Casal homoafetivo comemora decisão histórica e inédita do
STF. "Os guardiões da Constituição falaram: 'vocês são família'. Isso nos
dá segurança jurídica, dá cidadania 100%"
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF),
negou o recurso extraordinário do Ministério Público do Paraná contra o casal
Toni Reis e David Harrad, que entrou com processo de pedido de adoção em 2005.
Após 10 anos de disputa judicial, eles finalmente foram reconhecidos como
família.
No texto, a ministra argumentou que o conceito de família
não pode ser restrito e, com regras de visibilidade, continuidade e
durabilidade, também deve ser aplicado a pessoas do mesmo sexo. Decisão do STF
segue linha oposta à Câmara dos Deputados, que se prepara para aprovar um
conservador Estatuto da Família, que rechaça diferentes núcleos familiares.
“O conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto
a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou
homofóbico”, justificou a ministra. Disse Cármen Lúcia, “a isonomia entre
casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido
se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada
família”.
A decisão de Cármen Lúcia foi baseada na decisão do plenário
do Supremo que reconheceu em 2011, por unanimidade, a união estável para
parceiros do mesmo sexo. Na ocasião, o ministro aposentado Ayres Britto, então
relator da ação, entendeu que “a Constituição Federal não faz a menor
diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés
dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos
heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva”.
Casal comemora
A decisão foi muito comemorada, em uma noite “regada a pizza
e vinho tinto”, pelos cinco membros da família. Toni e David têm três filhos,
adotados no Rio de Janeiro, em processos comandados pela juíza Mônica Labuto:
Alyson, de 14 anos, é o mais velho, adotado há quatro anos, e os irmãos
Jéssica, de 11 anos, e Filipe, de 9 anos, chegaram há um ano. Depois do
processo, eles levaram as crianças para o Paraná.
“Quem tem o STF do seu lado tem tudo. Eles (os ministros)
são os guardiões da Constituição e falaram: ‘vocês são família’. Isso nos dá
segurança jurídica, dá cidadania 100%. Eu estou muito orgulhoso de ser
brasileiro, estou muito feliz. Temos segurança jurídica e o Supremo do nosso
lado”, disse Toni.
Leia a íntegra da decisão do STF:
“A Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre
a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como
também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e
a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem
nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a
nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado
ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial
praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser. Assim
como dá para inferir que, quanto maior o número dos espaços doméstica e
autonomamente estruturados, maior a possibilidade de efetiva colaboração entre
esses núcleos familiares, o Estado e a sociedade, na perspectiva do cumprimento
de conjugados deveres que são funções essenciais à plenificação da cidadania,
da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Isso numa
projeção exógena ou extramuros domésticos, porque, endogenamente ou interna
corporis, os beneficiários imediatos dessa multiplicação de unidades familiares
são os seus originários formadores, parentes e agregados. Incluído nestas duas
últimas categorias dos parentes e agregados o contingente das crianças, dos
adolescentes e dos idosos. Também eles, crianças, adolescentes e idosos, tanto
mais protegidos quanto partícipes dessa vida em comunhão que é, por natureza, a
família. Sabido que lugar de crianças e adolescentes não é propriamente o
orfanato, menos ainda a rua, a sarjeta, ou os guetos da prostituição infantil e
do consumo de entorpecentes e drogas afins. Tanto quanto o espaço de vida ideal
para os idosos não são os albergues ou asilos públicos, muito menos o relento
ou os bancos de jardim em que levas e levas de seres humanos abandonados
despejam suas últimas sobras de gente. Mas o comunitário ambiente da própria
família. Tudo conforme os expressos dizeres dos artigos 227 e 229 da
Constituição, este último alusivo às pessoas idosas, e, aquele, pertinente às
crianças e aos adolescentes.
Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de
família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na
posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário
implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso
indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo – data vênia de
opinião divergente – é extrair do sistema de comandos da Constituição os
encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a
proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos
somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à
formação de uma autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias
de sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qualquer outro
e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade,
continuidade e durabilidade.”
com agências
Via Pragmatismo Político
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