Há apenas oito dias a presidente Dilma Rousseff foi
reeleita. Mas a sensação é que semanas ou meses se passaram.
A oposição de direita resolveu não dar um segundo de trégua.
Passou a semana dedicando-se – no Parlamento, nas ruas e através dos meios de
comunicação – a manter ofensiva sobre o governo, apesar da derrota eleitoral.
São fortes os indícios de ser essa a estratégia já definida
pelo bloco conservador: ataque permanente para emparedar e sabotar o quarto
mandato petista. Se possível, encurtando seu tempo constitucional. No mínimo,
minando a estrada que poderá, em 2018, levar Lula de volta ao Planalto.
Setores majoritários da imprensa, cavalgando a tese da
divisão nacional, pressionam a presidente para que componentes do programa
liberal sejam mantidos ou incorporados à política econômica. Também fabricam
candidatos a ministro da Fazenda organicamente vinculados ao capital
financeiro.
A chantagem é clara. Ou Dilma baila a música dos derrotados
ou dança. Ou o ajuste fiscal é produzido com juros em alta e gastos públicos em
baixa ou será o caos. Ou o petismo constrói pontes que o leve à margem do rio
onde residem os interesses do mercado ou seu caminho será bloqueado.
A intenção nada oculta: solapar o resultado das eleições
presidenciais e seu sentido político. A presidente está sendo constrangida para
acatar, total ou parcialmente, a agenda que foi rechaçada pelas urnas.
Ledo engano, no entanto, o de quem interpretar, nesse
movimento, possibilidade de acordo. Qualquer concessão expressiva será
aproveitada para confundir e dividir a base eleitoral da vitória, fragilizando
o governo e desmoralizando o PT.
A primeira semana posterior ao pleito foi marcada por fatos
que evidenciam tanto a orientação seguida pelas forças de direita quanto seu
fôlego e apetite para reverter a situação defensiva provocada pelo insucesso
eleitoral.
O deslizamento de parte robusta do PMDB para a frente
antigoverno, em caráter provisório ou definitivo, estocou por quatro vezes o
coração valente.
A derrubada do decreto da participação social nas
instituições governamentais, o pronunciamento contra o plebiscito da reforma
política e a chancela para a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência
da Câmara são sintomas do perigo real e imediato de que venha a se conformar
uma maioria de centro-direita no parlamento.
A quarta facada foi o andamento da PEC 352, que aprofunda as
piores características do sistema eleitoral e violenta a principal mensagem da
presidente em seu discurso de triunfo. O bloco conservador, em poucos dias,
revelou condição de ir além da resistência, impondo itens de sua própria
agenda.
O próximo passo desta coalizão está anunciado: a elevação de
70 para 75 anos da idade limite para aposentadoria nos tribunais. Aprovada pelo
Senado em 2005, a qualquer momento pode ser pautada na Câmara. Apelidada de PEC
da Bengala, surrupiaria de Dilma a possibilidade de indicar cinco novos membros
do STF em seu segundo mandato.
A entrevista do ministro Gilmar Mendes, na Folha de S.Paulo
desta segunda-feira, escancara articulação entre a direita parlamentar e
setores do poder judiciário, da qual a modificação etária é comprovatória. Seus
violentos ataques a Lula e ao PT, apresentando-se como porta-voz da luta contra
o “bolivarianismo”, simbolizam com esmero a simbiose entre judicialização da
política e politização da justiça.
Os momentos mais radicalizados desta ofensiva, no entanto,
foram protagonizados pelo PSDB, ao demandar auditoria das eleições
presidenciais. Apesar de atitude desastrada, rapidamente questionada por juízes
do Tribunal Superior Eleitoral, cultiva narrativa golpista que anima pedaços de
sua base eleitoral.
As manifestações pelo impeachment da presidente, realizadas
no último sábado, se inscrevem neste roteiro de deslegitimação do governo,
apesar de seu resultado pífio. Os tucanos tentam se desvincular da criatura
canhestra que geraram, mas esses atos constituem capítulo importante no enredo
para ocupação de espaços e mobilização contra o petismo.
Algo notável é que todos estes movimentos ocorreram, até o
momento, sem maior contraposição do governo ou do PT. A esquerda parece estar
na manhã da quarta-feira de cinzas, enquanto o conservadorismo pegou no batente
como se a semana santa tivesse ficado para trás.
Talvez ainda não tenha sido processado integralmente que a
atual situação pós-eleitoral difere das vitórias anteriores.
Naqueles momentos estabeleceu-se, encerrada a apuração, um
certo cessar-fogo, com a oposição preferindo acumular forças para batalhas
eleitorais futuras. Havia mais espaço, portanto, para composições
institucionais que garantissem a governabilidade, além de tempo para arrumar a
casa com alguma tranquilidade política.
Ainda que possa ser criticada por danos de médio e longo
prazo, tinha amparo na realidade a distensão politico-ideológica adotada pelo
PT no início de seus três primeiros governos. A mesma opção, nos dias que correm,
poderia ser gravemente ineficaz, pois o inimigo está em outra.
No passado, fez-se a paz porque a guerra poderia ser evitada
ou adiada. Mas não parece ser factível, hoje, que se possa pacificar o país sem
vencer a guerra estabelecida pela direita ou sem demonstrar inquestionável
capacidade de fazê-lo.
A boa notícia é que o PT tem forças suficientes para mudar
de tática e romper a paralisia.
Além da legitimidade eleitoral, que a direita tenta borrar
do imaginário popular, a presidente e seu partido possuem uma enorme reserva de
contingentes que pode ser imediatamente mobilizada.
O discurso da direita, de caráter fortemente
antidemocrático, aguça e amplia a disposição de resposta à onda conservadora.
Mas cabe ao PT tomar a dianteira.
O elemento novo seria recombinar a atuação dentro das
instituições com a pressão das ruas sobre o Parlamento e em apoio à agenda
vitoriosa nas urnas, a começar pelo plebiscito constituinte da reforma
política.
Somada à reorganização das alianças e a retificação profunda
da política de comunicação do governo, a mobilização social tem potencial para
ser a principal alavanca de retomada da ofensiva.
A má notícia é que não há tempo a perder. Cada dia de avanço
conservador sobre o Estado e a sociedade fortalece ameaça às reformas e à
democracia.
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