A indignação diante da generosidade exibida pelo PSDB em
função da denúncia de que Eduardo Cunha recebeu uma propina de US$ 5 milhões
não deve iludir ninguém. Apenas demonstra que, mesmo celebrada com trombetas
quando ajuda a atacar o adversário, a ética é uma planta destinada a
subordinar-se às necessidades da política.
Creio que ninguém esqueceu o que se passou com o mensalão do
PSDB-MG. Mais antigo do que o esquema de financiamento do PT, o esquema tucano
começou a ser apurado mais tarde, permitindo que a impunidade geral dos
acusados fosse garantida em duas etapas. Primeiro, os réus foram separados em
dois grupos -- aqueles que tinham direito a foro privilegiado, e seriam, em
tese, julgados pelo STF. O segundo grupo, formado por réus sem mandato, seria
julgado numa vara de primeira instância da Justiça comum. Na segunda etapa, os
réus com direito a foro puderam renunciar a seus cargos e, com autorização do
STF, conseguiram que o caso fosse examinado em primeira instância. Até hoje, o
julgamento sequer terminou -- a juíza encarregada até se aposentou, veja só.
Ninguém recebeu sentença definitiva.
No julgamento dos réus do PT, o advogado Márcio Thomaz
Bastos pediu que fosse feito o desmembramento, também. Perdeu por 9 votos a 2,
no mesmo plenário que fizera a separação de acusados do PSDB.
Outro dia, o ministro Gilmar Mendes falou que era possível
encontrar o DNA da Lava Jato no mensalão. Um membro do Ministério Público
concordou.
Estão certos, mas pelo motivo errado. O DNA é a
seletividade.
Estabeleceu-se, em 2012, a jurisprudência bem definida por
mestre Jânio de Freitas: dois pesos, dois mensalões.
Em 2015, PSDB e lideranças favoráveis ao impeachment querem
aprovar o afastamento de Dilma Rousseff pelo mesmo caminho. Mas não podem
dispensar os serviços de Eduardo Cunha, aliado fiel desde a campanha de 2014 --
foi até capaz de enfrentar Michel Temer na tentativa de levar o partido para
uma aliança com Aécio Neves. As esperanças dos aliados de Cunha eram tão
grandes que conseguiram plantar entre jornalistas amigos a informação, errada,
de que apoio do partido a Dilma estava em risco.
O agravante é que não há prova de crime contra a presidente
e, contra Eduardo Cunha, há razões para imaginar que os US$ 5 milhões sejam
apenas o começo.
Apesar dos apelos indignados pela moralidade, a questão não
será resolvida nesse terreno, mas pelos interesses da política.
A autoridade de Eduardo Cunha fica obviamente abalada pela
denúncia, mas ele está longe de ser um moribundo. Possui uma bancada que lhe
deve o financiamento e o respaldo político que lhe permitiu a aquisição de seus
mandatos -- e este é um tipo de favor difícil de negar, sabemos todo.
Assegurando a Cunha todo oxigênio necessário à
sobrevivência, a oposição revela a verdade sobre o projeto de impeachment: sem
qualquer prova material, é um produto da baixíssima política.
Via Brasil 247
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