Saiu na página de opinião, online, do New York Times:
São Paulo –
Os jovens, dedos rápidos nos celulares, tomaram as ruas ao
redor do mundo.
Seria mais fácil explicar esses protestos quando ocorrem em
países não-democráticos, como no Egito e na Tunísia em 2011, ou em países onde
a crise econômica aumentou o número de jovens e trabalhadores desempregados a
níveis assustadores, como na Espanha e na Grécia, do que quando surgem em
países com governos democráticos populares – como o Brasil, onde nos
beneficiamos atualmente de uma das mais baixas taxas de desemprego de nossa
História e uma expansão sem paralelo dos direitos econômicos e sociais.
Muitos analistas atribuem os protestos recentes a uma
rejeição da política. Eu acho que é precisamente o oposto: eles apontam no
sentido de ampliar o alcance da democracia e incentivar as pessoas a tomar
parte mais plenamente (da democracia).
Eu só posso falar com autoridade sobre o meu país, Brasil,
onde eu acho que as manifestações são em grande parte o resultado de sucessos
sociais, econômicos e políticos. Na última década, o Brasil duplicou o número
de estudantes universitários, muitos vindos de famílias pobres. Nós reduzimos
fortemente a pobreza e a desigualdade. Estas são conquistas importantes; no
entanto, é perfeitamente natural que os jovens, especialmente aqueles que
obtiveram o que seus pais nunca tiveram, desejem mais.
Esses jovens não viveram a repressão da ditadura militar de
1960 e 1970. Eles não viveram a inflação da década de 1980, quando a primeira
coisa que fazíamos quando recebíamos o nosso contracheques era correr para o
supermercado e comprar o que fosse possível, antes que os preços subissem
novamente no dia seguinte. Eles se lembram muito pouco da década de 1990,
quando estagnação e o desemprego deprimiam nosso país. Eles querem mais.
É compreensível que seja assim. Eles querem serviços
públicos de melhor qualidade. Milhões de brasileiros, incluindo os da classe
média emergente, compraram seu primeiro carro e começaram a viajar de avião. Agora, o transporte
público tem que ser eficiente, para tornar a vida nas grandes cidades menos
difícil.
As preocupações dos jovens não são apenas materiais. Eles
querem mais acesso ao lazer e a atividades culturais. Acima de tudo, eles
exigem instituições políticas mais limpas e mais transparentes, sem as
distorções do sistema político e eleitoral anacrônico do Brasil, que, recentemente, se mostraram incapazes de se
reformar. Não se pode negar a legitimidade dessas demandas, mesmo que seja
impossível alcançá-las rapidamente. É necessário, primeiro, encontrar fundos,
fixar objetivos e estabelecer prazos.
Democracia não faz acordo com o silencio. Uma sociedade
democrática está sempre em fluxo, a debater e definir prioridades e desafios,
em constante busca de novas conquistas. Só numa democracia um índio poderia ser
eleito presidente da Bolívia, um afro-americano ser eleito presidente dos
Estados Unidos. Só numa democracia, pela primeira vez, um metalúrgico e, em
seguida, uma mulher poderiam ser eleitos presidente do Brasil.
A História mostra que, quando os partidos políticos são
silenciados e as soluções são impostas
pela força, os resultados são desastrosos: guerras, ditaduras e a perseguição das minorias. Sem
partidos políticos não pode haver nenhuma democracia verdadeira. Mas as pessoas
não desejam simplesmente votar a cada quatro anos. Elas querem interação diária
com os governos locais e nacionais, e participar da definição de políticas
públicas, oferecer opiniões sobre as decisões que as afetam no dia a dia.
Em resumo, elas querem ser ouvidas. Isso é um enorme desafio
para os líderes políticos. Isso requer melhores formas de participação, através
dos meios de comunicação social, no local de trabalho e nas universidades, para
reforçar a interação com trabalhadores e
líderes comunitários, mas, também, com os chamados setores
desorganizadas, cujos desejos e necessidades não devem ser menos respeitados
porque não tem organização.
Diz-se, e com razão, que a sociedade entrou na era digital e
a política permaneceu analógica. Se as instituições democráticas utilizassem as
novas tecnologias de comunicação como instrumento de diálogo e não, apenas,
para propaganda, elas passariam a respirar ar mais fresco. E com isso estariam
mais em sintonia com toda a sociedade.
Mesmo o Partido dos Trabalhadores, que eu ajudei a fundar, e
que tem contribuído para modernizar e democratizar a política no Brasil,
precisa aprofundar a renovação. Precisa recuperar suas ligações diárias com os
movimentos sociais e oferecer novas soluções para novos problemas, e fazer as
duas coisas sem tratar os jovens paternalisticamente.
A boa notícia é que os jovens não são conformistas, apáticos
ou indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que pensam odiar a política estão começando a participar.
Quando eu tinha a idade deles, eu nunca imaginei que iria me tornar um
militante político. No entanto, criamos um partido político quando descobrimos
que o Congresso Nacional praticamente não tinha representantes da classe
trabalhadora. Através da política conseguimos restaurar a democracia,
consolidar a estabilidade econômica e criar milhões de empregos.
Claramente ainda há muito a fazer. É uma boa notícia que os
nossos os jovens queiram lutar para que a mudança social siga em um ritmo mais
intenso.
A outra boa notícia é que o presidenta Dilma Rousseff propôs
um plebiscito para promover as reformas
políticas tão necessárias. Ela também propôs um compromisso nacional para a
Educação, a Saúde e o Transporte Público, em que o Governo Federal dará apoio
financeiro e técnico substancial a Estados e Municípios.
Quando falo com jovens líderes no Brasil e em outros lugares
eu gosto de dizer: mesmo se você perder a esperança em tudo e em todos, não dê
as costas à Política. Participe! Se você não encontrar nos outros o político
que você procura, você pode encontrá-lo ou encontrá-la em você mesmo.
Luis Inácio Lula da Silva foi presidente do Brasil e agora
trabalha em iniciativas globais, no Instituto Lula.
(Tradução de Murilo Silva e Paulo Henrique Amorim)
Via - Conversa Afiada
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