Câmara dos Deputados aprova reforma trabalhista por 296
votos a 177, apesar de protestos.
Brasil de Fato
A Câmara dos Deputados aprovou na noite dessa quarta-feira
(26) o Projeto de Lei (PL) 6.787, da "reforma" trabalhista, relatado
pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN). Após mais de 10 horas de sessão, os
parlamentares aprovaram, por volta das 23h, o tema, por 296 votos a 177. Os
destaques ao texto iniciaram logo em seguida ao resultado. Chamado de
"desmonte trabalhista" por centrais sindicais e movimentos populares,
o texto da forma como está vai revogar ou alterar mais de 100 pontos da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) e flexibilizar diversos direitos trabalhistas.
Buscando adiar a votação, que ocorreu dois dias antes da
greve geral convocada para esta sexta-feira (28), deputados da oposição
tentaram aprovar dois requerimentos pedindo o adiamento da votação do projeto,
os quais foram rejeitados pelo plenário. O texto ainda terá que passar pelo
Senado e receber a sanção presidencial.
Aprovada como projeto de lei, caso fosse uma proposta de
emenda à Constituição – que é o caso da reforma da Previdência –, a medida não
teria passado, pois o número necessário de votos a favor é de 308.
Perda de direitos
O principal ponto da reforma trabalhista é a possibilidade
de que negociações diretas entre trabalhadores e empresas se sobreponham à
legislação em diversos pontos, o chamado “acordado sobre o legislado”.
Atualmente, os acordos coletivos de trabalho têm força de lei e se sobrepõem à
legislação, desde que não violem o previsto na CLT.
Com a mudança, mesmo direitos trabalhistas como a jornada de
trabalho, salários, intervalo intrajornada, férias, entre outros, poderão ser
revistos. O pagamento do décimo-terceiro salário e o depósito de parcelas do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), no entanto, não poderiam ser
modificados nem mesmo por acordo.
“Trata-se de um projeto de proteção das empresas e de
desproteção do trabalhador. Ele cria instrumentos de legalização de práticas
que precarizam o trabalho, reduzem ou impedem a proteção sindical, e deixa o
trabalhador exposto à coerção das empresas na definição dos seus direitos”,
resume o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio.
Pela proposta, o trabalhador tem a possibilidade de fazer
acordos específicos, e de forma individual, com a empresa, o que pode implicar
em redução de direitos. “A empresa coloca diante desse trabalhador um texto
acordando que ela não deve nada a ele, mesmo o trabalhador sabendo que a
empresa deve, por exemplo, mais de 50 horas extras. Se o trabalhador assina
esse tipo de acordo, sob ameaça de perder o emprego, ele perde o direito de
reclamar na Justiça do Trabalho. É o tipo da coisa que coloca uma faca no teu
peito”, avalia Clemente.
A reforma também estabelece novas modalidades de
contratação, amplia os contratos temporários de trabalho e interfere na ação
dos sindicatos, ao pôr fim à contribuição sindical compulsória, o chamado
imposto sindical.
Confira as principais mudanças e como elas impactam na vida
dos trabalhadores:
Jornada de trabalho, intervalo e férias
O texto da reforma prevê que o empregador e o trabalhador
podem negociar a carga horária com limite máximo de 12 horas por dia, 48 horas
por semana e 220 horas por mês. Isso contraria até mesmo o que está previsto na
Constituição Federal, que admite o máximo de oito horas diárias e jornada
semanal de até 44 horas. Esse limite também é o recomendado em convenções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST) permite que algumas categorias, como profissionais de saúde,
motoristas e vigilantes façam jornadas de 12 horas, com 36 horas de descanso. A
reforma vai permitir que isso possa ser feito em qualquer categoria.
O intervalo intrajornada, como a hora de almoço, também
poderá ser reduzido para 30 minutos para quem trabalha acima de seis horas por
dia. Isso significa que trabalhadores com jornada de 10 ou 12 horas diárias
poderão ter o horário de intervalo limitado à meia hora. “[Se aprovado o
projeto] estaremos, como sociedade, condenando essas pessoas ao esgotamento, ao
adoecimento, ao isolamento em relação aos seus familiares”, avalia a juíza do
trabalho Valdete Souto Severo, doutora em Direito do Trabalho pela USP, em
recente artigo publicado no portal Justificando.
As férias também poderão sofrer alterações. Atualmente, é
permitido o parcelamento em até duas vezes, sendo que um período não pode ser
inferior a 10 dias. Se o projeto passar, as férias podem ser fatiadas em até
três vezes, com mínimo de cinco dias e um dos períodos deverá ser
obrigatoriamente maior do que 14 dias corridos.
Contrato por hora e home office
Foi incluída no texto uma nova modalidade de contratação, o
chamado trabalho intermitente, feito por jornada ou hora de serviço. Neste tipo
de contrato, o trabalhador fica à disposição do patrão, mas só recebe se e
quando for convocado para o serviço.
Outra modalidade que passa a ter um regulamento específico é
o teletrabalho, quando o empregado trabalha em casa, o chamado home office.
Mais de 15 milhões de pessoas já trabalham desta forma no país e já havia uma
previsão de que os mesmos direitos do trabalho na empresa valeriam para o
trabalho em casa. Agora, um contrato específico entre patrão e empregado poderá
distinguir o teletrabalho, inclusive em relação ao salário, uso de
equipamentos, entre outros assuntos.
Redução de salários, trabalho temporário e jornada parcial
Os salários também podem ser reduzidos por meio de acordo
entre empregador e trabalhador, desde que não seja inferior ao salário mínimo.
Mesmo assim, com a ampliação do contrato de jornada parcial, passa das atuais
25 horas para até 32 horas semanais horas semanais (incluindo as horas extras),
o trabalhador receberá menos de um salário mínimo. Na prática, as empresas
serão estimuladas a demitir trabalhadores com jornadas integrais (44 horas) e
contratar mais pessoas para jornadas parciais.
O mesmo efeito ocorrerá com o aumento do prazo para os
contratos de trabalho temporário, que sairão dos atuais 90 dias para 120 dias,
renováveis por mais 120. Esses contratos não preveem o pagamento de multa por
demissão sem justa causa e as empresas poderão contratar de forma temporária e
substituir os trabalhadores a cada oito meses, aumentando a rotatividade nos
postos de trabalho sem aumento de emprego.
Proteção sindical
O projeto também exclui o recolhimento da contribuição
sindical obrigatória. Com isso, caberá ao trabalhador se manifestar por escrito
se permitirá o desconto de um dia trabalhado por ano. A tendência é que isso
enfraqueça ainda mais a atuação dos sindicatos na defesa dos direitos
trabalhistas.
Piores empregos
Países que adotaram reformas parecidas com a que o governo
de Michel Temer (PMDB) quer implantar, registraram aumento de empregos com
piores salários e condições de trabalho e redução dos melhores empregos. No
México, por exemplo, após uma reforma em 2012, houve uma diminuição de 1,2
milhão de empregos em que a remuneração era maior que dois salários mínimos e
um aumento de 1,2 milhão de empregos para quem ganhava entre 1 e 2 salários
mínimos.
“Uma série de práticas que hoje são consideradas ilegais,
serão tornadas legais. A lei vai permitir que se transforme uma condição
precária de trabalho em algo legalizado”, adverte Clemente Ganz Lúcio, do
Dieese. No médio prazo, o achatamento da massa salarial vai prejudicar a
economia e derrubar a arrecadação de impostos e de contribuições
previdenciárias, comprometendo ainda mais os serviços públicos e até mesmo a
aposentadoria. “Essa reforma da Previdência não será suficiente porque a perda
de arrecadação da Previdência poderá ser muito acentuada [depois da reforma
trabalhista]”, acrescenta.
Edição: Vivian Fernandes
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