Quem ficou sabendo, no Brasil, quando 126 militares chilenos
e argentinos subiram os Andes em lombos de burro até o local onde foi selado,
há 200 anos, o fim do domínio espanhol?
A partir de 2009, vários países da América Latina vêm
comemorando os 200 anos de independência do colonialismo espanhol. Naquele ano,
a Bolívia lembrou com muita festa a revolta liderada pelo padre Domingo
Murillo, em 1809, derrotada pelas forças coloniais, mas que abriu caminho para
a independência conquistada em 1825.
Em 2010, uma regata internacional, iniciada em Mar del
Plata, na Argentina, com a presença das presidentas Cristina Kirchner e
Michelle Bachelet (do Chile), passou por 14 portos de dez países do continente,
para lembrar as datas históricas. O veleiro Cisne Branco representou a Marinha
brasileira no evento.
Dois anos depois, 126 militares chilenos e argentinos
subiram os Andes em lombos de burro até o local onde os generais José de San
Martín, argentino, e Bernardo O’Higgins, chileno, se abraçaram há quase 200
anos para selar o fim da dominação espanhola na região.
Quem ficou sabendo disso no Brasil? A depender da mídia
brasileira, ninguém.
Mas a censura empresarial vai além do relato de festividades
históricas. Os governos de Hugo Chávez na Venezuela e de Evo Morales na Bolívia
puseram fim ao analfabetismo em seus países. Alguém soube disso pela mídia por
aqui?
Ou tomou conhecimento da maior redistribuição de renda já
ocorrida no Equador desde a posse de Rafael Correa na presidência da República,
com a chegada pela primeira vez de milhares de jovens da classe trabalhadora à
universidade?
Tratou com isenção e profundidade a luta do governo
equatoriano contra as ações imperialistas dos Estados Unidos representadas pela
petroleira Chevron e a destruição ambiental por ela provocada? E contra a
presença de uma base militar estadounidense em Mantra, afrontando a
independência do Equador?
São apenas alguns acontecimentos pinçados, entre inúmeros
outros ocorridos na América Latina e ignorados pela mídia brasileira. Cabe
acrescentar a má vontade com que ela cobre as ações de integração dos países do
continente como o Mercosul, a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) ou a
Celac, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos que reúne 32
nações das Américas, sem a presença dos Estados Unidos e Canadá, fazendo um
importante contraponto à OEA, a Organização dos Estados Americanos, onde a
influência estadunidense é muito forte.
O rompimento desse bloqueio informativo não é fácil, dado o
grau de concentração dos meios de comunicação no Brasil, todos pautados por
linhas editoriais semelhantes. No continente, a Telesur, emissora de TV com
sede em Caracas, é uma rara alternativa, mas sua sintonia é difícil em nosso
país. Pode ser vista no Distrito Federal graças à iniciativa de retransmiti-la,
em alguns momentos, pela TV comunitária local.
De alcance um pouco mais abrangente surge agora uma
iniciativa pioneira: o programa Crônica de América, produzido na Argentina e
veiculado aqui no Brasil pela TVT, a TV dos Trabalhadores, todas as
segundas-feiras, às 22h.
Pela primeira vez, temos no ar um programa plurinacional,
apresentando e debatendo temas comuns aos diversos países do continente, com um
olhar progressista de apoio as conquistas sociais obtidas pelos governos
populares da região e crítico do retorno do neoliberalismo em países como a
Argentina e o Brasil.
A condução é do jornalista uruguaio residente na Argentina
Victor Hugo Morales, conhecido por sua atuação como locutor esportivo e
apresentador de programas de informação e debates no rádio e na televisão. Por
suas posições políticas foi demitido da emissora em que atuava há 30 anos, logo
após a posse de Mauricio Macri na presidência da República.
Crônica de América “inicia um caminho para compreendermos
juntos o que acontece nos países da região quando eles são governados pelo
neoliberalismo. Será a crônica de um continente que busca os caminhos de sua
emancipação”, disse Victor Hugo ao anunciar a estreia do programa.
Imperdível.
*Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo, jornalista e
professor de Jornalismo da ECA-USP.
Reprodução: Rede Brasil Atual
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