ESCRITO POR WLADIMIR POMAR |
A dinastia feudal dos Bourbons parece haver se tornado referência de vários articulistas que examinam a atual conjuntura brasileira e, também, norte-americana e europeia. Os Bourbons ficaram famosos na história principalmente por nunca esquecerem nada do que faziam contra eles e do que eles faziam contra os demais.
Eram capazes de se lembrar dos mínimos detalhes, e de se vingarem numa desproporção inusitada. Paralelamente, ficaram ainda mais famosos por não aprenderem nada com as lições da vida. Eram incapazes de extrair ensinamentos dos acontecimentos em que se envolviam, o que acabou por levá-los ao inevitável declínio, não sem deixarem de cometerem estragos diversos.
Algo parecido ocorre com o tucanato nativo. Eles não esquecem, nem perdoam, a oposição do PT e das forças democráticas e populares às privatizações das estatais e à privataria desbragada que promoveram durante essas privatizações. Não esquecem a oposição à abertura e à desregulamentação da economia brasileira, mas acham que a ação desenvolta das capitais financeiros internacionais, a quebradeira do parque produtivo nacional e a monopolização da economia brasileira foram decorrência de um processo inevitável de destruição criativa.
Nessa mesma conta não esquecem que reduziram o Estado brasileiro ao mínimo possível, desmobilizando todo o setor de planejamento e de elaboração de projetos executivos, com a certeza de que isso tudo era coisa do passado. Como coisa do passado deveria ser a manutenção e reforma das estradas, portos, aeroportos, usinas elétricas, linhas de transmissão, universidades, escolas, hospitais, postos de saúde e outros serviços públicos, e a construção de novos. Ou a formação de mais professores, engenheiros, cientistas, médicos etc. etc..
Para que tudo isso, se o Brasil estava se inserindo, conforme pensavam, no mundo global das grandes potências pós-industriais? O que era preciso consistia em reformar o sistema de aposentadoria e pensões para reduzir seus custos, desregulamentar as leis trabalhistas e manter baixos os salários, estimulando cada pessoa a se tornar um empregador, já que o trabalho de tipo antigo não mais existiria com as revoluções do conhecimento. Eles não esquecem nada disso, mas não o relacionam com o desastre que promoveram no país.
Por isso, agora, através do novo presidente tucano, ex-governador de Minas, ex-administrador público inigualável, admirador de carteirinha de cada um dos estados brasileiros e possuidor de outros belos atributos que se esmera em jogar sobre si mesmo, o tucanato quer convencer os brasileiros que durante os 8 anos de reinado do Bourbon FHC eles fizeram tudo certo. Privatizaram direito, quebraram a indústria direito, controlaram a inflação direito, pagaram direitinho a montanha de dívidas externas e internas, sem que ela fosse reduzida, promoveram uma estagnação econômica de primeira classe e aumentaram o número de pobres e miseráveis sem gastar um tostão do dinheiro público.
E acusam o PT e a esquerda no atual governo de tentar fazer uma privatização meia-sola, ser incapaz de reverter a indústria, fazer a inflação retornar, não pagar direito a dívida pública, prometer um crescimento que não vai além de um pibinho, e só reduzir o número de pobres e miseráveis à custa do dinheiro público, que deveria ser melhor administrado.
O interessante é que essa ladainha parece estar convencendo parcela considerável da burguesia nativa, mesmo aquela que sofreu as dores da destruição criativa do neoliberalismo tucano. O que certamente faz lembrar que a família Bourbon não era exatamente uma família unida. Com a mesma facilidade que ela muitas vezes se dividia e travava batalhas de morte entre si, ela voltava a se unir, nem sempre guardando os rancores das lembranças do passado. O que nos faz supor que parte da burguesia brasileira certamente faz parte dos Bourbons. E que, talvez ao contrário do que se pensa, ela não só deixa de aprender com os acontecimentos, mas também nem sempre se lembra de tudo.
Nessas condições, a campanha eleitoral já em curso, apesar de todas as análises em contrário, promete reviver a polarização entre os Bourbons brasileiros, adeptos incondicionais do neoliberalismo, e a esquerda democrática e popular. Pode até ocorrer que parte dessa esquerda se deixe enganar e ache que os Bourbons têm alguma razão e merecem uma nova chance. Afinal, como no passado, nem sempre os Bourbons foram incompetentes nas disputas políticas. Conseguiram angariar aliados em seus opostos aparentes e, com a ajuda deles, causar derrotas a seus inimigos.
Por outro lado, é possível que parte da burguesia, além de se lembrar da destruição neoliberal, tenha aprendido que essa política só beneficia o 1% da plutocracia corporativa. Para esta, o resto dos mortais, que inclui parcela significativa da burguesia, não merece atenção. Relembrar e esclarecer essas lições do passado recente certamente terá que fazer parte do embate político, que cada vez mais tem como base o desempenho da economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário