O preço médio para engraxar um par de sapatos era 1 cruzeiro
Artista plástico era engraxate em Paranavaí em 1951
Foto: Divulgação/David Arioch
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Por David Arioch
Já havia muitas crianças em Paranavaí, no Noroeste do
Paraná, no começo dos anos 1950. Para estimulá-las a ocuparem o tempo livre
quando não estavam na escola, os pais autorizavam que os filhos exercessem
alguma atividade remunerada.
“Não se trabalhava pela produtividade ou dinheiro, mas pelo
aprendizado”, comenta o artista plástico Antonio de Menezes Barbosa que em
1949, aos cinco anos, aprendeu a diferenciar diversos tipos de cultura, pouco
tempo depois de ganhar uma enxada do pai Augusto de Mendonça Barbosa.
À época, os mais jovens que residiam na área urbana de
Paranavaí descobriram na engraxataria uma atividade regular. Dezenas de garotos
percorriam as vias mais movimentadas da cidade, como a Avenida Paraná e Ruas
Minas Gerais, Marechal Cândido Rondon, Manoel Ribas e Getúlio Vargas, sem se
intimidar com o “areão”, para ganhar uns “trocados” engraxando calçados. As
principais referências eram as áreas do antigo Terminal Rodoviário Urbano,
Prefeitura, Bar Gruta da Onça e Hotel Elite.
O preço médio para engraxar um par de sapatos era um
cruzeiro, dinheiro que normalmente era usado pelas crianças para comprar
sorvete de groselha. “A gente comprava em uma sorveteria de uma família de
origem japonesa, próxima ao Bar Gruta da Onça.
Era um sorvete muito delicioso”, afirma sorrindo Barbosa que
se tornou engraxate aos sete anos, em 1951. Na Rua Marechal Cândido Rondon,
entre o Banco do Brasil e a Ótica Pupila, havia uma famosa engraxataria, muito
bem frequentada. Lá, dois garotos conhecidos como Chiquita e Ligueira
trabalhavam para um homem a quem pagavam comissão.
“Era tudo muito tranquilo. Não havia preocupação em saber
quanto cada um ganhava. O pessoal tratava bem e lembro que uma vez juntei 100
cruzeiros”, relata.
Recentemente o artista plástico reencontrou um cliente de quem
na infância engraxou muitos sapatos pretos de pelica na Rua Minas Gerais. O
movimento sempre aumentava nos finais de semana, quando colonos e peões que
trabalhavam na derrubada de árvores retornavam à cidade. Com base em uma
estimativa, pode-se dizer que cada criança engraxava pelo menos cinco pares de
sapatos por dia.
Muita gente desembarcava na primeira parada de ônibus de
Paranavaí, o Ponto Azul, onde eram assediados pelos engraxates mirins. As
crianças os cercavam e gritavam: “Vai graxa, aí? Vai engraxa?” “Dava pra
trabalhar o dia todo. Comprava graxa da marca nugget na Casa São Paulo. Tinha
latinha de dois tamanhos.
A gente passava com escova de dente ou de engraxar”, relata
Antonio de Menezes. Para dar um brilho nos calçados, a garotada não dispensava
o paninho de flanela. E claro, nem os clientes que faziam questão de cobrar
quando o serviço não era completo.
Barbosa tinha a própria caixa de engraxate, o que era um
privilégio para poucos, pois podia trabalhar sozinho e onde quisesse, sem
precisar cumprir horário ou prestar contas do serviço. Porém, a função não era
bem encarada por todos os moradores de Paranavaí.
“A figura do engraxate já era de uma pessoa marginalizada,
de alguém que não era de confiança”, desabafa Antonio de Menezes que conquistou
um bom número de clientes fiéis, mas no início da adolescência desistiu da
atividade para trabalhar na área comercial. O auge dos engraxates em Paranavaí
se estendeu até a década de 1960.
A boa mão para a engraxataria fez Barbosa ser chamado para
um serviço na casa de um homem conhecido como “Seu Euquério”, ex-gerente da Boa
Táxi Aéreo. “Um dia, ele me pagou só para encerar o piso da casa dele com cera
canário e dar um brilho no assoalho”, conta rindo.
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