Para derrotar o mais selvagem massacre de nossa história eleitoral, presidente manteve, na campanha, o que fez do governo: defesa dos mais pobres e menos protegidos
Para se tentar fazer uma ideia do futuro político do Brasil até 2018, é preciso, num exercício de humildade, tentar compreender o que ocorreu em 26 de outubro de 2014.
Num esforço para enfraquecer o segundo mandato de Dilma Rousseff antes mesmo do início do segundo mandato, procura-se usar os números da apuração do segundo turno para escrever a profecia de um governo frágil, pré-condenado ao fracasso e à desorientação. A vantagem de 3,2% sobre Aécio Neves — ou 3,4 milhões de votos — é uma das menores da história da república mas ninguém tem o direito de fingir que não sabe o que aconteceu em 26 de outubro de 2014, marco de um evento histórico.
Ao lado de Lula, com direito a voz própria, Dilma dará continuidade a um projeto político de pelo menos 16 anos. É um período mais longo do que o primeiro governo de Getúlio Vargas, iniciado com a revolução de 1930 e, após períodos democráticos e autoritários, encerrado em 1945. A ditadura militar de 1964 durou 21 anos. Foi iniciada por tanques e baionetas, encerrando-se com vaias e gritos de revolta. Seu último general-presidente deixou o Palácio pela porta dos fundos. Terceiro mais longo período político desde o Segundo Reinado de Pedro II, o governo Lula-Dilma é o único que sempre se apoiou na soberania popular e no voto do povo.
Dilma foi vitoriosa ontem depois de enfrentar o mais selvagem massacre político de nossa história republicana. Como o Manchetômetro não deixa mentir, a campanha foi uma avalanche de notícias tendenciosas sobre economia, sobre as alianças políticas do governo, sobre a fidelidade de Luiz Inácio Lula da Silva. Tivemos uma guerra suja que pregava o boicote à Copa do Mundo para desmoralizar a presidente e impedir a reeleição. Tivemos cenas explícita de arrogância internacional contra ao governo, liderada pela Economist e pelo Financial Times, que definiu a sucessão presidencial como uma “guerra, a batalha final pelo controle da sétima economia do mundo.”
Ao longo da campanha eleitoral, manobras especulativas da Bolsa de Valores se sucederam num espantoso grau de cálculo eleitoral e perversidade. Dilma encarou uma delação premiada cronometrada para jogar o esquema da Petrobrás no colo do governo assim que o eleitorado estivesse a caminho das urnas, e os depoimentos mais graves pudessem ser divulgados em ambiente de escândalo e desgaste. Há poucos antecedentes, na história das democracia civilizadas, de uma operação destinada a interferir de forma tão descarada na vontade do eleitor como a reportagem de capa da revista VEJA (“Eles sabiam de tudo”) publicada num ambiente de provocação, ódio e mentira, quando vigorava a Lei do Silêncio que antecede uma votação.
Campanha incomum, a vitória de Dilma permite poucas comparações úteis. A mais apropriada possivelmente tenha ocorrido há 59 anos. Em 1955, quando as eleições se resolviam num único turno, Juscelino Kubitscheck foi vitorioso com 35,6% dos votos. O udenista Juarez Távora ficou com 30,2%. Em 5 de outubro de 2014, Dilma passou pelo primeiro turno por uma diferença de 9 pontos: 41,5% dos votos contra 33,5% para Aécio Neves. A ausência absoluta de compromissos democráticos dos adversários de JK permitiram que o novo presidente tivesse um início de governo traumatizante e acidentado, inclusive por duas tentativas fracassadas de golpe militar. Enfrentando todas essas dificuldades, Juscelino entrou para a história como um dos grandes presidentes brasileiros.
Num país onde o exercício político é criminalizado cotidianamente, alimentando narrativas de corrupção, intrigas e trapaças que ajudam a esconder os verdadeiros interesses de política econômica e partilha da renda disponível em disputa, Dilma deixou claro aonde se encontrava. Não fez isso em exercícios de grande oratória — que nunca possuiu nem possuirá — nem em lances espetaculares de marketing, que só funcionam quando conseguem dialogar com a realidade. Foi vitoriosa porque podia falar em nome de um governo que, com altos e baixos, chuvas e trovoadas, não se afastou dos interesses das grandes maiorias do mundo do trabalho, do salário e do emprego, da periferia. Foi a realidade dessas pessoas, que derrotou os profetas do apocalipse. Essa é a mensagem da vitória de ontem. Tão antiga e tão atual como o primeiro governo Lula.
A presidente liderou a campanha do princípio ao final. Sua vantagem só foi questionada em períodos de curta duração, que refletem episódios específicos da campanha — a súbita chegada de Marina Silva, a arrancada de Aécio no final do primeiro turno — que jamais colocaram em questão a superioridade política do governo perante os adversários. Doze anos após a chegada de Lula-Dilma ao Planalto, está claro, muito claro, que nem o pais nem o PT chegaram perto de ter descoberto a formula do governo perfeito. Mas comprovou-se que seus adversários pouco têm a dizer à maioria dos brasileiros, num silêncio que aumenta na mesma proporção que se desce na pirâmide social. Num desses momentos de humor que permitem o relaxamento após uma vitória dramática, os petistas se divertiam, na noite de ontem, com a notícia de que o eleitorado que deu a Aécio Neves sua maior vantagem reside em Miami.
Se pudesse contar com adversários leais, capazes de respeitar as regras do jogo democrático e travar o combate político em termos duros e mesmo radicalizados, mas dentro de limites aceitáveis, Dilma teria obtido uma vantagem numérica maior. Perdeu entre dois ou quatro pontos — você escolhe o instituto de sua preferência — no mínimo, no jogo sujo que teve início na sexta-feira. Isso é o que mais irrita, hoje, e preocupa, quando se olha o futuro. Tentar enxergar a vantagem de 3,4 milhões de votos de ontem como uma demonstração da falta de apoio à presidente é uma forma de encobrir as responsabilidades por um golpe midiático iniciado 48 horas antes da votação e que produziu efeitos, no número de abstenções, de indecisos, até o fechamento das urnas. Sem exagerar no mau humor num momento de celebração, não custa lembrar que o esforço para apagar seus próprios erros e desvios é um traço marcante dos adversários do governo, não é mesmo?
Pataxó
Pataxó
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