Nada poderia ser mais vergonhoso para as instituições
brasileiras do que o artigo de Eduardo Cunha na Folha de S. Paulo.
Porque não há vergonha maior do que ver mãos gatunas
defendendo o respeito ao processo legal diante de "mãos limpas" que
só fazem agredi-lo.
Cunha reclama que está preso indevidamente, porque não
existem as condições para que ele destrua provas e se valha de seu poder para
representar ameaça à ordem pública, porque não tem mais pode algum.
É tão verdadeiro quanto dizer que esteve solto por um ano
inteiro em que pôde fazer isso: como presidente da Câmara, tinha poder para
isto e para muito mais, como provou deflagrando e conduzindo o processo de
impeachment que, depois, pela inércia da manada parlamentar em marcha,
tornou-se irreversível.
Pode ter toda a razão legal a nossa Corte Suprema em querer
agir com muita prudência, não prendendo ou cassando mandatos sem que haja outra
alternativa.
Não há, porém, nenhuma razão moral para que se aja assim
quando ela tolera, permite e homologa o "prende todo mundo e enfia na
cadeia até que diga o que a gente quer" praticado em Curitiba, nas duas
barbas.
É como a santidade daquela imagem de Nossa Senhora, banhada
de luz mortiça, que se punha nas pilastras e paredes dos bordéis do passado:
desde que se preserve a sacralidade do nicho supremo, faça-se a reverência da
vela acesa, do copo d'água e da rosa posta a seus pés, estão abençoadas todas
as trampolinagens em torno dele.
Vergonha suprema para nosso país e para a sua Justiça que a
razoável e equilibrada aplicação da lei tenha de ser defendida por um bandido
como Eduardo Cunha, enquanto os santos homens violam, profanam e façam mofar no
cárcere – o de grades e o da humilhação pública a outros que, segundo seus
próprios critérios ou desejos, possam ser matéria prima para sua volúpia de
poder e de vingança política.
A verdade, mesmo quando ela sai de uma boca imunda como a de
Cunha, é sempre clara e luzidia em sua crua nudez.
Quem pode discordar do que ele diz ao escrever que a
legalidade "tornou-se mero detalhe em Curitiba, já que basta prender para
tornar o fato ilegal em consumado"?
Ou que que a pressão exercida pelas "alongadas
prisões", do dizer de Gilmar Mendes são o azeite da confissão dirigida,
inclusive com a transferência a um presídio daqueles "que não aceitam se
tornar delatores, transformando a carceragem da Polícia Federal em um hotel da
delação".?
Eduardo Cunha pode ser um rato nos desvãos da corrupção, uma
serpente peçonhenta nas salas do poder, mas quando a verdade sai da boca de um
porco e não da dos homens de toga, só os cúmplices ou imbecis podem dizer que
ela é mentira pela lama do seu focinho.
A prisão de Eduardo Cunha, meses atrás, quando foi pedida
pela Procuradoria, já diante do mesmo rol de provas que se tem hoje, poderia
ter evitado a destruição de provas e, com toda certeza, preservaria a ordem
pública de nada menos que um golpe de Estado e a entrega da Nação a uma
camarilha de reús, denunciados e investigados por corrupção, o que Dilma
Rousseff nunca foi.
Agora, porém, ela se presta apenas a atender ao
compreensível clamor público por punição a um ladravaz cínico. E, sobretudo,
para dar ao país a impressão pública de que temos uma Justiça "erga omnes",
igual para todos.
Há esperança para Cunha. Os porcos são muitos e estão no
poder. Com direito, inclusive, a colocar no nicho a imagem que quiserem.
*Fernando Brito é jornalista e editor do Tijolaço
Nenhum comentário:
Postar um comentário