No dia 6 de novembro, Betina Baino olhou para o quarto de
pensão onde mora sozinha, em Porto Alegre, esvaziou todo o ar do peito e
concluiu que a vida não tinha sentido. Ela tirou completamente a roupa deixando
à mostra músculos, cicatrizes e enormes tatuagens de flores e dragões que
cobrem seus braços, seus ombros e suas costas morenas, mas em vez de entrar no
chuveiro e chorar com a água cobrindo os soluços, abriu a tranca "em
desespero" e saiu correndo nua pela cidade.
No fim do dia, jornais, TVs e blogs de todo o país traziam a
imagem de uma mulher pelada correndo por Porto Alegre e dizendo frases
desconexas sobre artes marciais e política. Era o segundo caso do tipo. Em 30
de outubro, outra mulher havia sido presa por correr sem roupa no Parque
Moinhos de Vento, o "Parcão". Duas outras pessoas, um homem e uma mulher,
ainda fariam isso depois de Betina, levantando dúvidas sobre a real natureza do
fenômeno.
Ainda alheia à polêmica que o próprio gesto causaria, Betina
corria, cadenciando as passadas largas e a respiração enquanto repassava na
memória todas as vezes em que seu corpo tinha sido usado em troca de dinheiro,
desde que decidira, num Dia dos Namorados, vender sexo para comprar comida.
"Eu chorei tanto no meu primeiro dia como dançarina de boate que a dona do
lugar me tirou do palco e me deu emprego de garçonete dançante, por pura pena
de mim", contou à VICE entre soluços. "Eu fiquei um tempo trabalhando
ali, mas logo depois, numa luta de MMA, me machuquei muito e não pude
trabalhar. Aí, tive de começar a fazer programas para conseguir algum dinheiro.
Mas é muito difícil se prostituir e eu não estava conseguindo dinheiro como
prostituta. Eu perdi tudo. Eu perdi honra, caráter. Não tinha dinheiro para
comer. Não pagavam nem para fazer programa comigo, então eu sai pelada para
dizer: 'Já que querem olhar, olhem."
Correndo, Betina lembrou da boate e pensou nos dois filhos criados longe de si – Isadora, de 17 anos, filha dela com outro lutador de MMA, e Pedro, de apenas 3 anos, fruto de um relacionamento com um advogado. As duas crianças vivem hoje com a avó, longe da mãe, no bairro de Ipanema, em Porto Alegre. Além do afastamento de Pedro e Isadora, passavam pela cabeça de Betina os relacionamentos rompidos, os dias de trabalho como faxineira e como cuidadora de idosos numa clínica geriátrica, o diálogo rompido com os próprios pais, as contas impagáveis, a dificuldade de continuar treinando MMA, o esporte que havia escolhido praticar dois anos antes, e tudo que não se encaixava mais em seus 35 anos de vida. Betina só não pensava no mundo lá fora que, a partir desse dia, faria dela uma personagem ao mesmo tempo bizarra e sensual, resumindo sua vida pública numa cena e numa frase desconexa, bem ao gosto das redes sociais.
"É isso que sobrou da mulher que vocês querem
ver", foi o que ela gostaria de ter dito na hora, quando questionada sobre
o porquê do gesto. Em vez disso, saiu algo confuso. Sua primeira e única
declaração pública sobre o caso até agora foi um mix de prostituição, nudez,
patrocínio e política, levantando suspeitas de que Betina fosse uma lutadora em
busca de autopublicidade ou uma esquizofrênica.
"Foi uma sequência de acontecimentos na minha vida que
me levou a isso. Quando me perguntaram, na hora, eu tive de dizer alguma coisa.
Mas aquilo foi só um desabafo", explicou à VICE hoje, no que ela disse ter
sido sua primeira entrevista sobre o assunto. "Eu não tenho dinheiro, não
tenho celular, não tenho telefone nem televisão. Eu nem sabia da dimensão que
tudo isso ia tomar. Estou falando de favor na academia do meu mestre e não
posso ocupar a linha por muito tempo", se desculpou.
A atleta diz que até agora não entende toda a publicidade
criada ao redor do tema. "Chocante é a violência, o descaso com a saúde,
tem tanta coisa chocante pras pessoas se preocuparem, em vez de ficar ligando
pra uma mulher pelada. Eu nem sabia que alguém tinha feito isso antes de mim.
Só soube depois".
Semana passada, ela tentou tirar uma Carteira de Trabalho
pela primeira vez, mas desistiu, derrotada pela burocracia. Tanta lombada na
vida faz pensar se Betina teria na cabeça a mesma saúde que tem no corpo. Ela
disse que depois do incidente passou por dois dias de avaliação psicológica e
foi liberada. Mas um de seus ex-namorados já disse na imprensa que ela teria
"problema com drogas".
Tiago Moicano, de 17 anos, companheiro de treino, se
apressou em dar um testemunho certeiro sobre o valor de Betina: "Cara,
essa mulher tem uma vida cheia de dificuldades. Ela fica sem comer, sem ter
dinheiro para o transporte. Eu considero ela como minha mãe. Tenho muito amor
por ela."
Antes de desligar, Betina disse uma última frase:
"Olha, aquilo não é nada. Imagem não é nada. Eu tenho muito mais do que
aquele ato de desespero ...", e começou a chorar de novo, sem concluir a
frase.
Maria da Penha Neles
Maria da Penha Neles
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