A decisão do juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª
Vara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, atendendo ao pedido
do Palácio do Planalto, proibiu os veículos de divulgarem o conteúdo encontrado
no celular da primeira-dama Marcela Temer, sob pena de multa de R$ 50 mil,
aumentou o debate sobre a atual situação do Brasil: um Estado de exceção na
democracia.
“Não houve isso, você sabe que não houve”, respondeu Michel
Temer (PMDB) a jornalistas, nesta segunda-feira (13), quando questionado se a
ação se tratava de uma censura.
Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada no
último dia 10, tratou de um processo público, ou seja, que não estava sob
segredo de Justiça, movido pelo governo em nome da primeira-dama contra um
hacker que obteve os dados de seu celular e extorquiu dinheiro dela sob a
ameaça de pôr o nome do seu marido na lama com as informações que obteve. O
pedido foi formulado e assinado pelo subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa
Civil, Gustavo do Vale Rocha.
O governo recorreu à Justiça alegando que o conteúdo no
celular da primeira-dama deveria ter o sigilo garantido e o pedido foi acatado
pelo juiz. No entanto, o processo continua público e qualquer um pode ter
acesso ao seu conteúdo.
Na decisão, o juiz determina que a Folha e O Globo, que
posteriormente repercutiu o assunto, “se abstenha de dar publicidade a
quaisquer dados e informações obtidas no aparelho celular” de Marcela Temer.
Para a coordenadora-geral do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, a decisão evidencia um
processo que ela chama de “judicialização da censura” no país.
“As ações do Judiciário neste último período, em que há uma
judicialização da censura, são comuns. É uma censura politizada porque concorre
de forma célere, haja vista a rapidez com que isso ocorreu. E só ocorreu para
proteger o presidente da República”, enfatiza Renata, apontando que a
investigação começou no fim do ano passado, com uma ação direta do ministro da
Justiça, Alexandre de Moraes, para tentar evitar que esse assunto viesse à
tona.
Renata, que também é jornalista e integra o Centro de
Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, lembra outros casos de censura
como do blogueiro Marcelo Auler, do Paraná.
“Recentemente, Auler também sofreu censura prévia, sendo
proibido pela Justiça de dar qualquer notícia sobre a Lava Jato. Isso é
gravíssimo”, denuncia.
Para ela, “o que se busca obstruir é o exercício do
jornalismo de levar informação para as pessoas. Essa censura está sendo
praticada de forma politizada e seletiva”.
No entanto, a jornalista destaca que a grande mídia, que
agora reclama por democracia, acusava de censuradores aqueles que reivindicavam
a democratização dos meios.
“A mídia acusava os governos Lula e Dilma e os movimentos
que lutam pela democratização dos meios, de tentar promover a censura. No
entanto, nunca os governos Lula e Dilma entraram na Justiça para impedir
previamente a veiculação de qualquer notícia. Nunca restringiram a circulação
de jornalista no Palácio do Planalto, medida que Temer tomou na semana passada,
ou promoveram uma intervenção na EBC”, destacou.
E conclui: “Tudo isso demonstra que o debate sobre a
regulação dos meios de comunicação não tem nenhuma relação com censura. Quem
pratica censura é este governo”.
Lalo: Repetição do passado
Para Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo, jornalista e
professor de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade
de São Paulo (USP), conduta semelhante só havia ocorrido no país durante a
ditadura militar.
“É curioso que estejamos vivendo a repetição de fatos já
vividos na história recente do país. Quando foi implantada a ditadura militar,
os grandes jornais, inclusive estes que agora estão sendo censurados, apoiaram
o golpe. Logo em seguida, passaram a ser vítimas do golpe na medida em que se
implantou a censura prévia à imprensa brasileira. A história parece que se
repete. Com outro cenário político, mas com fatos muito semelhantes. Apoiaram o
golpe contra a presidenta Dilma e, agora, começam a ser vítimas dos golpistas”,
salienta Lalo.
Para ele, a justificativa de censura por se tratar de um
suposto caso de foro íntimo não se sustenta. “É censura porque impede
antecipadamente a publicação de uma notícia que é de interesse público, já que
envolve o presidente da República. Trata-se de um ato de censura que não
tínhamos desde o final da ditadura militar”, argumenta o professor.
Lalo assevera ainda que essa conduta já vinha sendo adotada
pelo Judiciário. “As interpretações jurídicas dadas em vários momentos pelos
promotores e juízes da Lava Jato e pelo próprio Tribunal Regional Federal de 4º
Região, que aceitou decisões do juiz de primeira instância de Curitiba que
afrontavam a Constituição, vinha consolidando o Estado de exceção. E agora
chegou na imprensa”, frisa.
Assim como Renata Mielli, ele aponta a seletividade e
politização do Judiciário resgatando o caso da divulgação dos áudios de
conversas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta
Dilma.
“Neste caso, porém, não foi promovido pela mídia, mas um
vazamento de interceptações telefônicas ilegais pelo próprio Judiciário. Houve
interceptações telefônicas não autorizadas, portanto ilegais, que foram
publicizadas pelo juiz”, destaca.
E segue: “Agora, sobre o processo da primeira-dama Marcela
Temer, se trata de um processo na Justiça que é público e pode ser consultado
por qualquer pessoa”.
Fenaj
A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj),
Maria José Braga, também endossa a posição do professor da USP. Para ela, não
há dúvida de que houve uma censura judicial.
“Houve uma inciativa de censura por parte do Palácio do
Planalto que foi feita pela assessoria jurídica do Palácio, com a concordância
do juiz que concedeu o pedido determinando a retirada do conteúdo”, declara
Maria José.
Ela justifica: “A partir do momento que o Palácio do
Planalto é utilizado temos uma iniciativa de governo para retirada de conteúdo
jornalístico, portanto há uma iniciativa de governo de censura”.
Para a sindicalista, é uma ação preocupante, já que as
publicações tinham caráter estritamente jornalístico. “Não se pode falar em
invasão de privacidade, principalmente porque a notícia se tratava de um crime
que já havia sido apurado e o criminoso já havia sido punido.”
O hacker, Silvonei José de Jesus Souza, foi condenado em
tempo recorde (entre o cometimento do crime e a condenação passaram-se apenas
seis meses) a cinco anos e dez meses de prisão pelos crimes de estelionato e
extorsão. O crime foi cometido em abril do ano passado. O julgamento em
primeira instância foi concluído em outubro. O hacker está preso em São Paulo.
Maria José concorda que o Judiciário tem sido recorrente em
censurar os jornalistas e os veículos de comunicação, mas frisa que essa
prática tem um viés político e seletivo.
“Isso de fato caracteriza uma distorção da função do Poder
Judiciário, que tem que avaliar os casos que há abusos, invasão de privacidade
e crime contra a honra. Mas tem que fazer uma distinção clara do que é de
interesse público, jornalístico e ataque à pessoa”, diz.
Sobre o caso da primeira-dama, ela destaca que se trata de
um caso de interesse público, “tanto é que foi criada uma força tarefa na
polícia do estado de São Paulo para que houvesse uma ação rápida e que os
responsáveis fossem punidos”.
Do Portal Vermelho
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