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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

115 anos de Prestes: A Carta aos Comunistas de março de 1980

Neste 3 de janeiro Luiz Carlos Prestes completaria 115 anos. Tendo dedicado toda a sua vida à luta pela liberdade, contra o imperialismo e pela construção do socialismo no Brasil, Prestes imortalizou-se como herói do povo brasileiro e latino-americano, referência histórica para os comunistas em todo o mundo. Sua heroica e trágica existência marcarão para sempre a memória dos lutadores e lutadoras do povo, sendo fonte permanente de exemplo para as novas gerações de comunistas.

Por Rita Coitinho*


Recentemente o Partido Comunista do Brasil rendeu-lhe homenagens, por ocasião dos 90 anos do partido. Acertadamente, o PCdoB assumiu para si o legado de Luiz Carlos Prestes, do qual havia se afastado desde a reorganização do partido. Esse afastamento de décadas talvez tenha privado o maior partido comunista do Brasil do estudo minucioso das contribuições teóricas do revolucionário Prestes. Não é tarde, entretanto, para nos debruçarmos sobre seu legado. Ao lermos com atenção os documentos produzidos por Prestes nos últimos anos de sua vida não teremos dificuldades em identificar a surpreendente atualidade de suas formulações sobre a revolução brasileira e sobre o partido revolucionário necessário à sua construção.

A Carta aos Comunistas (1) , escrita em março de 1980 - alguns meses após o regresso de Luiz Carlos Prestes do exílio vivido na Europa -, é um desses documentos fundamentais dos últimos anos da vida do dirigente. Nela Prestes empenhava-se em debater os rumos do PCB. No exílio, juntamente com outros dirigentes do partido, o então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro tornara-se mero figurante, na medida em que a direção partidária agia à revelia de seu principal dirigente e conduzia o coletivo a uma situação de isolamento do movimento de massas e arrefecimento do seu caráter revolucionário. Ao retornar ao Brasil, Prestes buscou discutir os rumos tomados pelo partido, lutando pela realização de um congresso verdadeiramente democrático, onde os militantes de todo o país pudessem ser chamados a opinar e reconstruir o partido.

Para Luiz Carlos Prestes um congresso dessa importância não poderia ser realizado nas condições impostas pela clandestinidade, razão pela qual o PCB deveria combinar a organização dos debates com a luta de massas pela abertura democrática e a legalização do partido. Isolado do coletivo partidário por ação do Comitê Central, Prestes decidiu escrever um documento endereçado à militância do partido, onde denunciava o mandonismo e o golpismo da direção, externava suas posições revolucionárias e conclamava a militância a lutar pela democratização do país e tomar os rumos do partido em suas mãos.

Prestes inicia a carta aos comunistas explicando os motivos pelos quais decide agir dessa forma. Assume a sua responsabilidade, como dirigente, pela situação vivida pelo partido e mostra que, dada a situação, não lhe restava outra opção senão tornar público o seu posicionamento: (...) Fica cada vez mais evidente que, através de intrigas e calúnias, o inimigo de classe – após nos ter desferido violentos golpes nos últimos anos – pretende agora minar o PCB a partir de dentro, transformando-o num dócil instrumento dos planos de legitimação do regime. Este é o motivo pelo qual as páginas da grande imprensa foram colocadas à disposição de alguns dirigentes do PCB, enquanto em relação a outros o que se verifica é o boicote e a tergiversação de suas opiniões (...) Diante de tal situação não posso calar por mais tempo. Tornou-se evidente que o PCB não está exercendo um papel de vanguarda e atravessa uma séria crise já flagrante e de conhecimento público, que está sendo habilmente aproveitada pela reação no sentido de tentar transformá-lo num partido reformista, desprovido do seu caráter revolucionário e dócil aos objetivos do regime ditatorial.

Na Carta, Prestes vai além da denúncia dos erros da direção do partido. Propõe-se a analisar a orientação política do PCB e aponta suas debilidades, apresentando-as, inclusive, como uma autocrítica: (...) é necessário, agora, mais do que nunca, ter a coragem política de reconhecer que a orientação política do PCB está superada e não corresponde à realidade do movimento operário e popular do momento que hoje atravessamos. Estamos atrasados no que diz respeito à análise da realidade brasileira e não temos respostas para os novos e complexos problemas que nos são agora apresentados pela própria vida, o que vem sendo refletido na passividade, falta de iniciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje. A crise que atravessa o PCB expressa-se também na falência de sua direção que, entre outras graves deficiências, não foi capaz de preparar os comunistas para enfrentar os anos negros do fascismo, facilitando à reação obter êxito em seu propósito de atingir profundamente as fileiras do PCB, desarticulando-o em grande parte. Não foi a direção do PCB capaz nem ao menos de cumprir o preceito elementar de separar com o necessário rigor a atividade legal da ilegal. Inúmeros companheiros tombaram nas mãos da reação em conseqüência da incapacidade da direção, que não tomou as providências necessárias para evitar o rude golpe que atingiu nossas fileiras nos anos de 1974 e 1975.

Na realidade, Prestes reconhecia que a crise vivida pelo PCB arrastava-se desde 1958, tendo sido provocada, em grande medida, pelas repercussões mundiais do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Naquela ocasião, o Comitê Central, sob a direção de Prestes, havia buscado a reunificação do partido em torno da aprovação da chamada “Declaração de Março” de 1958. De acordo com texto (2) da historiadora Anita Leocádia Prestes,

Na elaboração desse documento, Prestes desempenhara papel decisivo, tendo assegurado a reunificação do Partido. Mas, nessa ocasião, ele já manifestara divergências em relação à nova orientação política adotada pela direção do PCB. O secretário-geral, para garantir a unidade do Partido, tivera que fazer concessões e buscar uma conciliação entre as posições de “esquerda” e de “direita” dos dirigentes partidários da época. A Declaração de 1958 representou, no fundamental, uma guinada para a direita na política do PCB, uma vez que postulava a conquista de um “governo nacionalista e democrático”, cujo objetivo seria contribuir para o desenvolvimento de um capitalismo autônomo no Brasil. Na realidade, o capitalismo dependente e associado ao imperialismo vinha se afirmando no país, revelando a inviabilidade da proposta dos comunistas.

Os erros do passado conduziram o PCB ao estado em que se encontrava em 1980 e Prestes chamava para si a responsabilidade por eles, revelando, mais uma vez, seu extraordinário caráter e convicção revolucionária. Desvelou, na Carta, os métodos equivocados de direção (o “oportunismo”, o “carreirismo”, o “mandonismo” e o “compadrismo”, além da ausência de uma justa política de quadros e a falta de princípios), uma realidade partidária em que, na prática, inexistia uma direção e uma real unidade em torno de objetivos politicamente claros e definidos.

Profundamente leninista, Prestes justificava suas preocupações com os rumos do partido lembrando a centralidade de uma organização de vanguarda para a construção do socialismo. Em síntese, um partido revolucionário que, baseado na luta pela aplicação de uma orientação política correta conquistasse o lugar de vanguarda reconhecida da classe operária. Um partido operário pela sua composição e pela sua ideologia, em que a democracia interna, a direção coletiva e a unidade ideológica, política e orgânica fossem uma realidade construída na luta.

Reconhecendo não ser este o caso do PCB, Prestes conclamava a militância a reagir, formulando novos métodos de vida partidária realmente democráticos e efetivamente adequados às tarefas da luta revolucionária. Para isso, fazia-se necessário construir um outro tipo de direção, inteiramente diferente daquela, além de reformular a atuação do partido junto à população e resgatar o papel dos veículos de imprensa partidária.

Defendendo o aprofundamento da democracia interna e a necessária realização de um congresso uma vez conquistada e legalidade, Prestes destacava que o fundamental era o reconhecimento dos erros de análise da realidade brasileira. Resgatando a formulação de Lênin, Prestes destacava que não se pode separar a elaboração de uma estratégia revolucionária da estratégia de construção de uma organização revolucionária. Ambas se condicionam reciprocamente. A estratégia revolucionária é a condição da eficiência da organização, e a organização é a condição da formulação de uma estratégia correta.

Analisando os anos da ditadura, Prestes destacou o aprofundamento dos problemas sociais, a despeito do desenvolvimento econômico, confirmando a tese de que o desenvolvimento capitalista não é capaz de resolver os problemas do povo e nem sequer de amenizá-los. Dessa forma, a solução desses e demais problemas fundamentais exige transformações sociais profundas, que só poderão ser iniciadas por um poder que efetivamente represente as forças sociais interessadas na liquidação do domínio dos monopólios nacionais e estrangeiros e na limitação da propriedade da terra, com o fim do latifúndio. E é por isso que a luta atual pela derrota da ditadura e a conquista das liberdades democráticas é inseparável da luta por esse tipo de poder que, pelo seu próprio caráter, representará um passo considerável no caminho da revolução socialista no Brasil.

Prestes afirmava que a luta pela democracia era parte integrante da luta pelo socialismo. Seria no próprio processo de mobilização pela conquista de objetivos democráticos parciais (o que incluiria as reivindicações não apenas políticas, mas também econômicas e sociais) que a população poderia tomar consciência dos limites do capitalismo e da necessidade de avançar para formas cada vez mais desenvolvidas de democracia, inclusive para a realização da revolução socialista.

As condições em que se daria o restabelecimento da democracia dependeriam do nível de unidade das forças sociais empenhadas nessa luta. Caberia aos comunistas empenhar-se no esforço de mobilização da classe operária e demais setores populares para alcançar formas cada vez mais avançadas de democracia e, nesse processo, chegar à conquista do poder pelo bloco de forças sociais e políticas interessadas em realizar (...) profundas transformações (...) que deverão constituir os primeiros passos rumo ao socialismo, e, portanto, à mais avançada democracia que a humanidade já conhece – a democracia socialista.

Combatendo os acordos “por cima”, que abandonavam princípios do partido em troca de uma legalidade consentida (e não conquistada), Prestes afirmava na Carta que um partido comunista não pode, em nenhuma situação, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores (...) o dever dos comunistas é dirigir essas lutas dos trabalhadores, contribuindo para sua unidade, organização e conscientização, mostrando-lhes que é necessário caminhar para o socialismo, única forma de assegurar sua real emancipação.

Era por este viés que Prestes abordava a questão das alianças com outras organizações progressistas e democráticas. Ao mesmo tempo em que se fazia necessária a construção de uma grande frente de lutas, os comunistas não poderiam privilegiar os entendimentos com os dirigentes em detrimento dos anseios das massas: (...) para os comunistas o fundamental é a organização, a unificação e a luta permanente pela elevação do nível político da classe operária e das massas populares (...) Só assim agindo, realizarão os comunistas uma política capaz de impulsionar o movimento de massas, uma política que não pode ser a de ficar a reboque dos aliados burgueses, mas, ao contrário, a de não poupar esforços para que as massas assumam a liderança do processo de luta contra a ditadura e pela conquista da democracia, assim como de sua ampliação e aprofundamento continuado.

Prestes propunha, assim, a unidade das forças de "esquerda" – quer dizer, aquelas que lutam pelo socialismo – num trabalho de organização da classe trabalhadora. Para ele estava na ordem do dia a questão da unidade de todos que se propõem a lutar efetivamente por uma perspectiva socialista para o Brasil. Posteriormente, o líder comunista tornaria público outro documento, a “Proposta para Discussão de um Programa de Soluções de Emergência - Contra a Fome, a Carestia e o Desemprego”(3), uma plataforma de lutas comum aos setores de esquerda, em torno da qual poderia se constituir um amplo movimento de massas orientado ao socialismo.

Fundamentalmente, o que Luiz Carlos Prestes se propunha na Carta aos Comunistas era lançar as bases para uma reflexão crítica sobre os processos que conduziram o PCB à situação em que se encontrava em 1980, cujo desenvolvimento o levou à ruptura com o partido. Ao mesmo tempo, ao denunciar as práticas inadequadas, procurava estimular o debate e afastar o fantasma das perseguições internas, das rotulações a militantes (“esquerdista”, “eurocomunista”, “golpista” etc.), das desqualificações dos argumentos em nome de uma pretensa unidade que conduzira o PCB ao imobilismo. Prestes colocava em prática a formulação leninista de unidade entre a organização política e a estratégia revolucionária: somente uma reflexão profunda sobre as formulações equivocadas aplicadas até então e sobre as práticas partidárias degeneradas poderiam ter reconduzido o PCB à frente das lutas pela democratização na década de 1980. A tentativa do dirigente revolucionário foi de chamar o partido à elaboração de soluções adequadas à situação do Brasil de hoje, partindo do princípio de que nosso objetivo final, enquanto comunistas, só pode ser um: a construção da sociedade socialista e do comunismo em nossa Terra. E para isso, é imprescindível que todos aqueles que queiram contribuir para a vitória desses objetivos unam suas forças e procurem chegar a um programa comum, sem cair na cópia de modelos estrangeiros (...)

Ao se referir à necessidade de formular o programa dos comunistas, tinha em vista chegar, por um processo de discussão efetivamente livre, à elaboração do caminho para o socialismo nas condições brasileiras e à sua aprovação de forma democrática.

Fundamentalmente, Prestes apontava para a necessidade de transformações radicais de cunho antimonopolista, anti-imperialista e antilatifundiário, sendo necessário mostrar aos trabalhadores que os grandes problemas que afetam a vida de nosso povo só poderão ser solucionados com a liquidação do poder dos monopólios nacionais e estrangeiros e do latifúndio, e que isto só será conseguido com a formação de um bloco de forças antimonopolistas, anti-imperialistas e antilatifundiárias, capaz de assumir o poder e de dar início a essas transformações. Poder que, pelo seu próprio caráter, significará um passo decisivo rumo ao socialismo. E para que esse processo tenha êxito, é indispensável que a classe operária – a única consequentemente revolucionária – seja capaz de exercer o papel dirigente do referido bloco de forças. Mas este papel dirigente só se conquista na luta. O dever dos comunistas é exatamente o de contribuir para que esse objetivo seja alcançado.

Prestes acabou por deixar as fileiras do PCB, não vendo ali possibilidade de implementar as mudanças a que se referia do documento de março de 1980. Saiu, junto com outros comunistas revolucionários, em busca de uma alternativa organizativa inovadora que acabou por não se realizar, ao mesmo tempo em que o PCB passou por uma nova cisão em 1992, que deu origem ao atual PPS, herdeiro do oportunismo de direita já identificado e denunciado na Carta, doze anos antes.

Passados 33 anos da publicação da Carta aos Comunistas, o Brasil se encontra em uma situação diferente daquela em que o documento foi redigido, contando com instituições democráticas bastante consolidadas e um crescente desenvolvimento capitalista – com suas contradições intrínsecas e insuperáveis. Permanecem, porém, os principais desafios sobre o qual se debruçava “o Velho”, na medida em que os avanços dos últimos anos não foram suficientes para superar as mazelas do latifúndio e da concentração de renda, nem tampouco frear o crescente domínio do capital financeiro e especulativo sobre a economia do país. Daí a atualidade do texto: como avançar para a construção do socialismo? De que maneira podem os comunistas colocar na ordem do dia, junto às demais forças de esquerda, o aprofundamento das conquistas democráticas, sociais e econômicas rumo a uma democracia verdadeiramente socialista? Como organizar e fortalecer o Partido Comunista do Brasil para que esteja à altura da tarefa histórica a que se propõe?

* Rita Coitinho é cientista social, mestra em Sociologia e militante do PCdoB em Santa Catarina

Via Portal Vermelho

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