INVENTOR DA MÁQUINA DE ESCREVER
Padre Francisco João de Azevedo
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"Por essa época, fez-se sentir, acompanhada pelo
tétrico cortejo de grandes males, a calamidade periódica da seca. O Nordeste
ressequido, calcinado, comburido, tanto no sertão, como no litoral, e mais ali
do que aqui. Foi de novo teatro de dramas pungentes, atingida rudemente, mais
uma vez, através de dor lancinante, uma população sofredora, convertida em
ruínas.
A ocasião era a menos propícia às grandes resoluções de uma
vida. Entretanto, urgia tomar uma decisão. Azevedo não contava bem onze anos. A
mãe, pobre e viúva. Sem embargo da sua tenuidade, destinava-o a prosseguir nos
estudos. Passou a freqüentar a escola de primeiras letras. (...)
A escola de primeiras letras, com a escola de geometria,
estava instalada ao lado das repartições da Secretaria Militar, no edifício do
seminário dos extintos jesuítas.
Em casa aprendiam os meninos a ler, contar, escrever e
rezar. Depois eram enviados às aulas de latim. A criação de uma cadeira de
geometria e outra de francês trouxe notável melhoria de situação. Não existindo
na Paraíba curso secundário, a mocidade estava sujeita à tutela literária de
Olinda e do Recife, para onde se dirigiam os felizardos, em número mui escasso,
pois eram poucos os que podiam arrostar com as despesas de manutenção em terra
estranha.
Os senhores de engenho, esses podiam educar e instruir os
filhos até em colégios estrangeiros, que os havia em Pernambuco, e ainda no de
José Soares de Azevedo, notável figura de educador, que atraiu para aquela
província a mocidade nordestina, cuja vida livre no engenho ameaçava
endurece-la em homens demasiadamente rústicos. (...)
Azevedo, já adolescente, não podia sair da terra natal a fim
de prosseguir nos estudos, cuja marcada vocação revelara no gosto com que ia à
escola. Isso trazia em tristeza sua mãe, cuja viuvez, acompanhada de parcos
recursos, por vezes encontrou conforto no auxílio de amigos do seu marido, como
se dirá ao seu tempo.
Circunstância bastante feliz veio tirar da dificuldade a mãe
zelosa e aflita.
A Regência provisória, em nome do Imperador, o Senhor Dom
Pedro II, por decreto de 7 de junho de 1831 criou na cidade da Paraíba as
cadeiras de ensino secundário: retórica, geografia e elementos de história,
filosofia racional e moral e francês. Inauguraram-se os cursos, no ano seguinte,
acrescidos de mais uma cadeira, que tanta influência teve na vida do nosso
biografado: a de geometria. (...)
Corria sem novidade a vida do adolescente, quando um fato
veio dar-lhe rumo diverso.
Na manhã de 17 de janeiro de 1834, chegava à Paraíba, por
terra, d. João da Purificação Marques Perdigão, virtuoso bispo diocesano. Vinha
em visita pastoral. Havia mais de quarenta anos a Paraíba não recebia a visita
do seu prelado em pessoa. Os ordinários faziam-se representar, através do
dilatado território de sua jurisdição, por visitadores, uma para cada
capitania, e, depois, um para cada província. (...)
Provavelmente durante esta visita é que o jovem Francisco
João de Azevedo conheceu o bispo de Olinda, ficando assentada a sua ida para o
Seminário Diocesano.
Vencidas pela forma que se dirá oportunamente grandes
dificuldades - que topavam todas no apoquentamento de meios de sua mãe -
Azevedo partiu para Pernambuco, onde, feitos os preliminares exames com
aprovação, se matriculou no histórico Seminário de Olinda, no princípio do ano
de 1835."
Sua matrícula no seminário de Olinda pode ser comprovada,
ainda de acordo com Ataliba Nogueira, no "Livro de matrícula do Seminário
de Olinda", ano de 1835, seção meio-porcionistas, na página 40, na qual se
lê: "Francisco João de Azevedo, de idade de 20 anos, natural da província
da Paraíba, filho d'outro, residiu 270 dias...54$000".
"Filho'outro", quer dizer, no estilo do livro, filho de
outro de igual nome.
Tornou-se padre em 18 de dezembro de 1838, pelo Seminário de
Recife, onde passou a residir. Na capital da Província do Pará (hoje João
Pessoa), lecionou por vários anos, a partir de 1863, cursos técnicos geometria
mecânica e desenho no "Arsenal de Guerra de Pernambuco" [1], notabilizando-se
com um sistema de gravação em aço. Lá ele também desenvolveria uma invenção
revolucionária: a máquina de escrever.
A rainha Ana Stuart [1665 - 1714], da Inglaterra, havia
concedido a primeira patente de uma máquina de escrever em 1714. Eis a descrição da patente: "An
artificial machine or method for the impressing or transcribing of letters
singly or progressively one after another, as in writing, whereby all writing
whatever may be engrossed in paper or parchment so neat and exact as not to be
distinguished from print."
O idealizador do protótipo e autor do pedido, o inglês Henry
Mill, nunca industrializou seu invento. Em 1829 o norte-americano William
Austin Burt patenteou um modelo de máquina de escrever, mas o escritório onde
foi feita a patente incendiou-se em 1836, queimando-se toda a descrição de seu
invento.
Vários outros inventores desenvolveram protótipos (como
Xavier Progin, em 1833), mas foi o Padre Azevedo quem conseguiu construir o
primeiro modelo que funcionava. Tendo herdado as aptidões mecânicas de seu pai,
concebeu seu projeto nas oficinas da fábrica de armamentos do Exército onde
lecionava.
A mecânica atraía muito Francisco João de Azevedo.
Recolhia-se às oficinas e laboratórios horas a fio, pela madrugada adentro, a
planejar e resolver problemas das invenções que idealizava. Naquela época (e
isso hoje causa espanto a qualquer um) existia no Brasil um organismo
tecnológico excelentemente aparelhado para o fabrico de aparelhos, armamentos,
equipamentos, fardamentos, máquinas, bem como tudo quanto necessário ao
abastecimento do exército. Havia oficinas dotadas do melhor naqueles tempos,
com pessoal qualificado (alfaiates, coronheiros, ferreiros, funileiros,
serralheiros, etc.). Era, como se percebe, um templo de trabalho, com a
vantagem de ter a tranqüilidade que todo inventor precisa.
Dois inventos já o preocupavam: um veículo para o mar e
outro para a terra. O primeiro acionado pela força motriz das ondas e o segundo
pelas correntes aéreas, sem qualquer motor. Restam sobre esses inventos apenas
algumas poucas palavras que Azevedo dirigiu ao "Jornal do Recife"
numa carta publicada em 6 de setembro de 1875. Ei-la:
"A despeito da coincidência de ocorrer a mesma idéia a
mais de uma pessoa em tempo e lugar diferentes, direi somente que mais de uma
vez ela se tem verificado, até mesmo nas edições poéticas. Mas como o jornal de
Pelotas perguntou a quem pertencerá a palma, eu quero responder a essa
pergunta: 'ao mais feliz'. Digo assim, porque no artigo
'invenções' eu sou tão infeliz, que, tendo publicado uma meia
dúzia deles e guardado comigo alguns outros, ainda não pude conseguir que um só
vingasse; nem mesmo aquele que mereceu na Exposição do Rio de Janeiro de 1864 a
medalha de ouro! [2] Falo da minha máquina taquigráfica. Como, porém, carros
movidos por outro força que não a de animais, ou do vapor, sejam uma velha
invenção minha, vou pedir-lhe o favor de dar publicidade ao seguinte: há mais
de vinte anos eu me ocupei com duas idéia que nas minhas tão inúteis
elucubrações me haviam ocorrido; uma era para criar um motor, uma força que
servisse à navegação marítima, substituindo a do vapor e a do vento. Achei-a no
próprio movimento das ondas. Esbocei o projeto, dei-lhe grande desenvolvimento,
mas não o concluí de todo, porque passei então a ocupar-me com outra idéia - a
de descobrir um meio econômico para estabelecer-se veículos entre esta cidade e
Olinda. Isto ficou para mim resolvido, o que naquele tempo eu comuniquei a
alguns amigos, que hoje poderão dar testemunho da exatidão do meu acerto. Esta,
como todas as minhas descobertas, ficou inútil, porque me faltou o dote, muito
necessário e muito legítimo de saber recomendar a acreditar minha idéia. O
acanhamento e a timidez de minha índole, a falta de meios, e o retiro em que
vivo, não me facilitam o acesso aos gabinetes onde se fabricam reputações, e se
dá diploma de suficiência. Daí vem que as minhas pobres invenções definhem,
morrem crestadas pela indiferença e pela falta de jeito. Uma vez, porém, que os
meus inventos não utilizam a mim, desejo que utilizem ao meu país, se tanta
honra lhes puder caber. O motor a empregar era o vento e os carros deviam
mover-se em todos os sentidos, ainda mesmo em direção oposta ao vento, podendo
mover-se em sentido circular, sem que, em nenhum dos casos, diminuísse a
velocidade primitiva."
Azevedo teve a idéia de construir uma máquina de escrever
quando, em 1854, a primeira linha telegráfica construída do mundo transmitiu a
mensagem entre Washington e Baltimore. O aparelho de David Edward Hugues [1831 -
1900] permitia escrever a máquina as mensagens telegráficas transmitidas a
distância.
Azevedo teve que construir primeiramente, porém, a máquina
taquigráfica, por razões econômicas. Precisava construir um aparelho que
prestasse à imediata aplicação, possibilitando-lhe auferir lucros e, nesse
sentido, nada melhor do que a taquigráfica, já que tanto o Conselho de Estado
como a Câmara Legislativa e o Tribunal de Justiça precisavam de um processo
prático para colher discursos, diálogos e debates orais dos seus membros,
durante as sessões.
Azevedo empenhou-se obstinadamente nesta tarefa, conforme
relata um dos seus contemporâneos e amigo íntimo, o médico Dr. Félix da Cunha
Menezes, testemunha ocular do invento:
"Conheci muito de perto esse grande homem, sendo eu um
dos maiores admiradores e devotando ao respeitável ancião verdadeira
veneração... era então médico clínico na cidade do Recife, em 1872 ou 1873.
Quantas vezes passava horas e horas, esquecido de tudo, a ouvir aquele sábio,
alquebrado pelos desgostos e moléstias, com os seus óculos de aros de ferro,
amarrados a um cordão sebento, sentado em sua tripeça de madeira tosca, de
canivete e lixa, a regularizar pauzinhos, recortar letras de jornais para
indicar teclas e limar tipos e embutir em martelos de madeira, para transmitir
letras de papel, a enrolar arames finos e arranjar molas? Mostrava-me todas as
peças, explicava-me sua engrenagem, sua maneira de aplicar e produzir a
escrita, enfim, de tudo me fazia conhecedor..." [3]
É importante esclarecer que Azevedo fez duas invenções
distintas: a primeira, apresentada na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, foi
a máquina taquigráfica; e a segunda, a máquina de escrever. Para Ataliba
Nogueira, o melhor e mais profundo biógrafo do Padre Azevedo, não há dúvida quanto
à realização de dois inventos. Escreveu ele na página 71 de sua obra "A
máquina de escrever, invento brasileiro":
"A própria gravura da máquina taquigráfica exibida na
Exposição de 1861 mostra a simplicidade de transformação da máquina
taquigráfica em máquina de escrever. A gravura deixa ver nada menos de vinte e
quatro teclas, das quais tão somente dezesseis funcionavam. Que o Padre Azevedo
inventou e fez funcionar as duas máquinas, uma para escrever e outra para
taquigrafar,(...) não cabe discussão".
Aproximava-se o ano de 1862, quando devia realizar-se em
Londres uma Exposição Internacional, para o qual o Brasil fora oficialmente
convidado.
A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional tomou a
iniciativa das providências. Nesse sentido, propôs e o governo aceitou que,
como medida preliminar, fossem primeiramente organizadas pequenas exposições
regionais nas Províncias, para facilitar a seleção dos produtos que deveriam
figurar na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, a partir da qual realizar-se-ia
nova seleção, para a escolha definitiva dos mostruários destinados aos
conclaves de Londres.
O Padre João de Azevedo decidiu expor sua máquina na
Exposição Industrial e Agrícola da Província de Pernambuco. A imprensa da época
proclamou o valor da sua invenção. De fato, a máquina taquigráfica era o centro
das atenções da Exposição. O "Jornal do Recife", na edição de 16 de
novembro de 1861 (data da inauguração da exposição), publicou:
"Em frente, do outro lado da sala, está um pequeno e
elegante móvel, a máquina taquigráfica do Sr. Padre Azevedo; é um dos objetos
que, sem dúvida, o Brasil enviará à Exposição de Londres no futuro ano de 1862,
e que chamará sobre si a atenção e o exame das classes industriais da
Europa."
A exposição durou sete dias, durante os quais passaram
12.356 pessoas. Do "Catálogo da Exposição dos produtos naturais, agrícolas
e industriais da província de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte
e Ceará", apresentado ao presidente da Província de Pernambuco, Sr. Dr.
Marcelino Nunes Gonçalves, pelo Sr. José de Vasconcelos, a 18 de novembro de
1861, consta a seguinte notícia:
"Expositor: O Padre Francisco João de Azevedo.
Número 67- Uma máquina de escrever
Foi o mais procurado objeto da exposição e certamente o
mereceu pelo engenho com que está organizada. Eis aqui sua descrição:
"Representa e tem a configuração de uma espécie de
piano pequenino... As letras que compõem uma sílaba saem impressas no papel em
uma mesma linha horizontal, ora juntas ora apartadas umas das outras, e o
decifrador não tem outro trabalho mais do que ajuntar as diferentes sílabas
para formar as palavras.'"
O "Diário de Pernambuco", na edição de 25 de
novembro de 1861, comentou elogiosamente a máquina:
"O piano taquigráfico do Sr. Padre Azevedo, que há de
figurar na Exposição de Londres e que ali dará uma cópia brilhante do Brasil,
tem uma importância no domínio da arte e nas exigências da prática, tal qual a
do vapor sobre a força individual."
Concluída a Exposição Regional de Pernambuco, os produtos
ali selecionados deveriam ser remetidos ao Rio de Janeiro, a fim de figurarem,
como já foi dito, na Exposição Nacional.
O Padre Azevedo, porém, era um homem pobre e não podia,
sozinho, arcar com as responsabilidades de uma viagem ao Rio de Janeiro, onde a
sua presença era essencial, para que ele próprio explicasse o funcionamento da
máquina e fornecesse esclarecimentos para um público certamente mais numeroso e
exigente.
Em Pernambuco a referida máquina de tal maneira empolgou os
que a viram, que nos centros culturais e sociais não se falava de outra coisa.
Criou-se, mesmo, em torno dela, um clima de exaltação patriótica, isto porque o
pernambucano não aceitava e não compreendia a idéia da máquina de Azevedo não
figurar na Exposição Nacional, onde - todos tinham certeza - provocaria um
êxito retumbante, revelando a capacidade criativa de um autêntico e iluminado
filho do Nordeste. Sim, Pernambuco era (e talvez ainda seja) uma terra muito
vaidosa.
Havia, porém, dificuldades econômicas. A máquina de Azevedo,
como ele próprio disse, não estava completa. Necessitava de acabamentos e
retoques finais, e isso custava muito dinheiro.
A Comissão Pernambucana compreendeu o problema do inventor.
Dispôs-se, então, a ajudá-lo, contanto que a máquina chegasse ao Rio de Janeiro
em companhia do autor.
A Comissão auxiliou Azevedo a concluir o invento e custeou
sua viagem. Foi assim que ele, afinal, chegou ao Rio de Janeiro e expôs a
máquina na "Primeira Exposição Nacional", de 1861, no Rio de Janeiro.
A Exposição Nacional, inaugurada não por acaso no dia 2 de
dezembro (aniversário do Imperador Pedro II), realizou-se no Edifício da Escola
Central, hoje
Escola Politécnica do Largo de São Francisco. Durante os
quarenta e quatro dias que esteve aberta ao público (2 de dezembro de 1861 a 16
de janeiro de 1862) 50.739 pessoas (mais de um quarto da população) visitaram a
exposição. Os prêmios foram entregues no dia 14 de março de 1862. Dos 1136
expositores somente nove foram distinguidos com a medalha de ouro... e Padre
Azevedo foi um desses nove!
O próprio imperador Pedro II chegou a ver a máquina!
Aparentando um piano, o invento era um móvel de jacarandá equipado com teclado
de dezesseis tipos e pedal. Cada tecla da máquina de Francisco acionava uma
haste comprida com uma letra na ponta. Eis como Padre Azevedo a descreveu:
"Se tocarmos uma só tecla de um piano para produzir um
som, é inegável que o podemos fazer, ao mesmo tempo que pronunciamos um A ou um
B ou mesmo uma sílaba qualquer; se tocarmos uma, duas, três, quatro teclas
& Co., não sucessiva, mas simultaneamente, levaremos o mesmo tempo que
gastamos em tocar uma só. Se esse piano constasse somente de dezesseis teclas,
teríamos dezesseis sons diferentes; se tomássemos duas a duas, teríamos em
combinações binárias pouco mais ou menos cento e vinte acordes; em combinação
trinária aumentaríamos esse número, e se continuássemos por combinações
quaternárias e seguintes, o número de acordes seria mais suficiente para
exceder o número de sílabas em qualquer idioma.
A máquina taquigráfica, pois, assemelha-se nisso ao piano;
ela tem dezesseis teclas, cada uma das quais, em vez de produzir um som como no
piano, imprime sobre uma tira de papel uma letra do alfabeto; e da mesma sorte
que no piano temos somente dezesseis sons, temos na máquina dezesseis letras
diferentes; mas, combinando duas a duas, pode-se por uma convenção obter um
número de sinais diferentes, não só para representar as demais letras, como
também sinais ortográficos, abreviaturas & Co.
Mostraremos como com estes elementos se podem formar todas
as sílabas, de sorte que, seja qual for o número de letras de que conste,
sempre será possível formas todas elas de uma vez, com uma só posição
instantânea, do mesmo modo que no piano se reproduz um acorde, particularmente
esta que ministra o meio de escrever todas as palavras com tempo igual a àquele
com que são pronunciadas, o que se consegue ainda em todo rigor ortográfico;
mas, como em taquigrafia nada mais se exige do que uma indicação bem
caracterizada de palavras, pode-se, para mais facilmente adaptar-se na
taquigrafia por máquinas abreviaturas que a disposição e condições do seu
alfabeto o teclado vantajosamente fornece.
Não daremos aqui uma descrição do mecanismo desta peça,
porque na ausência dela ou do seu desenho não seria facilmente compreendida;
limitar-nos-emos a dizer que consta ela, como já vimos, de um teclado com
dezesseis teclas, sendo oito à direita e oito à esquerda. Logo que se comprime
uma dessas teclas que representam pequenas alavancas, ergue-se na extremidade
desta uma delgada haste, que tem na ponta superior uma letra esculpida em
metal, em alto-relevo, a qual vai encaixar-se em uma outra letra igual,
esculpida em baixo relevo, em uma chapa metálica fixa em cima dessas hastes.
Uma tira de papel da largura de três dedos, pouco mais ou
menos, e de um comprimento indefinido, passando por movimento contínuo entre
esta chapa e as hastes das letras, é por elas comprimida e recebe a impressão
destas últimas, que conserva inalterável.
As letras que compõem uma sílaba saem impressas no papel em
uma mesma linha horizontal, ora juntas, ora apartadas umas das outras, e o
decifrador não tem outro trabalho mais do que ajuntar as diferentes sílabas
para formar as palavras.
Trabalha-se na máquina como se toca num piano, com ambas as
mãos, comprimindo levemente com os dedos as diferentes teclas de que ela se
compõe, e aqueles que conhecem a ligeireza com que os mestres executam nesse
instrumento as mais complicadas peças, compreenderão prontamente que nenhuma
impossibilidade há de que com tempo e exercício se adquira nesta máquina uma
destreza e agilidade tais, que permitam tomar as palavras, à medida que forem
sendo proferidas, pois que para cada sílaba bastará apenas um pequeno toque com
os dedos nas teclas convenientes, o que, sem dúvida, se poderá fazer em menos
tempo do que o preciso para, na taquigrafia, escrever-se o sinal competente.
A
descrição se faz, dando às letras isoladas o valor que elas têm, e substituindo
as combinações delas pelas que devem representar. (...)
O pedal servia para o taquígrafo mudar de linha no papel.
Note-se que a descrição refere-se à máquina taquigráfica e não à de escrever. A
máquina de escrever foi feita, com toda a certeza, a partir de modificações
posteriores feitas por Azevedo. O "Jornal do Comércio", no dia
seguinte à entrega dos prêmios (15 de março de 1862), publicou longo editorial
narrando o acontecimento. Nele citava-se o padre:
"Ninguém deixará de louvar e de ter na maior
consideração o estudo, a paciência e mesmo o trabalho manual que o Sr. Padre
Azevedo teve de empregar para levar a cabo a sua invenção, que, como ele mesmo
declarou, é suscetível de muitos aperfeiçoamentos, e teremos viva satisfação se
ainda chegarmos a ver nos recintos dos nossos Corpos Deliberativos, ou mesmo
junto das cátedras dos nossos oradores sagrados, a máquina taquigráfica de S.
Rev.ma, funcionando de modo que não se perca uma só palavra dos Cíceros e
Bossuets brasileiros. Concluiremos, dizendo que a máquina do Sr. Padre Azevedo
foi julgada, e com razão, digna de ser representada na 'Exposição de
Londres'".
Quem imaginaria que um provinciano do longínquo Nordeste
viria conquistar na capital do Império a Medalha de Ouro, vencendo 1136
expositores e nada menos que 9962 objetos expostos! Embora constituísse o
invento de maior sucesso dessa exposição, ao contrário de todas as
expectativas, a máquina de Azevedo não foi enviada para a Exposição de Londres.
O motivo dado pela Comissão foi "falta de espaço" no pavilhão reservado
ao Brasil, o qual mal dava para colocar as amostras dos produtos naturais
(minerais, madeiras, frutos, etc.) e os de transformação (café, cacau,
borracha, fumo, algodão, mate, etc.), que, no entender da Comissão, tinham
prioridade, partindo do pressuposto de que envolviam estes maiores atrativos
comerciais do que os inventos. Vê-se, portanto, que não é de hoje que o governo
brasileiro deixa de incentivar a Ciência.
Qual não deve ter sido a decepção do Padre quando, depois de
ter recebido a Medalha de Ouro, lhe comunicaram que o modelo da sua máquina,
por ele próprio tão caprichosamente executado, não mais seria levado à
Exposição de Londres, pela inacreditável razão de "falta de espaço
suficiente" para acomodá-la!
Padre Azevedo, a despeito desse fato, não renunciou à sua
capacidade inventiva. Em 14 de outubro de 1866 ganhou medalha de prata pela
invenção de um elipsígrafo na Segunda Exposição Provincial. Assim ele o
descreve, na página 352 do "Relatório da II Exposição Nacional de
1886", organizada pelo Dr. Antônio José de Sousa Rego, 1o Secretário da
Comissão Diretora:
"Este instrumento compõe-se de duas réguas de metal,
colocadas em posição horizontal, tendo as suas extremidades firmadas em
pequenas colunas de madeira, fixas a um arco também de madeira. Ainda que
horizontais, as réguas estão postas em ângulo reto, e em cada uma há uma
corrediça, tendo no centro um pequeno cilindro, vertical móvel sobre o eixo. Na
régua superior está fixa uma manivela na parte superior do eixo do seu
cilindro, e no eixo inferior deste está fixo uma haste de metal que passa por
um anel fixo à parte superior do eixo do cilindro inferior, tendo o mesmo anel
uma pequena chave que prende a dita haste em maior ou menor distância do eixo.
Na parte inferior do eixo do respectivo cilindro há outra haste que passa por
outro anel também com chave, e este por meio de uma terceira chave se prende a
uma terceira peça, em que se coloca uma pena-tira-linhas, lipes ou diamantes,
seguros por uma quarta chave. Variando a posição dos anéis ou da ponta da pena,
depois de ter colocado o instrumento sobre o papel, chapa metálica ou pedra
litográfica, e dando volta à manivela, obtêm-se elipses de diversos tamanhos,
variando indefinidamente a relação dos seus diâmetros, fundado na diferença dos
mesmos, a qual, se for nula, o instrumento descreverá o ponto e círculos, e
retas, se o menor dos diâmetros for igual a zero, o que se obtém, fazendo que o
ponto da pena fique na linha do eixo do cilindro inferior. Pode-se assim obter
elipses concêntricas e em posições simétricas. Este instrumento aplica-se a
vários usos em que se trata de obter elipses traçadas com precisão, e o sistema
é adaptável à torneação."
Dois anos depois tornou-se professor de aritmética e
geometria no Colégio das Artes, anexo à Faculdade de Direito do Recife.
A história da máquina de escrever do Padre Azevedo, porém,
ainda não estava acabada. Ataliba Nogueira, biógrafo do padre Azevedo, disse
que o padre foi convidado por um agente de negócios estrangeiro a ir aos
Estados Unidos da América do Norte. Segundo depôs o Dr. João Félix da Cunha
Menezes [5] isso teria ocorrido em 1872 ou 1873. O estrangeiro comprometeu-se a
custear tudo, desde a viagem até a fundição das peças da máquina, que seria, em
seguida, fabricada em série, cabendo a ele, o padre, como inventor, uma parte
da cota dos lucros obtidos. Opunha, apenas, uma condição: Azevedo teria,
preliminarmente, de mostrar-lhe a máquina, de explicar-lhe o funcionamento,
detalhes e engrenagens, e o modo de trabalhar.
Nem em sonhos o padre imaginava as maldades e traições que o
estrangeiro lhe faria.
Padre Azevedo agradeceu o convite, mas recusou-se a
empreender a viagem, em virtude de sua saúde e da idade avançada. Além desses
dois fatores, temia o clima rigoroso da América do Norte.
Diante da resposta, o forasteiro retirou-se; passados alguns
dias, voltou à casa de Azevedo, desta vez para pedir-lhe que confiasse a ele a
máquina, pois em troca lhe oferecia garantias e prometia grandes vantagens. O
padre pediu tempo para pensar.
O restante da história não está bem explicado. Não se sabe
como, o estrangeiro apoderou-se da máquina. Todos os historiadores culpam esse
anônimo estrangeiro de ter roubado o invento, para ir apresentá-lo em seu país,
como se fosse de sua autoria. O roubo desestimulou Azevedo a continuar no
desenvolvimento da invenção.
Ataliba Nogueira sustentou intransigente a seguinte versão:
"... o que se conclui como certo é ter ido a máquina
para o estrangeiro (...) servindo-se algum estrangeiro de qualquer embuste para
ilaquear a boa fé do modesto provinciano, cuja qualidade intelectual de vasta
cultura não constituía couraça para defesa eficaz contra a astúcia e o enredo
de cobiçosos."
Note-se que o segundo encontro de Azevedo com o estrangeiro
ocorreu em 1872 ou 1873.
Seis anos após a invenção do Padre Azevedo (em 1867,
portanto) o norte-americano Christopher Latham Sholes [14 de fevereiro de1819 -
17 de fevereiro de 1890], com Samuel Soule e Carlos Glidden, pediu patente para
uma máquina de escrever.
(...)
O encontro do Padre Azevedo com o estrangeiro ladrão ocorreu
em 1872 ou 1873. Será mera coincidência? Daí a suspeita, bastante aceitável, de
que o estrangeiro tivesse furtivamente revelado o modelo a Sholes, o único
interessado e dedicado ao assunto, e este, o revelado a Remington. Leve-se em
consideração também o fato de que a primeira máquina de escrever de Sholes, de
1867, é completamente diferente da lançada em 1874, e nota-se, entre a primeira
e a última, um enorme avanço técnico.
Como divulgaram os jornais, a máquina taquigráfica seria
imediatamente utilizada para registrar os discursos nas sessões do Conselho de
Estado, do Superior Tribunal de Justiça, da Câmara dos Deputados e Senado e das
Assembléias Legislativas. No Brasil não havia mercado para a máquina de
escrever. O comércio e as repartições públicas brasileiras eram de moldes
acanhadíssimos, empregando os mais rudimentares métodos, de acordo com o ínfimo
volume dos negócios e papéis.
Como não seria incompreendida a vantagem da utilização da
máquina de escrever naquela época, se dezesseis anos depois uma revista
especializada em assuntos de arte e indústria, editada no Rio de Janeiro, a
"Imprensa Industrial", recebia com estas palavras o aparecimento, na
América do Norte, das máquinas Remington, no dia 10 de maio de 1877, página
528: "Incontestavelmente é uma bela invenção, principalmente para os que
escrevem mal, ou sofrem das mãos e ainda acrescentado, para os cegos, que, nos
Estados Unidos, já dela se servem sem dificuldade."
Ataliba Nogueira, embora sem levar em conta os detalhes
funcionais (como seria desejável) mas louvando-se no exame superficial de
fotografias, encontrou grande semelhança entre a máquina de Azevedo e a
Remington no 1, "a ponto de verificar" - disse ele - "diante da
simples aproximação da fotografia de uma ou de outra, que esta é a reprodução
em aço daquela outra, fabricada em madeira, tamanha é a semelhança dessas duas
máquinas, que podemos aceitar de todo a tradição oral relativa ao furto da
máquina, apropriação do objeto e não da idéia".
A semelhança entre a máquina de Azevedo e a de Remington
mostra que se trata do mesmo invento, pois uma máquina de escrever em essência
constitui-se de quatro partes fundamentais: as teclas, ou meio impulsor; as
letras (ou meio impressor), o carro (ou sustentador e condutor do papel sobre o
que se escreve); e finalmente, o aparelho para tinta ou fita.
Infelizmente, esse não foi o primeiro invento brasileiro
roubado, e não seria o último.
Escreveu Ernani Macedo de Carvalho:
"Uma investigação rigorosamente científica nos Anais e
Relatórios da 'I Exposição Nacional', realizada em 1861, no
RJ, traria, certamente, muita luz sobre esta invenção, e conseqüentemente,
reivindicaria para o Brasil a glória dessa descoberta, como também promoveria a
reparação de uma injustiça ao Padre Francisco João de Azevedo, cujo nome, por
este e muitos títulos ilustres, por Direito e por Justiça, há muito já deveria
estar colocado na Galeria dos Homens Célebres da Humanidade."
Ainda assim, os primeiros cursos de datilografia no Brasil
exibiam na parede retratos do padre para homenagear o patrono da máquina de
escrever. As escolas financiadas pela Remington faziam o mesmo, só que com o
retrato de Sholes.
Em 16 de novembro de 1871, Padre Azevedo tornou-se sócio
honorário do Instituto Histórico e Filosófico de Pernambuco. Em 31 de janeiro
de 1872 tornou-se professor da Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais.
Quatro anos antes de morrer, ainda pôde ver a defesa de sua
prioridade feita por um dos mais importantes periódicos daqueles tempos, a
"Revista Ilustrada". Eis a transcrição integral do artigo, escrito
pelo cronista Beltrano e publicado no número 23, no I, de 17 de junho de 1876:
"Não pode restar-nos a menor dúvida nesta terra que por
uma casualidade Cabral descobriu, existe enterrada a grande caveira dum animal
antediluviano talvez, mas com certeza de burro; enorme, descomunal é possível,
mas de burro propriamente dito.
O brasileiro não tem o direito de inventar, de descobrir, de
empreender uma idéia engenhosa, profícua, útil, realizar um melhoramento do
qual se aproveite o país ou o mundo.
Crie a sua imaginação um invento, gaste seus dias em
estudá-lo, coordená-lo, realizá-lo e apresente-o, porque encontrará três
antagonistas desapiedados: a indiferença, a incredulidade e a inveja, que o
aniquilam, o nulificam e estraçalham-lhe as suas esperanças mais bem fundadas,
fazendo-lhe perder o fruto de longas vigílias e, quem sabe, se enormes
dispêndios.
Desde que o mal-aventurado não faça uso do almíscar, da
pomada, da luva de pelica, das cortesias e dos discursos, com que os Dulcamaras
embalam os parvos nas praças públicas, não merece crédito, sofre todas as
contrariedades, até que, exausto, desanimado, descrente, ou morre com o seu
invento, ou vai leva-lo ao estrangeiro, que é quem lhe frui as vantagens.
Um padre em Pernambuco, Azevedo creio que se chama, inventou
um engenhoso maquinismo para escrever, apresentou-o na exposição de 1867 [7];
foi examinado esse útil e bem combinado artefato e reconhecido como invento
superior.
Como o padre não era abastado em fortuna, pediu auxílio à
assembléia provincial para o fabrico e venda das suas máquinas. A assembléia
exigiu tantas coisas, impôs tais condições que o homem desanimou e viu-se
forçado a desistir da proteção que lhe ofereciam.
Vendo, porém, que seu país era muito rico para prescindir de
uma invenção importante e utilíssima, mandou-a para a Inglaterra, que a recebeu
com duas mãos gigantes. [8]
Atualmente a Grã Bretanha espalha por todo o mundo conhecido
as suas utilíssimas máquinas de escrever. Ainda não me consta que viesse a
esmola de alguma para o Brasil; mais tarde é provável que tenhamos de
extasiar-nos diante de alguma e admirarmos o engenho destes industriais, que
têm a habilidade de inventar coisas semelhantes!
Portugal já as importa e rende o preito devido ao engenhoso
maquinismo.
Vejam os leitores o que a este respeito escreve uma folha
portuguesa - o 'Comércio do Porto'.
"A convite da digna direção da companhia Aliança de
Crédito e Auxílio das Artes Portuguesas, assistimos ontem a diversas provas
produzidas por uma máquina de escrever, que a direção referida mandou vir de
Inglaterra, a fim de estender, entre nós a sua propagação.
O aparelho referido, que apresenta um pequeno volume, é de
mecanismo relativamente simples. O sistema geral dele é quase idêntico ao dos
pianos, isto é, por meio de um teclado convenientemente adatado, consegue-se
transmitir ao papel os caracteres correspondentes, formando palavras, linhas,
parágrafos, enfim, a escrita regular de uma ou mais páginas. (...)
Como se acaba de ver, o artigo não diz uma palavra sobre o
inventor. Se um dia, como já disse, vier ao Brasil uma destas máquinas, ao
vê-la é possível que encareçamos suas vantagens e utilidade, mas, quem haverá
que se lembre então que o seu inventor foi um brasileiro?
A não ser a fatal ossada de que acima falei, é muito
provável que os nossos homens de Estado não se enganassem tão freqüentemente
apadrinhando os charlatães que especulam com o dinheiro da nação e tratando de
resto os homens prestantes, o saber e o mérito.
D. Beltrano"
Padre Azevedo morreu na segunda-feira de 26 de julho de
1880, sendo sepultado no dia seguinte, no cemitério da Boa Sentença. Seu nome
jazia esquecido quando, em 1906, pelas colunas de um modesto periódico (o
jornal do Comércio de Manaus) o paraibano Quintela Júnior publicou um artigo
narrando que o inventor da máquina de escrever havia sido aquele provinciano.
Foi uma revelação, apesar de conter poucos dados e esses mesmos repletos de
erros quanto a fatos, nomes e datas. O artigo era desacompanhado de qualquer
documentação. A notícia, porém, foi jubilosamente recebida por todo o Brasil. O
artigo foi transcrito por vários jornais de todo o país.
Do brado inicial por diante, várias vezes a imprensa passou
a ocupar-se do inventor brasileiro e da sua máquina.
O eminente escritor Sílvio Romero [9] escreveu uma carta ao
vice-presidente do Instituto Histórico Paraibano e reafirmou a construção de
duas máquinas:
"Icaraí, 27 de dezembro de 1911.
Ilmo. Sr. Coroliano de Medeiros,
Acuso recebida a carta de v. ex., de 15 do corrente, ao qual
me encheu de grande satisfação por ver o interesse que ali, nesse pedaço do
nosso querido Norte, se toma pelas glórias intelectuais do nosso grandioso
Brasil. Agradecendo as amáveis expressões que teve a bondade de dirigir-me,
obedeço ao seu apelo.
A estampa da máquina de escrever de Padre Azevedo, que
ocorre na revista do Instituto Histórico Paraibano, dá bem a idéia da que eu
vi. Mas me parece que o nosso grande inventor fez duas máquinas: uma em 1860 ou
61 para tomar debates taquigráficos, outra de escrever, esta mais tarde, que
penso ser a que eu vi..." [10]
Em 20 de agosto de 1912, Sílvio Romero escreveu nova carta,
desta vez dirigida ao redator da "Gazeta de Notícias":
"Na
Gazeta de hoje vejo que volta a tratar da invenção do Padre Azevedo, e noto que
alguém contesta tal invenção. Venho dar-lhe o meu testemunho. Conheci o Padre
Azevedo, durante os anos em que residi em Pernambuco, de 1868 a 1876. Falei com
ele inúmeras vezes; vi a cansar a máquina de escrever, admiravelmente feita de
madeira, capaz de reproduzir qualquer trecho falado ou escrito. Não sei se fez
alguma outra para traçar elipses. Vi a máquina de escrever em casa do padre e
vi-a exposta em público. O chamá-la taquigráfica não lhe tira o cunho de
máquina de escrever. Vi-a funcionar, dando trechos de jornal para serem
transcritos e ditando estrofes de poesias, ou trechos orais quaisquer. Isso
afirmo eu, sob palavra de honra. Se o Padre deu o invento a algum estrangeiro
para leva-lo aos Estados Unidos, ignoro." [11]
O Dr. Olindo Vitor, que ocupou o cargo de professor da
Escola Normal do Recife e Diretor da Instituição Pública de Pernambuco,
escreveu a José Cisne de Azevedo Júnior, então comerciante naquela cidade, e
que fora educado e criado pelo seu tio, o padre Azevedo:
"Recife, 28 de outubro de 1924
Ilustre amigo Azevedo Júnior,
A respeito da máquina de escrever, invenção do padre
paraibano, Francisco José de Azevedo, posso garantir-lhe o seguinte: mantive,
por intermédio de um de meus tios, o Padre Joaquim Victor Pereira, relações de
grande amizade com o referido padre, cuja casa, quer no antigo cais do Ramos,
quer na atual praça Tiradentes, quer na rua da Ponte Velha, freqüentei com
muito prazer para apreciar o talento e a sabedoria do ilustre sacerdote.
Ali tive ocasião de ver a célebre máquina, construída em
madeira, com um teclado semelhante aos dos pianos e martelos em cujas
extremidades se achavam caracteres tipográficos e trabalhado admiravelmente.
Fui testemunha da rapidez com que era apanhado qualquer
trecho oral ou escrito e recordo-me perfeitamente que, depois da leitura, feita
por meu pai, de alguns períodos do livrinho escolar, então em uso,
'Ornamentos da memória', de Roquette, o pe. Azevedo retirou o
impresso e mostrou-nos acabado e nítido.
Informo-lhe também que vi a máquina para traçar elipses,
quaisquer que fossem os seus eixos, o carro destinado às nossas praias,
acionado pela força do vento e cujo modelo apanhei tão bem que mais tarde
construí um quase semelhante para brinquedo de meus filhos.
O que aqui afirmo se passou entre os anos de 1873 a 1878, se
a memória não me falha. Do Padre Azevedo possuo uma coleção de lindos modelos
para desenho, que me foi oferecida e depois da sua morte adquiri as tábuas de
logaritmos (edição de 1864) de Callet e as obras do matemático Bourdon, todas
conservadas por mim como lembranças do grande talento artístico da minha terra.
Sempre ao seu dispor,
Am. e Patrício, Olintho Victor.
Esse depoimento foi publicado na revista Era Nova em 30 de
setembro de 1925 por Coroliano de Medeiros.
[1] O Arsenal de Guerra de Pernambuco foi extinto em 1899.
[2] Lapso de Azevedo: a exposição ocorreu em 1861.
[3] "Revista do Instituto Histórico Paraibano",
Vol. V
[4] Esta descrição consta do Relatório da Exposição, feito
por Mário Mello e publicado na "Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico de Pernambuco", vol. 28, página 250.
[5] Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Pernambuco, Vol V, página 133.
[6] A primeira máquina de escrever com tecla de maiúsculas e
minúsculas apareceu apenas em 1878.
[7] Erro do cronista: a exposição foi em 1861.
[8] Erro do cronista: o país para o qual a máquina foi
enviada foram os Estados Unidos.
[9] Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos nasceu em Lagarto,
cidade do Sergipe, em 1851. Foi pensador, crítico, ensaísta e primeiro
historiador sistemático da literatura brasileira. Em 1880, com a tese
"Interpretação filosófica dos fatos históricos", obteve a cátedra de
Filosofia do Colégio Pedro II. Já publicara então quatro volumes: "Poesia
contemporânea"(1869), "A filosofia no Brasil" (1878), Cantos do
fim do século (poesia, 1878) e "A literatura brasileira e a crítica
moderna" (1880). Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupou
a cadeira no17. Foi notável a sua contribuição no campo da historiografia
literária, que, a partir dele, passou a utilizar novos métodos de análise
crítica com base sobretudo no levantamento sociológico. Além dos títulos
citados, sua obra inclui: "Introdução à história da literatura
brasileira" (1882), "Contos populares do Brasil" (1883),
"Últimos arpejos"(poesia, 1883), "Valentim Magalhães"
(1884), "Estudos de literatura contemporânea" (1885), entre outros.
Morreu no Rio de Janeiro, em 1914.
[10] Esta carta consta da "Revista do Instituto
Histórico Paraibano", Vol. V, pág. 155.
[11] Esta outra carta consta da "Revista do Instituto
Histórico Paraibano", Vol. V, pág. 150.
Fonte: O Nordeste.com
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