Nas últimas semanas, além do futebol de sempre, dois
assuntos ocuparam as manchetes: o julgamento do chamado "mensalão" e,
em São Paulo, o programa de combate a homofobia, grotescamente apelidado de
"Kit Gay". Quase nenhuma importância se deu a uma espécie de
testamento de uma tribo indígena. Tribo com 43 mil sobreviventes.
A justiça federal decretou a expulsão de 170 índios na terra
em que vivem atualmente. Isso no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul,
à margem do Rio Hovy. Isso diante de silêncio quase absoluto da chamada Grande
Mídia. (Eliane Brum trata do assunto no site da revista Época). Há duas
semanas, numa dramática carta-testamento, os Kaiowá-Guarani informaram:
-Não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa
tanto aqui, na margem do rio, quanto longe daqui. Concluímos que vamos morrer
todos. Estamos sem assistência, isolados, cercados de pistoleiros, e resistimos
até hoje. Comemos uma vez por dia.
Em sua carta-testamento os Kaiowá/Guarani rogam:
- Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a
ordem de despejo/expulsão, mas decretar nossa morte coletiva e enterrar nós
todos aqui. Pedimos para decretar nossa extinção/dizimação total, além de
enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar nossos
corpos. Este é o nosso pedido aos juízes federais.
Diante dessa história dantesca, a vice-procuradora Geral da
República, Déborah Duprat, disse: "A reserva de Dourados é talvez a maior
tragédia conhecida da questão indígena em todo o mundo".
Em setembro de 1999 estive por uma semana na reserva
Kaiowá/Guarani, em Dourados. Estive porque ali já acontecia a tragédia.
Tragédia diante do silêncio quase absoluto. Tragédia que se ampliou, assim como
o silêncio. Entre 1986 e setembro de 1999, 308 índios haviam se suicidado.
Índios com idade variando dos 12 aos 24 anos.
Suicídios quase sempre por enforcamento, ou veneno.
Suicídios por viverem confinados em reservas cada vez menores, cercados por
pistoleiros ou fazendeiros que agiam, e agem, como se pistoleiros fossem.
Suicídio porque viver como mendigo ou prostituta é quase o caminho único para
quem deixa as reservas.
Italianos e um brasileiro fizeram um filme-denúncia sobre a
tragédia. No Brasil, silêncio quase absoluto: Porque Dourados, Mato Grosso,
índios... isso está muito longe. Isso não dá Ibope, não dá manchete. Segundo o
Conselho Indigenista Missionário, o índice de assassinatos na Reserva de
Dourados é de 145 habitantes para cada 100 mil. No Iraque, esse índice é de 93
pessoas em cada 100 mil.
Desde 1999, quando estive em Dourados com o fotógrafo
Luciano Andrade, outros 555 jovens Kaiowá/Guarani se suicidaram no Mato Grosso
do Sul. Sob aterrador e quase absoluto silêncio. Silêncio dos governos e da
Mídia. Um silêncio cúmplice dessa tragédia.
Via jornaldagazeta
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