As duas opções da atual eleição representam modelos distintos de pensar e agir (Imagem: Pragmatismo Político) |
Hoje no Brasil existem duas vias eleitorais: uma, ainda que
com erros e acertos, se compromete, dentre outras coisas, com a reforma
política e transformações sociais; a outra prefere o escândalo e o alarde, como
sempre fizera ao longo dos 514 anos de existência do Brasil. É preciso escolher
um lado
Ângelo Menezes*, Pragmatismo Político
Ultimamente vejo muita gente compartilhando vídeos sobre os
movimentos de Junho/2013 como sinônimo de que a principal pauta daquelas
manifestações residia na deposição (ou impeachment) desse ou daquele político.
Não posso falar por todo um movimento (é claro), mas, não
tenho dúvida, que a causa em questão é muito mais profunda.
Os movimentos de junho deflagraram algo que (há muito)
crescia em um país onde, em razão de diversos indicadores (alavancamento de
milhares de pessoas para estratos da sociedade superiores ao que ocupavam
preteritamente; inclusão – em passos de tartaruga, a bem da verdade – de
determinadas minorias no espaço público; elevação dos índices de
intelectualidade; etc.), clamava-se por uma concretização mais efetiva de um
direito tão fundamental e caro à todos nós: a democracia – e desde já peço
desculpas por fazer uso de uma expressão tão piegas em algo que promete ser uma
reflexão.
Democracia essa que, em pleno século XXI, e com o avanço do
conceito de cidadania (e consequente supressão daquela visão sessentista de T.
H. Marshall), já não pode se resumir (em status ou) ao mero exercício do
sufrágio ou a possibilidade de ser eleito.
As manifestações surgiram, a bem da verdade, em um contexto
de crise de representatividade. A “casta” política não reflete mais os anseios
da população: sejam as massas de manobra; sejam as minorias; sejam os
freakonomics; seja parte da elite insatisfeita com a redução desse ou daquele
privilégio.
Se existe algo pelo qual as pessoas clamavam naquele 20
Junho, esse algo era uma gestão pública capaz de refletir e harmonizar os
anseios que estavam no background do famigerado “não é só por 20 centavos”.
Os movimentos cessaram e nos foi prometido uma reforma
política, transparente e consultiva, capaz de nos contemplar com um sistema
eleitoral e com ferramentas de democracia participativa mais efetivos do que os
hoje existentes.
Propostas foram encaminhadas ao Congresso, o Senado realizou
uma (isso mesmo, uma) sessão temática sobre a reforma política, sinalizou algo
sobre financiamento da saúde pública enquanto a poeira não abaixava, mas, todas
aquelas pautas e reivindicações foram, seletivamente, esquecidas, ignoradas ou,
simplesmente, vetadas – à exceção do Plano Nacional de Participação Social
(PNPS), promulgado via Decreto Presidencial (frise-se), estampado por muitos
colunistas especialistas em Direito (aqui estou sendo irônico), como uma
tentativa de implantação de uma ditadura bolivariana no Brasil (convido todos a
lerem os 411 artigos da Constituição Boliviana e a conhecerem o procedimento
pelo qual foram referendados pelo povo que lá reside).
Sem outra saída para sanar a questão relativa a nossa crise
de representatividade, cerca de um mês atrás, foi realizado um plebiscito
popular (nos moldes do que havia sido prometido ao final das manifestações de
junho/julho) para que a população se manifestasse acerca da necessidade da
criação de uma “nova política” (marinei) no nosso país.
Infelizmente, aqueles mesmos que pintaram os rostos de verde
e amarelo, postaram fotos no instagram e bradaram “sem partido”; que enxergavam
em Marina uma “nova política”; que dizem justificar o voto “porque ninguém
presta”; que votam em eleição como se fosse BBB “para eliminar fulano”; foram
os mesmos que acusaram, levianamente, desse ser “um movimento de militantes
patrocinados pelo governo” (até hoje espero o meu auxílio plebiscito) – afinal,
é muito mais fácil afirmar isso, do que se engajar e ser você instrumento dessa
mudança.
O propósito desse texto não é lavar roupa suja (pós
plebiscito), sequer convencer você a votar no partido P ou Y, mas, tão
simplesmente, alertar (os, talvez, desavisados), que existem hoje duas vias:
uma, ainda que com erros e acertos, que se compromete, dentre outras coisas,
com essa reforma política; outra, que prefere escandalizar e alardear, como
sempre fizera ao longo dos 514 anos de existência do Brasil (hipérbole, por
óbvio).
Dos 513 (quinhentos e treze) deputados recém eleitos, 248
(duzentos e quarenta e oito) são, pasmem, pelo menos, milionários. Isso,
destaque-se, em uma sociedade onde 70% da população vive com até dois salários
mínimos (e dentro dessa estatística, tem-se que a maior parcela, vive com um
salário mínimo ou até menos).
Nos quatro cantos do Brasil, do Oiapoque ao Chuí, só se
escutou uma coisa na segunda pós eleições: novamente, as mesmas oligarquias,
valendo-se das mesmas máquinas eleitoreiras, conseguiram se perpetuar (em
esmagadora maioria) na Câmara dos Deputados. Como esperar, paradoxalmente, que
os anseios de todas as minorias (nem sempre quantitativas, mas que carecem de
representatividade), sejam, enfim, atendidos?
Nessas horas, as palavras de Pepe Mujica, são suficientes
para responder ao questionamento: “Los que comen bien, duermen bien y tienen
buenas casas, posiblemente piensen que se gasta demasiado en políticas
sociales.”.
Antes que me acusem de comuna, marxista, esquerdóide,
chavista ou bolivariano (não que isso seja uma ofensa, na verdade encararia até
como um elogio), deixo aqui um fragmento de um constitucionalista alemão
(radicado no Brasil), apenas para reforçar que minha escolha tem sim, ao
contrário do que outros possam afirmar, fundamento.
Diz Friedrich Müller que as pessoas são inertes em matéria
de política constitucional; estão pouco treinadas a perceber e defender as suas
possibilidades de autodeterminação (política); sobretudo e em primeiro lugar,
porque elas estão ocupadas com assuntos “mais importantes” (com aqueles
assuntos que lhe são mais próximos).
Aspeio “os problemas residem alhures (também) para a
maioria, cuja apatia política e inércia social de qualquer modo se explicam –
abstraindo das deformações autoritárias que nos são regularmente causadas e
devem ser inequivocamente combatidas – a partir das materialidades básicas
inquestionáveis dos homens a partir do caráter limitado das reservas de energia
e tempo de vida, disponíveis para tal fim bem como em geral.”
Portanto, se você realmente quiser utilizar o argumento de
que saímos às ruas em junho, utilize-o. Mas o faça com coerência. Faça-o para
deixar claro que escolheu aquela que se comprometeu, realmente, com a reforma
política do nosso país.
*Ângelo Menezes é Mestrando em Direito Constitucional pela
UFRN e Professor Colaborador da disciplina de Direitos Humanos Fundamentais do
curso de Direito da UFRN
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