Governo admite não dispor de meios financeiros suficientes para cuidar de todos os objetos de valor cultural. Demolição de prédios históricos expõe falhas na lei de preservação do patrimônio.
Após adquirir em 2011 uma propriedade datada entre o final do século 19 e o início do 20, uma empresária de Pskov se comprometeu a preservá-la. Fechado o negócio, no entanto, apressou-se a demolir o edifício para construir, em seu lugar, um hotel.
Na Rússia, notícias assim não causam admiração, mas espanta o fato de a investidora ter sido condenada ao pagamento de uma multa de apenas 35 mil rublos (cerca de US$ 1.000).
O diretor do Departamento de Controle, Inspeção e Licenciamento do Patrimônio Cultural do Ministério da Cultura da Rússia, Vladímir Tsvetnov, explica que a legislação atual não contempla nenhum código de multas por atentados contra o Patrimônio Cultural.
Tal código, ainda segundo Tsvetnov, surgirá em agosto e vai prever multas de até 20 milhões de rublos (cerca de US$ 620 mil) pela demolição de um imóvel cultural de importância federal e até 60 milhões de rublos (cerca de US$ 1,8 milhões) pela destruição de um monumento que conste do Patrimônio Mundial da Unesco.
Insuficientes
As medidas parecem desde já insuficientes levando em conta os locais e monumentos que “valem bem a multa”. Um exemplo é a casa do velho Bolkonski, transformada, nos últimos meses, no epicentro de lutas entre empreiteiros e ativistas.
No final do século 18, a moradia dos Volkónski, na rua Vozdvíjenka, em Moscou, foi remodelada após um incêndio em 1812. O príncipe Nikolai Volkónski (avô do escritor Lev Tolstói), que inspirou a personagem do velho príncipe Bolkónski de “Guerra e Paz”, comprou-a em 1816.
O edifício aguentou duas guerras mundiais, permaneceu intacto na época soviética, mas, em 2009, foi excluído do cadastro dos monumentos arquitetônicos, o equivalente a uma condenação de morte: há dois anos, as autoridades aprovaram um projeto visando a sua reconstrução “enquadrada por medidas especiais que concorram para a recuperação do meio histórico e urbanístico”.
Na realidade, a dita “recuperação do meio histórico e urbanístico” traduziu-se no acréscimo de mais dois andares. Supõe-se que o proprietário do edifício –a fundação Centro de Desenvolvimento de Relações Interpessoais– queira alugar a área para escritórios.
A organização social Supervisão Arquitetônica, de defesa dos monumentos moscovitas, calculou que os rendimentos de aluguel da moradia dos Volkonski após a reconstrução pode chegar a vários milhões de rublos por ano. Portanto, para o empreendedor, “vale a pena o sacrifício”.
Durante 2012, a Rússia perdeu 40 monumentos do seu Patrimônio Cultural, revelou recentemente o Departamento de Controle, Inspeção e Licenciamento do Patrimônio Cultural do Ministério da Cultura da Rússia.
“É do conhecimento geral a história rica deste edifício, onde viveu o avô de Liev Tolstói, mas não existem os respetivos documentos, pelo que nada podemos fazer. Nós não somos historiadores”, explica Tsvetnov.
Distorções de fatos históricos e conclusões enganosas são discussões frequentes entre especialistas durante a realização de perícias alternativas.
Na opinião dos membros da Supervisão Arquitetônica, esses fatores já conduziram à destruição de alguns objetos culturais, como o Estádio do Dínamo e o grande armazém Mundo Infantil.
“Lamentavelmente, a falsa perícia está florescendo. Nem sempre se trata da falsificação dos fatos. Por vezes, são conclusões distorcidas, como no caso da Estação Leningradski”, diz o coordenador da organização, Rustam Rakhmatullin.
Rakhmatullin explica que os peritos aprovaram a demolição do monumento a pretexto da sua “adaptação”, constatando, ao mesmo tempo, que a parte a demolir fazia parte do patrimônio preservado.
Houve também distorção histórica, diz Rakhmatullin, na perícia pública histórica e cultural do estádio do Dinamo, construído nos anos 1920, a qual concluiu que três quartos das paredes da instalação desportiva foram demolidas antes dos Jogos Olímpicos de 1980.
“Ora, essas paredes foram realmente demolidas, mas em 2012, não em 1980”, diz o especialista.
Os especialistas continuam à procura da melhor maneira de salvar imóveis culturalmente valiosos. Além da estipulação de multas pesadas, outra das possíveis soluções poderia ser a privatização de edifícios históricos impondo rigorosas medidas de conservação, bem como a dissolução dos contratos de privatização caso as normas fossem infringidas.
“Temos de entregar edifícios a particulares, pois não dispomos de meios financeiros suficientes para cuidar de todos os objetos de valor cultural. Precisamos tirar partido do capital privado”, assume Tsvetnov.
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