Uma democracia multirracial onde as pessoas são julgadas
pelo caráter, e não pela cor da pele – este era o sonho do movimento dos
direitos civis nos Estados Unidos. Quando Barack Obama foi eleito presidente,
em 2008, muitos americanos ficaram extasiados. O sonho havia se tornado
realidade?
Conforme o presidente se aproxima do final do seu mandato de
oito anos, o país está acordando. Mais de 60% dos americanos – negros e brancos
– acreditam que, em geral, as relações entre raças são ruins, de acordo com uma
pesquisa de opinião recente encomendada pela rede CBS e pelo jornal The New
York Times.
Recentes mortes de afro-americanos desarmados por policiais
provocaram uma onda de agitação social. Manifestantes pacíficos tomaram as ruas
com o grito de ordem “vidas negras importam!”. As tensões escalaram em
protestos e confrontos contra uma força policial que muitas vezes mais parece
uma organização militar.
Obama falou à Associação Nacional para o Progresso de
Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) pela segunda vez desde que assumiu a
presidência. Ele propôs reformas no sistema judicial americano, como reduzir
longas sentenças obrigatórias (em que os juízes são obrigados por lei a
estipular uma pena mínima) para crimes não violentos, as quais afetam
desproporcionalmente os negros.
Mas muitos afro-americanos acreditam que o presidente tem
respondido vagarosamente a pedidos de reformas e que ele não tem ido longe e
rápido o suficiente.
“O presidente só lidou com o tema das questões raciais
quando foi absolutamente obrigado a fazê-lo”, afirma Ronnie Dunn, professor de
estudos urbanos na Universidade Estadual de Cleveland. “Houve uma relutância
para responder de maneira franca a essas questões.”
Políticas de respeitabilidade
Harold McDougall, professor de direito na Universidade de
Howard, em Washington, acredita que a relutância de Obama em se expressar sobre
raça tem relação com a chamada “política de respeitabilidade”, uma filosofia
sobre o método de inclusão dos afro-americanos que prevalece há várias
gerações. Essa filosofia estipula que os afro-americanos têm que alterar seu
comportamento e sua cultura para que finalmente consigam ser aceitos pelo
mainstream branco.
Durante a campanha de 2008, o então senador Obama foi
obrigado a se desfiliar da Igreja Unida da Trindade de Cristo, em Chicago, após
ser pressionado publicamente. Na ocasião, o reverendo Jeremiah Wright, que
liderava a igreja e foi o responsável por batizar os filhos de Obama, havia
feito uma série de comentários julgados "controversos" sobre as
relações raciais, o cenário político americano e a política exterior do país.
“Parece-me um cenário em que as políticas de
respeitabilidade foram responsáveis por sua eleição”, diz McDougall. “Foi isso
que o guiou através do seu primeiro mandato e a metade do segundo.”
“Realmente não há limite sobre o quanto você tem que se
submeter a outras pessoas para conseguir ser aceito quando as condições são
impostas por essas pessoas em vez de por você mesmo”, afirma.
Mudança de tom
Tanto McDougall quanto Dunn concordam que o presidente se
tornou mais ousado quanto às questões que envolvem justiça racial somente nos
últimos tempos. Ele não está mais concorrendo à reeleição, e acontecimentos
como os de Ferguson, no estado do Missouri, e de Baltimore criaram um novo
senso de urgência. “É como se ele estivesse bem mais liberdade para discutir
esses assuntos”, diz Dunn.
Na sequência dos confrontos em Ferguson, no último verão,
Obama montou uma força-tarefa para implementar uma reforma na polícia. A
força-tarefa pediu um basta para a mentalidade “guerreira” que prevalece em
muitos departamentos de polícia no país. Em vez disso, a ideia é que a polícia
aborde e coopere com as comunidades para desescalar conflitos.
O Departamento de Justiça também iniciou inquéritos federais
contra os departamentos de polícia de Ferguson, Cleveland e Baltimore e
divulgou relatórios arrasadores sobre as duas primeiras cidades.
“A atmosfera gerada por esses acontecimentos com certeza fez
com que todo mundo – e não só a comunidade afro-americana – ficasse mais
propenso a falar sobre esses assuntos”, afirma McDougall.
Era pós-racial não existe
As tensões raciais têm estado em alta nos Estados Unidos nos
últimos meses. Então, em junho, um supremacista branco de 21 anos entrou numa
histórica igreja negra em Charleston, na Carolina do Sul, abriu fogo e matou
nove fiéis.
“Até mesmo os brancos ficaram horrorizados”, diz McDougall.
“Não era para ser assim. Não existem Estados Unidos pós-raciais.”
Dias após o massacre na igreja, Obama concedeu, em Los
Angeles, uma entrevista para o comediante Marc Maron. Ele falou sobre o
massacre sobretudo em termos da necessidade de maior controle sobre armas de
fogo. Mas ao longo da entrevista, o presidente falou sobre a questão racial de
uma maneira tão franca que surpreendeu alguns ouvintes.
“Não é só uma questão de se é educado falar nigger [preto]
em público”, disse Obama. “Isso não é um parâmetro para determinar se o racismo
ainda existe ou não.”
Quando o presidente fez esses comentários, a bandeira
Confederada ainda estava tremulando na área do capitólio de Columbia, capital
da Carolina do Sul. Mas na semana passada, o estado votou pela remoção da
bandeira sob a qual os soldados sulistas lutaram para preservar a escravidão
durante a guerra civil americana.
“Só agora estamos retirando a bandeira confederada. De um
ponto de vista metafórico, é como se ainda estivéssemos lutando na guerra
civil”, aponta Dunn.
Nenhum comentário:
Postar um comentário