” do espaço. O programa atuará em três
eixos: educacional, didático-pedagógico e administrativo. Juntos, eles englobam
atividades de supervisão, psicopedagogia, organização e fortalecimento de
valores “humanos, éticos e morais”.
A iniciativa de expansão de escolas militares tem como
cenário um avanço conservador no país, marcado, por exemplo, pela proximidade
entre o chefe do Executivo e as Forças Armadas. Bolsonaro é conhecido pelas
constantes referências elogiosas à doutrina militar e à tortura. Também é
defensor de pautas como o Projeto de Lei (PL) Escola sem Partido, que encontra
solo fértil em ambientes mais conservadores e preocupa especialistas da área
educacional.
Para o deputado distrital Fábio Felix (Psol), que acompanha
o tema das escolas cívico-militares no Distrito Federal (DF), onde unidades
desse modelo já são uma realidade desde o início do ano, o governo Bolsonaro
estaria tentando, com o novo programa, acirrar a disputa ideológica em torno da
educação, área que vem sendo alvo de diferentes iniciativas conservadoras.
“É uma intervenção absolutamente equivocada na educação
brasileira, porque ele a utiliza de forma bem ideológica, para tentar impor e
enraizar o discurso da extrema direita no Brasil. Acho que tem um pouco esse
significado. Ele quer impor um modelo de educação pra fazer uma espécie de
guerra ideológica”, analisa o parlamentar.
Rigidez
Em unidades que seguem o modelo, a rigidez das normas
internas é um dos pontos considerados críticos do sistema de ensino e
convivência. Os estudantes costumam ser submetidos a regras que limitam, por
exemplo, o corte de cabelo. Também é comum o hábito de cantar o hino nacional
sob a orientação de um militar.
Por conta dessas e de outras práticas militares, o projeto
do governo desperta preocupação principalmente entre educadores que conheceram
de perto a atuação militar nas escolas na época da ditadura, como é o caso do
professor Robson Eleutério. Ele acredita que a presença militar nas unidades
tem um risco simbólico e tende a comprometer a formação dos estudantes.
“Não vai ter nenhuma melhora na parte da questão mais
importante, que é a construção do conhecimento porque, aparentemente, tentam
manter uma ordem que não pode ser reproduzida na construção do conhecimento do
aluno. O estudante pode se sentir reprimido em algumas áreas, como história,
artes e literatura, em algumas situações, podendo passar a ter uma visão
fechada, retrógrada e não ter condições de acompanhar a sociedade atual de
forma a entender plenamente os seus contextos”, avalia.
Imposição
De acordo com o governo, os estados e municípios que
quiserem aderir ao modelo precisarão fazer um pedido formal junto ao governo
federal até o dia 27 deste mês para indicar duas unidades que podem receber o
projeto-piloto a partir de 2020. Segundo o MEC, estados e municípios serão que
fazer consulta pública sobre a adesão. Apesar disso, o presidente Bolsonaro
afirmou, durante o lançamento, por diversas vezes, que o modelo poderá ser
imposto.
"Temos aqui a presença física do nosso governador do
DF, Ibaneis. Parabéns, governador, com essa proposta. Vi que alguns bairros
tiveram votação e não aceitaram. Me desculpa, não tem que aceitar, não. Tem que
impor”, disse o chefe do Executivo ao aliado em um dos momentos em que
mencionou a questão.
Um projeto-piloto lançado por Ibaneis Rocha (MDB) no início
do ano inaugurou, em quatro escolas do DF, um modelo de gestão compartilhada
com a Polícia Militar (PM). A ideia é expandir o número para 36 unidades, a
depender dos resultados.
A medida encontra resistência entre pais, alunos,
professores e servidores das instituições. No último dia 17, em uma votação,
três unidades aprovaram o projeto e duas recusaram. Com isso, o governo
desistiu temporariamente desses locais, mas gestores do DF têm afirmado que a
consulta tende a ser repetida.
A votação envolve estudantes, pais, professores e funcionários.
Na unidade Gisno da Asa Norte, uma das instituições onde houve recusa, a
rejeição foi de 73%. Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor, Isley Marth,
sublinha que o a rede educacional do DF segue uma norma legislativa segundo a
qual diferentes ações educacionais precisam passar pelo crivo da comunidade
escolar antes de serem implementadas.
“A comunidade escolar é que dá a pontuação do respirar de
uma escola. A comunidade tem autonomia, tem o direito de escolha. O Brasil é
assim. Nós não temos que trabalhar com imposição”, defende.
Edição: Daniel
Giovanaz
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