Postura das equipes demonstra a importância de resistir ao
oligopólio midiático, cujo prejuízo para espectadores vai muito além do
futebol.
André Pasti*
O clássico de domingo 19 entre Atlético-PR e Coritiba (o
“Atletiba”) entrará para a história como um capítulo na luta contra o monopólio
da Globo no futebol brasileiro. Os clubes negaram o péssimo acordo financeiro
proposto pela emissora para transmitir a partida e decidiram exibir o jogo em
seus canais no Youtube e Facebook.
Com a torcida nas arquibancadas e os jogadores prontos para
o jogo, o inacreditável aconteceu: a Federação Paranaense de Futebol, a pedido
da Rede Globo, impediu a transmissão da partida online. Só haveria jogo sem
transmissão, em recado da Globo aos clubes “rebeldes”. Como os clubes não
recuaram, a federação impediu a partida de acontecer.
Acostumada a mandar no futebol nacional, a Globo não contava
com a coragem das equipes. Com a ação, elas deram visibilidade aos prejuízos do
monopólio da emissora ao esporte. Como discutimos há algumas semanas, os danos
do monopólio de transmissões são muitos.
Desde o horário das partidas às dez da noite, péssimo para
os torcedores trabalhadores e para os próprios jogadores, a campeonatos
estaduais inteiros “escondidos” das torcidas. Do financiamento extremamente
desigual dos direitos de imagem dos clubes, que inviabiliza o crescimento das
equipes menores, à invisibilização do futebol feminino.
A frase “quem paga a banda, escolhe a música” tem sido usada
há tempos pelos comentaristas submissos à Globo para justificar esses absurdos
das decisões do monopólio. Nesse “Atletiba” ficou muito claro o quanto essa
lógica é prejudicial a todos os envolvidos no esporte: não importavam os
direitos dos jogadores, dos clubes, nem dos torcedores presentes na Arena da
Baixada; não importava o futebol – só o interesse da emissora estava valendo.
Muitos torcedores brasileiros têm questionado o monopólio
midiático no futebol, com campanhas como a “Jogo dez da noite, NÃO!”, que
chegou a diversos estádios pelo País. No ano passado, a “Gaviões da Fiel”
protestou com faixas “Rede Globo, o Corinthians não é seu quintal” e “Jogo às
22h também merece punição”. A novidade agora é o enfrentamento do monopólio
pelos próprios clubes.
Combater o monopólio da mídia no futebol é possível, como
comprova a experiência argentina. Lá, o programa “Futebol para Todos” e a
regulação democrática da comunicação audiovisual (a famosa “Lei de Meios”)
reconheceram o direito à audiência dos eventos esportivos pela população e o
futebol como patrimônio cultural nacional.
As transmissões passaram a ser realizadas em diversos canais
e horários, incluindo a televisão pública, com transmissões online gratuitas em
alta qualidade. Além disso, as cotas de TV foram redistribuídas, melhorando a
competitividade do campeonato nacional. Infelizmente, esses avanços estão sendo
agora atacados pelo governo neoliberal de Maurício Macri.
Pode a internet abalar o poder da Globo?
Os clubes propuseram como alternativa à transmissão
televisiva a exibição por suas contas nas plataformas Youtube e Facebook. Mas,
se a intenção é fazer frente ao monopólio da Globo, é importante apontar alguns
limites dessa transmissão online.
Em primeiro lugar, há uma disparidade de acesso: apenas
metade (51%) das residências brasileiras possuem acesso à internet, segundo a
pesquisa TIC Domicílios 2015/CGI. Entre os usuários de internet, 31% não
possuem acesso à banda larga. A mesma pesquisa revela que 97% dos domicílios
brasileiros possuem televisão – com acesso a canais abertos.
Portanto, ainda é muito desigual no Brasil o alcance e o
acesso possibilitado pela televisão aberta e pela internet. Essa desigualdade
de acesso também se reflete entre as regiões do território brasileiro e nas
distintas condições presentes nas cidades.
Outro limite está dado pelas plataformas escolhidas. Youtube
e Facebook estão longe de ser plataformas livres. Pertencem a grandes empresas
estadunidenses que estão concentrando a produção e circulação de informações
nas redes.
Eles são novos “porteiros” digitais, decidindo o que desejam
censurar, o que nós podemos visualizar, quais informações terão ou não
destaque. Transferir a concentração do controle da informação dos conglomerados
da radiodifusão para os conglomerados de internet seria apenas mudar os donos
do monopólio.
É preciso pensar políticas que democratizem efetivamente a
comunicação, considerando a realidade do território brasileiro. Vale lembrar
que a televisão aberta – caso da Globo – é uma concessão pública, que deve
atender ao interesse público e cumprir regras previstas em nossa Constituição.
Para além do futebol
A Globo segue agindo como a péssima “dona da bola” do
futebol de rua**. A emissora mandou seu recado: ninguém poderia contrariar uma
decisão do monopólio. Desta vez, no entanto, os clubes enfrentaram o canal e
deram um exemplo de que é possível dizer não e lutar contra os danos do
monopólio ao futebol nacional.
Aos que começaram a perceber os prejuízos do monopólio da
Globo ao futebol, é preciso, também, fazer um alerta: os danos de uma mídia
monopolizada vão muito além do esporte. Nossos direitos de cidadãos são
ignorados ou atacados como os direitos dos torcedores no “Atletiba”.
O controle dos discursos em circulação tem permitido aos
monopólios sustentar golpes de estado, invisibilizar e criminalizar movimentos
sociais e pautas de direitos humanos, defender políticas danosas aos mais
pobres, criminalizar a juventude negra das periferias, entre tantos outros
problemas. A diversidade cultural, regional, étnica e sexual presentes em nosso
país são tão prejudicadas pelo monopólio quanto o futebol.
Que o “Atletiba” seja o início de uma resistência em defesa
do futebol e da comunicação como direitos de todos. Precisamos ampliar essa
resistência e o combate ao monopólio midiático, dentro e fora do futebol.
**Em nota, o SporTV se isentou da responsabilidade no
episódio de ontem, apesar de evidências de que a partida não ocorreu por conta
da tentativa de transmissão via internet, segundo disse o 4º árbitro do jogo.
*André Pasti é
doutorando em Geografia Humana na USP, professor do Cotuca/Unicamp e integrante
do Coletivo Intervozes.
Fonte: Carta Capital
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