De acordo com o MPF, entre 2003 e 2012, o governo estadual
de Minas Gerais descumpriu preceitos legais, e mais de R$ 9 bilhões deixaram de
ser aplicados na saúde.
Antonio Anastasia – e seu antecessor Aécio Neves – respondem
no Ministério Público Federal por uma ação civil pública contra o estado de
Minas Gerais, devido ao descumprimento da Emenda Constitucional 29/2000, que
fixa a obrigatoriedade de aplicação do percentual mínimo de 12% do orçamento em
ações e serviços de saúde pública, como atendimentos de urgência e emergência,
investimentos em equipamentos e obras nas unidades de saúde, acesso a
medicamentos e implantação de leitos.
De acordo com o MPF, entre 2003 e 2012, o governo estadual
descumpriu sistematicamente preceitos legais e constitucionais, “em total e
absurda indiferença ao Estado de Direito”, efetuando manobras contábeis para
aparentar o cumprimento da EC 29.
Por dez anos, “R$ 9.571.062.581,53 (nove bilhões, quinhentos
e setenta e um milhões, sessenta e dois mil reais e cinquenta e três centavos)
deixaram de ser aplicados no Sistema Único de Saúde (SUS) pelo estado de Minas
Gerais”.
Abaixo notícia da Procuradoria da República de Minas Gerais,
de agosto de 2015, quando ingressaram com a ação civil pública:
MPF afirma que mais de R$ 14 bilhões deixaram de ser
aplicados na saúde em MG
no MPF-PRMG
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil
pública contra o estado de Minas Gerais por descumprimento da Emenda
Constitucional 29/2000, que fixou a obrigatoriedade de aplicação do percentual
mínimo de 12% do orçamento em ações e serviços de saúde pública, como
atendimentos de urgência e emergência, investimentos em equipamentos e obras
nas unidades de saúde, acesso a medicamentos e implantação de leitos.
De acordo com a ação, o governo estadual, por 10 anos, entre
2003 e 2012, descumpriu sistematicamente preceitos legais e constitucionais,
“em total e absurda indiferença ao Estado de Direito”, efetuando manobras
contábeis para aparentar o cumprimento da EC 29.
Na prática, “R$ 9.571.062.581,53 (nove bilhões, quinhentos e
setenta e um milhões, sessenta e dois mil reais e cinquenta e três centavos)
deixaram de ser aplicados no Sistema Único de Saúde (SUS) pelo estado de Minas
Gerais”, quantia que, em valores atualizados, “corresponde a um desfalque de R$
14.226.267.397,38”.
O resultado desse descaso, prossegue a ação, revela-se com
as “filas extenuantes, a falta de leitos nos hospitais, a demora que chega a
semanas e até meses para que o cidadão se entreviste com um médico, a demora na
marcação e na realização de exames clínico-laboratoriais, as mortes nas filas
dos nosocômios, as doenças endêmicas que vez por outra castigam a população
(como foi o caso recente da dengue), a falta de remédios a serem distribuídos à
população, etc.”.
Para os procuradores da República, não é sem razão que após
tantos anos investindo no SUS bem abaixo do mínimo constitucional, “o serviço
público de Saúde, embora considerado o mais importante pela população,
alcançou, em 2009 e 2010, os piores índices de satisfação” dentre os serviços
públicos prestados pelo estado de Minas Gerais, conforme relatório técnico do
Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre as contas do governador do estado no
Exercício 2011.
Manobras para inflar dados – por 10 anos, o governo estadual
incluiu gastos estranhos à saúde para simular o cumprimento da obrigação de
investir o mínimo constitucional.
No caso dos estados, os 12% são compostos por recursos
públicos oriundos de transferências da União via Fundo de Participação do
Estado (FPE) e de arrecadações de impostos estaduais (ITCD, ICMS e IPVA). Esses
recursos entram no caixa do Estado a título de orçamento vinculado, ou seja,
devem ser obrigatoriamente aplicados na Saúde Pública.
A legislação, inclusive, dispõe, de forma explícita, para
não restar dúvidas ao governante, que os recursos vinculados ao cumprimento do
mínimo constitucional em saúde devem ser investidos em ações e serviços “que
sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com
despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes
sociais e econômicas, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde”, como
o saneamento básico, por exemplo.
No entanto, para os governos que administraram o estado
naquele período, entraram como se fossem gastos com saúde pública até “despesas
com animais e vegetais”, já que verbas direcionadas ao Instituto Mineiro de
Agropecuária (IMA) e à Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) foram
computadas como gastos com saúde.
Interessante é que, antes de 2003, tais despesas eram
incluídas na função adequada (no caso do Ima, função 20-Agricultura; no caso da
Feam, função 18-Gestão Ambiental), mas passaram a ser contabilizadas como saúde
a partir daquele ano para fugir ao cumprimento do mínimo constitucional.
E a mesma manobra foi feita em diversas outras áreas,
incluindo repasses a entidades assistenciais, como a Coordenadoria de Apoio e
Assistência à Pessoa Deficiente, além do pagamento de benefícios
previdenciários a servidores ativos e inativos do estado, o que é expressamente
vedado pela Lei Complementar 141/2012.
Nesse ponto, o MPF lembra que a LC 141 foi editada com o
propósito de regulamentar a EC 29, mas, na prática, apenas reforçou todo o
arcabouço legislativo já existente, inclusive repetindo o texto de normas de
natureza infralegal, como a Resolução nº 322/2003, do Conselho Nacional de
Saúde, que elenca expressamente as inclusões proibidas.
Uma dessas vedações diz respeito à inclusão de verbas
destinadas ao pagamento de aposentados e pensionistas, principalmente porque se
trata de beneficiar uma clientela fechada, contrariando o princípio da
universalidade e gratuidade do SUS. Conforme destacou a Comissão Técnica do
TCE-MG ao rechaçar a aplicação, as ações e serviços de saúde prestados por
entidades como, por exemplo, o IPSEMG, IPSM e Hospital Militar, são de “acesso
restrito aos servidores e a seus dependentes e inclusive por eles custeadas”,
não sendo, portanto, nem “gratuito nem universal, uma vez que só podem usufruir
da assistência prestada por esses Institutos aqueles que contribuem
diretamente, quer sejam segurados da ativa, inativos, pensionistas ou seus
dependentes, não sendo permitido aos cidadãos em geral utilizar-se da referida
assistência”.
Chama ainda atenção o fato de que as receitas que custeiam
tais serviços originam-se de fontes próprias – do próprio servidor, que
contribui com 3,2% da sua remuneração frente aos 1,6% do estado, no caso do
IPSEMG e IPSM –, ou do pagamento de taxas arrecadadas pela atividade policial.
Ou seja, para alegar o cumprimento da EC 29, os governos
estaduais, de 2003 a 2012, consideraram não apenas a receita vinculável (FPE
impostos), “mas também despesas que foram suportadas por recursos diretamente
arrecadados, ou seja, que sequer representaram efetivos gastos para o estado,
não consistindo em investimentos reais deste. Assim, conseguiu que um maior
valor do próprio orçamento fiscal ficasse livre para outros gastos que não em
saúde”.
Para o MPF, “Valer-se destes valores pagos pelos usuários ou
oriundos de terceiros, computando-os na soma de investimentos públicos estaduais
como se fossem a mesma coisa, é uma inegável artimanha para inflar números e
distorcer a realidade”.
“Para além disso, o governo de Minas Gerais chegou ao
absurdo de incluir como se fossem aplicações em ASPS serviços veterinários
prestados ao canil da 2ª CIA, reforma da maternidade da 4ª CIA Canil do BPE,
serviços de atendimento veterinário para cães e semoventes, aquisição de
medicamentos para uso veterinário, aquisição de vacinas para o plantel de
semoventes”, relata a ação.
Copasa – Mas os valores de maior vulto, indevidamente
incluídos para simular a aplicação do mínimo constitucional, foram direcionados
à Copasa, uma sociedade de economia mista que presta serviços de água e esgoto
mediante a cobrança de tarifas aos consumidores mineiros. Embora o estado
detenha o controle acionário da empresa, 41,59% de seu capital pertence a
outros acionistas, entre eles bancos estrangeiros.
Pois os governos estaduais contabilizaram os gastos feitos
pela Copasa com saneamento básico – que, segundo a própria empresa, foram
despesas pagas majoritariamente com recursos oriundos de tarifas pagas pelos
consumidores, além de recursos oriundos do lançamento de ações na bolsa de
valores e de contratos de financiamento – como despesas com o SUS no
cumprimento do mínimo constitucional.
Lembrando que também neste caso, até 2002, os investimentos
em saneamento básico eram agregados na função 17-Saneamento, o MPF destaca que
serviços pagos pelo consumidor vão de encontro à natureza dos serviços públicos
de saúde, que devem ser obrigatoriamente gratuitos.
Além disso, a Copasa sequer integra o orçamento fiscal do
estado, pois se trata de uma pessoa jurídica de direito privado, não estando
integrada, portanto, ao SIAFI, para controle da regularidade no uso de recursos
públicos. “Não é sem motivo, portanto, que no decorrer de todos os anos de
práticas irregulares, a CAEO [Comissão de Acompanhamento da Execução
Orçamentária do Estado] ressaltou a má-fé do governo ao misturar a COPASA com
as reais despesas do estado em saúde, para fins de tentar parecer cumprido o
mínimo garantido pela Constituição”, afirma a ação.
Para se ter ideia do prejuízo ao SUS causado pela inclusão
indevida da Copasa no quadro geral de valores que o governo estadual alegava
ter investido em saúde, basta ver que esses recursos já chegaram a representar
até 37,18% do total, como ocorreu em 2006.
Por sinal, naquele ano, “apenas 43,57% da quantia que o
estado afirmava ter investido em saúde realmente reverteu em benefício de ações
universais e do SUS. Mais da metade, na verdade, dizia respeito a saneamento
básico, previdência social, serviços prestados a clientela fechada e verbas
diretamente arrecadadas que sequer provinham do orçamento fiscal estadual, as
quais jamais poderiam ter sido incluídas no cálculo do piso constitucional em
saúde”.
“Ver-se diante da crua realidade de nossos hospitais não
deixa ignorar que, caso os bilhões de reais que deixaram de ser investidos no
SUS em virtude de distorções nos cálculos do governo de Minas tivessem sido
direcionados corretamente, o cenário poderia ser diferente”, afirmam os
procuradores da República.
Pedidos – A ação pede que a Justiça Federal determine à
União condicionar o repasse dos recursos do Fundo de Participação dos Estados
ao efetivo cumprimento da EC 29 pelo estado de Minas Gerais, com a aplicação,
nos próximos anos, dos 14 bilhões que deixaram de ser investidos entre 2003 e
2012. Ou seja, além do valor que o estado deverá investir normalmente, o
governo ainda terá de acrescer parcelas que resgatem a quantia não aplicada nos
anos anteriores.
Para isso, o estado deverá apresentar, no prazo máximo de
seis meses, estudos técnicos contábeis e econômicos que demonstrem o valor
percentual necessário e possível a ser acrescido à percentagem relativa ao
mínimo constitucional (EC nº 29/00) em cada um dos próximos anos, até que seja
sanada sua dívida.
Pede-se ainda a criação, ainda para este ano de 2015, de
conta corrente específica para receber os recursos vinculados ao cumprimento do
mínimo constitucional.
(ACP nº 0033275-93.2015.4.01.3800)
Fonte: O Cafezinho
Via - Portal Vermelho
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