A esquerda perdeu o renomado intelectual Jacob Gorender, historiador e ativista conhecido pela sua atividade progressista nos anos 50 e 60 e por sua luta contra as injustiças da direita política, incluindo sua militância contra a ditadura militar. Era baiano de Salvador e tinha 90 anos de idade.
(Mingal de Aço)
Jacob Gorender, um dos mais notáveis entre os intelectuais marxistas brasileiros, despediu-se da vida hoje, em São Paulo, aos 90 anos de idade.
Gorender, que se tornou uma personalidade pública tardiamente (ele tinha 55 anos quando publicou seu O Escravismo Colonial, em 1978), foi um homem de seu tempo, e nunca se afastou do combate a que se filiou na juventude - a luta por um mundo mais justo, que ultrapassasse as mazelas do capitalismo.
Não ficou alheio às controvérsias - aliás, sempre entrou nelas de peito aberto, com um rigor intelectual raro. Tornou-se, nas décadas finais de sua vida, um dos grandes intelectuais brasileiros, tendo sido autor de outros livros, entre eles Combate nas trevas, um estudo da luta armada contra a ditadura militar de 1964,
Na década de 1950, apoiou Luiz Carlos Prestes nos embates internos ao Partido Comunista. Foi então um dos autores da famosa Declaração de Março de 1958, que marcou a viragem comunista para a luta política parlamentar e reformista. Depois do golpe militar de 1964, juntou-se a outros dirigentes comunistas que divergiam da orientação de Prestes, tendo sido expulso do partido e, em seguida (1968) fundou, com Mário Alves e Apolônio de Carvalho, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR),
Jacob Gorender nasceu em 1923 na periferia pobre de Salvador (BA), sendo o mais velho dos cinco filhos de um imigrante judeu, originário da Ucrânia. Com dificuldade, estudou até entrar na Faculdade de Direito; participou da campanha pela entrada do Brasil e se alistou nas tropas brasileiras enviadas para a Itália, tendo participado da tomada de Monte Castelo, que foi a mais importante batalha travada pela FEB, a Força Expedicionária Brasileira, contra o nazifascismo.
Ao voltar ao Brasil, filiou-se ao PCB, onde militou profissionalmente, sendo redator de A Classe Operária e, depois, da Imprensa Popular, do Voz Operária, da revista Novos Rumos, e demais publicações do partido. Foi no Congresso de 1960 que chegou ao Comitê Central. Em 1970, já fora do PCB, quando era dirigente eo PCBR, foi preso, tendo sido muito torturado. Foi condenado a dois anos de prisão e quando foi solto, sistematizou os estudos históricos que levaram a O Escravismo Colonial.
Foi então que o público - e os estudiosos - puderam conhecer o intelectual rigoroso forjado, nas décadas anteriores, nas fileiras comunistas. O reconhecimento público foi imediato. Era um trabalhador intelectual que já tinha três décadas de envolvimento na luta pelo socialismo e, agora, podia ser visto em embates intelectuais que tiveram por temas a natureza do passado colonial brasileiro (assunto de duros embates entre os historiadores comunistas, opondo grandes nomes como Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Jr), as vicissitudes da luta contra a ditadura (registradas no polêmico Combates nas Trevas), o fim do socialismo na URSS e a própria natureza do marxismo (em livros igualmente polêmicos, Marcino e Liberatore, um diálogo excessivamente otimista sobre a perestroika e os rumos da URSS, e Marxismo sem utopia, no qual discute o próprio marxismo).
Filiado ao Partido dos Trabalhadores, Jacob Gorender foi um intelectual marxista de notável envergadura e rara franqueza. Nele caminhavam lado a lado a paixão do conhecimento e o sonho socialista de um mundo melhor. A cultura brasileira e as polêmicas no campo do marxismo - o lugar comum é irremediável! - ficam mais pobres com a partida de Gorender. Ele será enterrado amanhã (12) em São Paulo, cidade que adotou e onde apareceu para o grande público como o notável historiador e pensador que foi.
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