Herwin de Barros, ex-policial e agente da CIA que prendeu o
então líder estudantil num Congresso da UNE, revela que irá processar o Estado
brasileiro. Diz que foi perseguido por não executar seu preso mais “perigoso”
Claudio Julio Tognolli, Brasil 247
Herwin de Barros, o homem que prendeu Zé Dirceu no Congresso
da UNE, fazendo uso de um ancinho, vai processar o estado brasileiro. Quer ser
ressarcido. Quer aposentadoria de agente especial da Polícia Civil de São
Paulo. Por quê? “Porque eu tinha ordens emanadas da CIA, a central de
inteligência dos EUA, para assassinar Zé Dirceu. Não cumpri isso. E fui
execrado. Em abril de 1984 mudaram até o regimento interno da polícia de São
Paulo para que eu pudesse ser afastado. Tudo porque me neguei a assassinar
friamente Zé Dirceu”, confessou Erwin ao Brasil 247.
A este repórter Herwin de Barros contou a história da encomenda
da morte de Zé Dirceu, pela primeira vez, em agosto de 1998. Eu e Marcelo
Rubens Paiva fazíamos então uma capa do finado caderno Mais!, da Folha de S.
Paulo, intitulado “A Companhia Secreta”. Eram documentos, obtidos por Paiva, e
trazidos à luz pública pela barzilianista Marta Huggins, mostrando a
participação da CIA no movimento militar de 1964. Erwin resolveu contar tudo,
pela primeira vez em sua vida. Desde então, seguiram-se capas e capas de
revistas sobre sua vida. Agora dr. Erwin quer desabafar mais.
“Minha vida toda fui perseguido por agentes de segurança,
que queriam saber de que lado eu afinal estava. Ninguém acreditava que eu não
estava de lado nenhum. Em 1975 o SNI plantou duas mulheres lindíssimas em cima
de mim, uma negra e uma loira. Deram em cima de mim para simplesmente saber
qual era a minha ligação com as esquersdas”, revela Erwin.
Corria o ano de 1985. Um vetusto e poderoso delegado de
polícia civil de São Paulo impede a entrada do advogado de Herwin na sala, para
defender seu cliente. O advogado, fugindo do estrépito de rabugices do
delegado, retira-se e bate a porta. Lá dentro, o delegado dispara a Herrwin,
varado de ódio: “Agora você vai ver o que é bom, ninguém mandou ter ficado ao
lado dos terroristas”. Mas: como um homem nada fácil, que é Herwin, amante das
navalhas e armas brancas, agente do Dops, treinado pela CIA, a Central de
Inteligência dos EUA, poderia ser acusado de tamanha postura?
“Paguei muito caro o preço por não ter torturado, espancado,
ou levado armas automáticas para prender Zé Dirceu no Congresso da UNE de
outubro de 1968”, confessa o hoje advogado Herwin de Barros.
Herwin é hoje consultor de estrelas do direito paulista como
Paulo Sérgio Leite Fernandes, Ivo Galli, Orlando Maluf Haddad e Otávio Augusto
Rossi Vieira. Tem duas filhas devotadas ao marketing. Herwin foi pai de santo
por 30 anos. Ora é devoto da Igreja Renascer. Carrega os epítetos que lhe
impuseram na polícia: chamam-no, ainda, pelos nomes dos tempos jubilosos de 40
anos atrás, Brucutu ou Peito de Aço.
Seu pai, o pernambucano Eufrásio Barros de Oliveira, estrela
da polícia paulista, mas que foi amigo do cangaceiro Lampião em pessoa, fez de
Herwin um atleta. Nadava, boxeava, fazia halterofilismo, jogava volley
profissionalmente. Mas a passagem mais deleitável da biografia de Herwin de
Barros continua sendo a do homem que abjurou da fé nas armas para prender José
Dirceu –usando apenas um ancinho enferrujado e um pedaço de pau de 70
centímetros. Tudo isso em pleno XXX Congresso Nacional da UNE, em Ibiúna,
interior de São Paulo, quando quase mil estudantes começaram a ver o sol nascer
quadrado.
Herwin de Barros tem a voz rouquenha, de trovão. Ama as
vulgatas de psiquiatria. Já foi um apaixonado pelas armas brancas, facas,
navalhas, adagas, paus. Gosta de indicar como imobilizava bandidos empregando
apenas uma navalha. “Ela vai na sua jugular, não dá tempo de você reagir”,
demonstra. Seus relatos não são desinfetados de emoções: Herwin emana cenas de
40 anos atrás, sempre se mexendo, gesticulando, alterando o registro da voz.
Tudo construído para chegar aos estrépitos da sua maior ventura.
“Eu tinha
ordens expressas de interrogar radicalmente, interrogar fisicamente, Zé Dirceu
e os líderes do Congresso, o Ribas e o Travassos. Era uma ordem manifestamente
ilegal: eu deveria cumpri-la para robustecer o flagrante, arrancar na porrada
confissões do Zé Dirceu para poder enquadrar eles na Lei de Segurança Nacional.
Mas não fiz isso. E por isso fui perseguido, muito, dentro da polícia. Se
fizesse o que eles mandavam, as seqüelas que deixaria neles não os fariam
sobreviver por muito tempo”.
Os percalços dos estudantes seriam de uma devastação de
tragédia. Afinal Herwin de Barros foi criado, como refere, “combatendo os
piores bichos da bandidagem”, nas delegacias mais caóticas da São Paulo dos
anos 60. E Herwin nesse momento do relato é seqüestrado, quase psiquicamente,
pelo resgate de um diálogo que teve com Zé Dirceu já preso em Ibiúna. “Ele deu
aquele riso que chamo de um meio esgar irônico. Ele me perguntou se, como
condutor do flagrante, eu não iria usar arma contra eles. Eu disse que não. Ele
me respondeu que não acreditava em mim. Então eu disse “Zé Dirceu, a primeira
coisa que vem na certidão de uma pessoa é se é homem, não se é macho. Eu sou
homem, e de palavra”.
Chegados em São Paulo, numa perua Willis, no Departamento de
Ordem Política e Social, no largo General Osório, centro de São Paulo, Herwin
de Barros entregou José Dirceu às autoridades. Manhosamente, inventou que ia se
lavar da lama. Pulou a janela do Dops e foi para casa, fazendo atalho pela
ferrovia. Só voltou ao trabalho três dias depois. “Só eu sei como fui
repreendido por ter sumido. Mas não tinha como usar armas contra estudantes.
Eles não eram terroristas que assaltavam bancos. Eram baderneiros”, explica
Herwin.
Ele guarda daquela época um tributo impresso do qual se
orgulha: o diploma de segurança de dignitários, assinado pelo general Adélio
Barbosa de Lemos, então secretário da segurança pública de São Paulo. A data da
chancela lustrosa do general é evocativa dos anos de chumbo. “Ele assinou o
diploma em 14 de março de 1964, pouco antes da Revolução de 64, a qual já
sabíamos que ia acontecer”. Em verdade os vocábulos “segurança de dignitários”
eram eufemismos: o diploma era a notificação notarial de que Herwin de Barros
tinha feito, com 40 homens escolhidos a dedo, um curso ministrado em São Paulo
pela CIA, a Central de Inteligência dos EUA. “Quem deu o curso foi um
septuagenário, de cabelos brancos, norte-americano, chamado Peter Costello. Era
da CIA e formado na Escola das Américas”, explica.
Herwin de Barros sempre gostava de conversar com presos. Um
senhor sessentão, chamado Aladino Félix, que se auto-intitulava “Sábado de
Nótus” estava preso do Deops. Sem ser filiado a nenhuma facção, era acusado de
terrorismo. “Ele era autoridade em Extra-Terrestres. Eu descia lá para falarmos
de naves espaciais e essas coisas”. A paixão por conversar com quem prendeu não
se esgotou em Herwin, jamais.
Em 1998, num aeroporto de São Paulo, cercou o
então deputado federal José Dirceu. Disparou uma exortação: “Se não me
reconheceres contemporaneamente retirar-me hei, pois atitude de homem não se
esquece”. Zé Dirceu não o reconheceu. “Então eu perguntei se não servia um
ancinho pra ajudar ali”, caçoa Herwin. Dirceu convidou-o para um almoço em
Brasília que jamais ocorreu. E sobre o Zé Dirceu de hoje? Herwin diz: “eu gosto
dele, mas não afianço nada por ele”.
Caminhando para os 70 anos, Herwin de Barros ainda guarda
uma cena pendente. Que jamais saberá a resposta a explicá-la. “Eu havia
prendido Zé Dirceu. Comecei a ser seguido. Um dia entro no meu carro e vejo um
envelope branco no banco. Abro. E leio “se você estiver do nosso lado, queime
este envelope agora. Se não, apenas o guarde e depois se livre dele”. Era sinal
inequívoco que Herwin estava sendo observado. Mas por quem? Bandidos ou mocinhos
de então? “Até hoje eu não sei”, gargalha Herwin de Barros. Com toda essa vida
incandescente, com tantos episódios abismais, Herwin confessa jamais ter temido
a morte. “Quem não morre não vê Deus”.
Via Pragmatismo Político
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