A Gazeta do povo Publica uma série especial sobre a guerra mais sangrenta da América do Sul, que matou cerca de 270 mil paraguaios e 100 mil aliados. O conflito deixou rancores que persistem até hoje.
Reportagem: Diego Antonelli. Fotos: Marcelo Andrade.
Reportagem: Diego Antonelli. Fotos: Marcelo Andrade.
Parte 1: 15 de dezembro de 2014
Cento e cinquenta anos depois, a Guerra do Paraguai ainda é
uma ferida aberta de cicatrização lenta. Os rancores da batalha mais sangrenta
da América do Sul, que matou cerca de 270 mil paraguaios e 100 mil aliados,
persistem até hoje. Um dos conflitos não resolvidos está ligado às divergentes
versões de paraguaios e brasileiros para explicar as causas do confronto. Do
outro lado da trincheira, estão os embates diplomáticos sobre a não devolução
dos troféus de uma guerra iniciada em 1864 e que se estendeu até 1870.
Canhão El Cristiano
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Como faz parte do patrimônio histórico brasileiro, o canhão
teria de passar por um processo de “destombamento”. Retirado da Fortaleza de
Humaitá, o armamento ganhou esse nome por ter sido construído a partir de metal
fundido de sinos de igrejas de Assunção. Em contrapartida, o país vizinho ainda
tem o navio brasileiro Anhabahy exposto como troféu na cidade de Vapor Cué.
“Como um pedaço de ferro pode ser maior que as relações
diplomáticas entre os dois países? Uma troca fortaleceria o Mercosul. Como
confiar na base da desconfiança?”, indaga o pesquisador Eduardo Nakayama,
membro da Academia Paraguaia de História. O historiador Ricardo Salles, por sua
vez, afirma que poucos países devolvem troféus de guerra. “Mas acho que isso
deveria ser feito. É uma reivindicação justa”, afirma.
Para Nakayama, o gesto simbólico de devolver o canhão
poderia intensificar as negociações políticas e econômicas entre Brasil e
Paraguai, selando uma cooperação mais confiável em todo o Mercosul. Além disso,
o professor da Universidad Nacional de Asunción Herib Caballero acredita que o
gesto de devolver o canhão ajudaria a encerrar definitivamente o conflito,
“cuja recordação é sinônimo de dor e desesperança na memória coletiva dos
paraguaios”. Ainda não há uma definição se algum dos governos irá ceder a essa
batalha que já avançou para o século 21. O Itamaraty afirma que não há
negociação em curso sobre o assunto.
Visões
Outro “conflito” está arraigado nos livros de História.
Versões antagônicas para explicar os motivos da guerra foram disseminadas ao
longo de um século e meio. Basicamente, há quem acredite que tudo começou
devido ao imperialismo da Inglaterra, que queria impedir que um Paraguai
autossuficiente prosperasse no Cone Sul sem os produtos industrializados
ingleses. Do outro, os que apontam que os atritos começaram por causa da
consolidação das fronteiras nacionais e, principalmente, pela hegemonia no Rio
da Prata.
Quem defende a primeira versão afirma que o Paraguai era um país em avanço econômico que colocaria em perigo as relações inglesas com os demais países da América do Sul. O historiador do Museu Militar de Assunção, Stanislau Diego Esquivel, diz que o país já tinha fundições de ferro e ferrovias. “O governo britânico queria destruir e desmantelar o Paraguai antes que virasse uma potência. Por isso financiaram os aliados. Era um interesse econômico.”
Porém, essa versão foi revisada inclusive por historiadores
paraguaios contemporâneos. Para Caballero, o conflito teve muitas causas.
“Havia problemas de limites e as disputas políticas internas do Uruguai. A
Inglaterra não participou como Estado. O que havia eram bancos que emprestaram
dinheiro ao Brasil.” Ele acrescenta que não é possível cravar que o Paraguai
era uma potência regional.
O historiador Francisco Doratioto, da Universidade de Brasília, e autor de Maldita Guerra, ressalta que as razões do conflito foram distorcidas durante anos. “O Paraguai não era uma potência econômica como se propagou. Havia ferrovia, telégrafo e fundição de ferro, que no Brasil já tinha desde o século 18. A guerra está inserida em um contexto histórico regional.”
Interpretação
Nas ruas de Assunção, capital paraguaia, é perceptível que pelo
menos parte da população ainda tende a culpar a Inglaterra pela guerra e a crer
que o Paraguai era uma potência regional à época: uma visão amarrada com a
historiografia mais antiga e amplamente difundida no país durante anos.
Marina Rotela, 51 anos, natural de Assunção
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Já o auxiliar de produção Julio Rojas, 38 anos, credita a
guerra aos supostos interesses econômicos dos ingleses. “O Paraguai estava em
um grande progresso e se não tivesse a guerra poderia ser uma Suíça da América
do Sul.”
Tudo começou no Uruguai com a deflagração de uma guerra civil iniciada em abril de 1863 em que os colorados lutavam pela derrubada do governo dos blancos, eleito em 1860.
Brasil e Argentina
O Brasil estava interessado na abertura do Rio Paraguai à
livre navegação e preocupado com os limites fronteiriços com a província do
Mato Grosso. Havia uma disputa territorial entre o Império Brasileiro e o
Paraguai nessa região, que remonta a 1856, quando fora firmado um tratado entre
os dois governos estabelecendo um prazo de seis anos para se definir o limite
entre os países. Passou o prazo e nada foi feito. Também havia um problema de
fronteira entre o Paraguai e a Argentina, na região de Misiones e no Chaco.
Nova política
Ao assumir o poder em 1862, Solano López queria que seu país
fosse protagonista na América do Sul. Para isso, ele costurou alianças com o
general Urquiza, opositor do governo de Bartolomeu Mitre em Buenos Aires, e com
o governo blanco do Uruguai. Segundo o historiador Francisco Doratioto, o
Paraguai também buscava acesso ao mercado internacional através do Porto de
Montevidéu.
Vizinhos unidos
Argentina e Brasil estavam juntos apoiando os colorados
uruguaios. O presidente argentino tomou essa decisão porque os blancos
simbolizavam o risco de uma oposição federalista em uma República Argentina
recém-unificada.
Pretexto fraco
Doratioto conta que cerca de 40 mil brasileiros moravam no
Uruguai, onde transportavam gado com o uso de escravos para o lado brasileiro.
Nessa época, os uruguaios já não conviviam com a escravidão. “Antes, esses
brasileiros tinham apoio dos colorados e usavam a região como se fosse extensão
do Brasil. Os blancos tentaram pôr um fim a isso.” Esses estancieiros
rio-grandenses foram até o Império alegar que cabeças de gado eram roubadas e
brasileiros eram assassinados no Uruguai. “Mas é um pretexto que não se
sustenta”, observa Doratioto. O governo imperial apoiava esses interesses
privados, pois a região era estratégica para manter sua preeminência política.
Invasão
Os blancos uruguaios, apoiados pelo Paraguai, resistiram às
pressões do Brasil para indenizar as supostas perdas dos brasileiros. Apoiando
os colorados, as tropas imperiais invadiram o Uruguai em outubro de 1864. No
dia 12 de novembro, Solano López, que já havia advertido o Brasil de que
qualquer invasão ao Uruguai significaria guerra, ordenou capturar um navio
brasileiro que saía de Assunção para Corumbá, levando o presidente de Mato
Grosso a bordo. No dia 13 de dezembro, López declarou guerra ao Brasil e
invadiu a província do Mato Grosso.
O Museu Militar, em Assunção guarda diversos quadros e objetos referentes a guerra do Paraguai, por eles chamada A Guerra da Tríplice Aliança.
O Museu Militar, em Assunção guarda diversos quadros e objetos referentes a guerra do Paraguai, por eles chamada A Guerra da Tríplice Aliança.
Leia a segunda reportagem da série sobre a guerra do Paraguai no site da Gazeta do Povo. Clique AQUI
Fonte Gazeta do Povo
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