Zuenir Ventura |
Zuenir Ventura é uma testemunha da história. Jornalista,
professor e agora imortal da Academia Brasileira de Letras, ele viveu para
contar e resgatar a memória de um dos períodos mais sombrios da história
recente do Brasil. Seu livro “1968 - o ano que não terminou” é um dos mais
célebres registros sobre a época da ditadura militar.
Zuenir VenturaZuenir Ventura A edição especial do
Brasilidade traz um personagem cujo papel fundamental tem sido transmitir às
diferentes gerações a necessidade de se falar sobre princípios básicos como
liberdade e democracia. “Você precisa do passado para entender o presente e
para construir o seu futuro”, pondera.
O jornalista diz que até hoje ainda é difícil lembrar do que
aconteceu com pessoas próximas; vítimas de perseguições, torturas e mortes.
Para escrever “1968”, Zuenir diz que ouviu muitas pessoas e mergulhou em
documentos, registros e qualquer outra forma de traduzir, com fidelidade, os
episódios e situações históricas. “Em 1987, quando eu estava escrevendo sobre
68, eu só pensava em 68. Quase não lembro do que aconteceu em 87, eu acho que
fiquei até meio chato, porque só perguntava às pessoas onde elas estavam e o
que elas estavam fazendo em 68”, conta.
Para Zuenir, um dos episódios mais marcantes foi o dia 13 de
dezembro daquele ano, quando foi instituído o AI-5, revogando direitos
individuais e deflagrando diversas operações de captura, tortura e assassinatos.
Ele diz que a censura, as perseguições e o cerceamento à informação foram os
principais prejuízos para a sociedade da época. “A matéria prima do jornalista,
que é a liberdade, é o ar que a gente respira. Eu acho que o prejuízo maior foi
para a sociedade, porque, claro que nós, jornalistas, sofremos muito, mas a
sociedade ficou sem saber o que estava acontecendo. Hoje, quando um jovem diz
para mim assim: ‘Não, mas olha, hoje também, hoje tem censura do mercado’, eu
falo: ‘Olha, você não sabe o que é viver sob censura’, avalia.
Ele lembra do episódio de uma tentativa de tentar retratar o
contexto da época sem o veto imposto pela censura. “Tem uma edição histórica do
Jornal do Brasil que tenta furar a censura. Saía assim, em cima do jornal, no
cabeçalho, ao lado, a temperatura, a meteorologia, e aí a meteorologia daquele
dia era assim: ‘Tempo escuro, sujeito a tempestade, não sei o quê’, que era uma
forma, era uma tentativa de você passar a informação de que estava sob censura,
mas era tudo muito sutil, que o leitor, o leitor médio, ele não percebia. Mas
aí começa a tentativa de você passar, de alguma maneira, a informação para o
seu leitor, mas era muito difícil”, lembra.
O próprio Zuenir foi vítima da repressão do período. Preso
sem nenhuma acusação formal, passou três meses encarcerado, mas não chegou a
sofrer nenhum tipo de violência física. “Eu fui preso sem a menor razão, eu não
participei de nenhum movimento. Eu acompanhava, eu era professor, eu
acompanhava os jovens numa passeata, numa assembleia, mas nada de importante.
Não tinha nenhuma importância política e eu fui preso como muitos foram naquela
época, sem saber o porquê. Naquele momento você nunca estava livre da ameaça de
tortura, você nunca sabia se chegaria o seu dia. Tive a sorte de ser bem
tratado, não ser torturado, mas outros amigos meus, não. E é muito triste
lembrar disso”, relata.
Passados 50 anos do golpe militar, Zuenir diz que o Brasil
avançou em sua democracia ao instituir a Comissão Nacional da Verdade e passar
a limpo um dos episódios mais marcantes de sua história recente. “Eu sofria
demais vendo outros países que já tinham comissão da verdade e o Brasil se
recusava a abrir os seus arquivos, abrir o seu passado. Está sendo feito e está
sendo feito com muito critério, está sendo feito sem nenhum espírito de
revanche, sem nenhum espírito de vingança. O que está se querendo fazer é
exatamente descobrir o seu passado, rever o seu passado, a sua história e não
repetir. Aquele ciclo não tinha se fechado ainda, sem a Comissão da Verdade,
sem esse balanço ”, diz.
Fonte: Palácio do Planalto
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