Focar a insatisfação num só partido não só é preguiça ideológica, mas, também, é não ter a mínima noção;
Por Tadeu Porto
Artigo do Brasil Debate
Não quero desqualificar as manifestações que vêm ocorrendo
contra o governo atual, principalmente tendo a atual presidente Dilma e o
partido dos trabalhadores como alvo. A priori, o mais importante de tudo é que
as pessoas podem ir às ruas – ou varandas – se manifestar livremente. Mas, como
nada é absoluto, queria trazer alguns itens para reflexão.
Primeiro, focar a insatisfação num só partido não só é
preguiça ideológica, mas, também, é não ter noção de como funciona o nosso
sistema na teoria e muito menos na prática (federação, 3 (+1) poderes, lobby,
mercado etc.).
Preguiça ideológica porque o ataque sistemático ao PT não tem
fundamento nem coerência com as atitudes vistas: a maioria dos manifestantes se
denomina apartidária, mas, na verdade, é capaz de assumir qualquer partido “só
para tirar o PT do poder”.
É um claro desrespeito com a história e a ideologia de cada
grupo político e dificulta ainda mais o entendimento de como nossa democracia
funciona, dentro do nosso Estado de direito. Não é de se estranhar, por
exemplo, que o processo eleitoral seja focado em ataques pessoais e não em
propostas e ideias, uma vez que, sem a correta percepção dos pensamentos que
estão em jogo, a disputa eleitoral se baseia em imagens superficiais dos
candidatos.
Já a não compreensão verossímil do nosso sistema gera um
fenômeno interessante, no mínimo: vivemos numa república federativa onde os
cidadãos (pior, eleitores) pensam viver numa monarquia, i.e., pensam que ao
Executivo cabem todos os deveres de Estado. Se a justiça não julga direito, foi
porque o planalto não escolheu bem; se o Legislativo não cria leis adequadas,
foi porque a coalização foi feita incorreta e o governo não controla “sua
base”.
O grande problema desse pensamento é ignorar completamente
que o equilíbrio entre os três poderes acontece, muitas vezes, por meio de um
jogo perverso e sujo, em que o lobby, a chantagem e o suborno são as
ferramentas mais utilizadas para a tão falada harmonia entre pares.
Consequentemente, focar a insatisfação em um só segmento – no caso Executivo
Federal – é o campo ideal para criar o bode expiatório ou o boi de piranha e
isso atrapalha qualquer combate efetivo à sujeira impregnada em todas as
relações políticas.
Segundo, combate à corrupção é um item válido de protestar.
Todavia, sem uma proposta específica para tal, pode ser incorporada por
qualquer ação, como, por exemplo, a volta da ditadura militar (com torturas e
assassinatos) e demais propostas fascistas.
O linchamento moral de corruptos e corruptores hoje, que dá
uma sensação boa de justiça, pode ser a perseguição política de amanhã, caso
segmentos da democracia acumulem poderes demais e, principalmente, não sejam
questionados por isso.
O mais surpreendente é que em termos de números e fatos,
nunca se combateu a corrupção como é feito hoje. É de se estranhar, portanto,
que o país que era conhecido pela alta impunidade, fique insatisfeito quando,
justamente, esse estigma começa a ser fortemente confrontado.
Terceiro, a atuação da mídia não foi normal e isso não é sem
motivo. A mídia hoje é um poder virtual e se beneficia muito disso: apesar de
ter forte influência sobre a população, podendo formar opiniões e desconstruir
pessoas, não tem a mesma cobrança de uma instituição política.
Portanto, ela pode assumir posturas descaradamente
antiéticas (vide a capa da Veja/Abril nas vésperas das eleições) sem sofrer
consequências de apelo popular, que frequentemente interferem muito nas
investigações e julgamento de malfeitos (já escrevi sobre isso, aqui mesmo).
Saliento, assim, um mini estudo de caso para corroborar com
esse argumento: todo mundo, da extrema direita à extrema esquerda, quer educação
melhor. Agora, quantas vezes uma mídia – pode ser local – fez uma cobertura
integral de movimentos de servidores da educação? Quantas greves já vimos e
vivemos que foram completamente ignoradas pela imprensa? Se não souber a
resposta, procure comparar o comportamento midiático na greve dos servidores de
educação do Paraná e de São Paulo (esse ano) com a cobertura 24/7 das
manifestações do dia 15 de março.
Agora, imaginem só: se todos querem (chuto aqui 99% do País)
uma educação melhor, por que não se juntam nas ruas com professores por
melhorias no ensino? Mais exemplos: professores de Contagem (MG) bloquearam uma
estrada contra o fechamento de uma escola. “Cerca de 50 pessoas” o fizeram, sem
cobertura ao vivo da mídia (agradeço aqui o cinegrafista amador que ajudou na
notícia de 30 segundos da Globo), sem hino nacional ou camisas da CBF. Por que
o interesse por isso é tão baixo?
Para finalizar e deixar claro: o texto é apenas uma
reflexão, e de maneira nenhuma é uma repreensão pelo ocorrido. Manifestações
são instrumentos primordiais da democracia, mesmo havendo discordância entre a
população sobre o conteúdo, elas devem acontecer (dentro dos limites da lei,
óbvio).
Bolsonaro e Paulinho da força (dois cânceres, na minha
opinião) foram hostilizados no dia 15 de março, portanto se pode concluir que
as ruas não foram tomadas apenas por boçais alienados, mas também por pessoas
que querem avanços efetivos para o Brasil.
Só espero que os oportunistas não usem a insatisfação dessas
pessoas, dispersa em pautas abstratas, para continuar atrasando o nosso País
nas ações que a grande maioria da população quer. Afinal, quem tem a perder com
a decadência de um sistema corrupto e injusto é justamente quem quer continuar
os privilégios derivados da sujeira praticada desde sempre no País.
Via Jornal GGN
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