"A crise política decorre da decepção e do
inconformismo do PSDB com a derrota nas urnas em 2014, o que os leva a tentar
erodir a legitimidade de Dilma", diz o embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães, uma das principais referências do Itamaraty; Pinheiro Guimarães
critica, também, a paralisia do Palácio do Planalto; "O Governo se retrai,
não age politicamente nem mobiliza intensamente os movimentos sociais e os
setores que poderiam apoiá-lo no enfrentamento a esta ofensiva conservadora que
fará o Brasil recuar anos em sua trajetória de luta contra as desigualdades e
suas vulnerabilidades, e de construção de um país mais justo, menos desigual,
mais democrático, mais próspero e mais soberano"
A ofensiva conservadora e as crises
Por Samuel Pinheiro Guimarães, originalmente publicado naCarta Maior
A sociedade brasileira está diante de uma ofensiva
conservadora que se aproveita de entrelaçadas crises na economia, na política,
nas instituições do Estado, na imprensa e nos meios sociais para fazer avançar
seus objetivos.
A suposta crise econômica ofereceu pretexto para implantar
um programa neoliberal de acordo com o Consenso de Washington: privatização,
abertura comercial e financeira, ajuste orçamentário, flexibilização do mercado
de trabalho, redução do Estado, tudo com a aprovação do sistema financeiro
internacional, por um Governo eleito pela esquerda.
A crise da corrupção, cujo maior evento é a Operação Lava
Jato, mas também a Operação Zelotes, esta inclusive de maior dimensão, está
servindo para destruir a engenharia de construção, onde se encontra o capital
nacional de forma importante, com atuação internacional, e para preparar a
destruição de organismos do Estado tais como a Petrobras, o BNDES, a Caixa
Econômica, a Eletrobrás etc. a pretexto de que os eventos de corrupção neles
investigados seriam apenas o resultado de serem estas entidades estatais.
Sua privatização, que corresponderia a sua
desestatização/desnacionalização, eliminaria, segundo eles, a possibilidade de
corrupção.
A crise do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia
Federal se desenvolve em várias esferas.
O Supremo Tribunal Federal tolera que um de seus membros
interrompa, há mais de um ano, sob o pretexto de vista, uma ação, cujo
resultado já está definido por 6 votos a 1, sobre a ilegalidade do
financiamento privado de campanhas, fenômeno que está na origem da corrupção do
sistema eleitoral em todos os Partidos e veículo para o exercício da influência
corruptora do poder econômico na política e na Administração.
O objetivo deste Juiz é aguardar até que o Congresso aprove
emenda constitucional, já em tramitação por obra do Presidente da Câmara, que
torna legal o financiamento privado de campanhas.
A teoria do domínio do fato, uma aberração jurídica,
acolhida pelo STF, reverte o ônus da prova e, mais, torna qualquer indivíduo
responsável pelos atos de outrem sob suas ordens sem que o acusador ou o juiz
tenha necessidade de provar que o acusado conhecia tais fatos.
O sistema do Ministério Público permite a qualquer
Procurador individual desencadear processos com base até em notícias de jornal
contra qualquer indivíduo, vazar de forma seletiva estas acusações para a
imprensa, que as reproduz, sem nenhum respeito pelos direitos dos supostos
culpados e sem nenhuma perspectiva razoável de reparação do dano causado pelas
denúncias do Procurador nem pela imprensa que as divulgou, caso se verifique a
improcedência das acusações.
A Polícia Federal exerce suas funções com extrema
parcialidade, de forma midiática, criando, na sociedade a presunção de alta
periculosidade de indivíduos que prende para investigação e se arvorando em
poder independente do Estado.
Segundo depoimento do Presidente das entidades da Polícia
Federal na Câmara dos Deputados, a Polícia Federal recebe regularmente recursos
da CIA, do FBI e da Drug Enforcement Administration - DEA, no montante de USD
10 milhões anuais, depositados diretamente em contas individuais de policiais
federais.
A crise política decorre da decepção e do inconformismo do
PSDB e de seus aliados com a derrota nas urnas em 2014 o que os leva a
procurar, por todos os meios, erodir a credibilidade e a legitimidade do
Governo Dilma Rousseff e, por via transversa, do Governo Lula e assim minar as
possibilidades de vitória de uma eventual candidatura de Lula em 2018.
Contam os partidos e políticos conservadores com a campanha
sistemática da televisão, jornais e revistas, com base em denúncias vazadas,
com a campanha de intimidação na Internet, com as manifestações populares, com
o desemprego crescente causado pela política de corte de investimentos e de
elevação estratosférica de juros, os maiores do mundo, para fazer baixar os
índices de aprovação do Governo e da Presidenta e poder argumentar com a
legitimidade e a necessidade de depô-la pelo impeachment.
A crise na imprensa e nos meios de comunicação se desenvolve
em um ambiente em que as televisões, rádios, jornais e revistas recebem
paradoxalmente enormes recursos do Governo para a ele fazer oposição
sistemática, erodir a confiança da população no sistema político e nos
partidos, em especial nos partidos progressistas, de esquerda, poupando os
partidos conservadores tais como o PSDB, que recebeu tantas doações para sua
campanha de 2014 quanto o PT e das mesmas empresas ora acusadas pelo juiz Moro.
A crise social se desenvolve na Internet, onde circula todo
tipo de ofensa racista, homofóbica, antifeminina, antiprogressista e fascista,
contra os políticos e partidos de esquerda, gerando um clima de hostilidade e
ódio e estimulando a agressão física.
No Congresso, os setores mais conservadores elegeram grande
número de deputados e, tendo conquistado a Presidência da Câmara dos Deputados,
fazem avançar, a toque de caixa, sem nenhuma atenção à necessidade de debate
pelos parlamentares e pela sociedade, uma ampla pauta de projetos conservadores
que inclui a redução da maioridade penal, a ampliação do uso de armas, o
financiamento privado das campanhas, a terceirização do trabalho.
O objetivo máximo desta grande ofensiva política e econômica
conservadora é a tomada do poder através do impeachment da Presidenta Dilma
e/ou a desmoralização do PT que leve a sua derrota fragorosa nas eleições de
2016, a qual preparará sua derrota final e “desaparecimento” nas eleições de
2018.
O processo político de impeachment da Presidenta Dilma não
avança por estarem o PSDB e PMDB divididos quanto a sua conveniência no atual
momento do calendário político e econômico.
Os três possíveis candidatos do PSDB à Presidência da
República, quais sejam, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra tem opiniões
diferentes sobre sua conveniência.
A Aécio Neves interessa o impeachment de Dilma Rousseff e de
Michel Temer por crime eleitoral, declarado pelo TSE, logo que possível pois
isto levaria a uma eleição em 90 dias onde espera que, como presidente nacional
do PSDB e candidato que teria perdido a eleição devido a “fraude”, agora se
beneficiaria devido a sua campanha persistente pela ilegitimidade dos
resultados eleitorais de 2014, o que o faria o candidato do PSDB com melhor
perspectiva de vitória.
A Geraldo Alckmim interessa que o processo político,
econômico e social desgaste longa e duradouramente o Governo Dilma e o PT até
que as eleições municipais se realizem em 2016, com fragorosa derrota do PT e
do PMDB e que tenha tempo de construir sua candidatura, com base no Governo de
São Paulo, enquanto a candidatura de Aécio se enfraqueceria com o tempo como
resultado de eventuais denúncias.
A José Serra interessa também que o impeachment não ocorra,
que o Governo se desgaste para que tenha tempo de reconstruir sua imagem e
eventualmente possa se candidatar pelo PSDB em 2018 ou até mesmo pelo PMDB, que
insiste em ter candidato próprio mas sem nome hoje viável. Afinal, Serra foi
fundador do PMDB e voltaria a sua casa, construindo sua candidatura junto à
classe média nacional, através de sua atuação no Senado, com toda cobertura
favorável da imprensa.
Para o PMDB, o impeachment da Presidenta representa o fim de
um Governo onde ocupa a Vice-Presidência e ao qual dá apoio enquanto que um
longo processo de desgaste da Presidenta, do Governo e do PT também o atingiria
como partido aliado, enquanto a imprensa desgasta sua imagem na opinião pública
como partido oportunista e corrupto.
Os interesses de Michel Temer, de Renan Calheiros e de
Eduardo Cunha são divergentes. Cunha acredita poder ser o candidato do PMDB à
Presidência, assumindo a liderança da ofensiva conservadora e o papel de
defensor da Câmara, dos representantes do Povo, mas enfrenta o desgaste das
denúncias de corrupção. Michel Temer sabe que a condenação por crime eleitoral
de Dilma Rousseff pelo TSE também o arrastaria enquanto que a condenação de
Dilma pela rejeição das contas de 2014 pelo TCU e pelo Congresso o levariam à
Presidência. Renan disputa com Temer influência no PMDB e imagina poder ser
candidato em 2018 com o enfraquecimento dos demais.
No PT, a situação é talvez ainda mais grave.
O programa econômico conservador, ao cortar investimentos
públicos e as despesas de custeio do Governo, aumenta o desemprego e afeta a
demanda o que reduz as perspectivas de lucro, contrai os investimentos
privados, estabelece a desconfiança nos “mercados” e reduz as receitas normais
tributárias, aumentando o déficit público.
Ao aumentar a taxa de juros, o Governo (Banco Central)
aumenta as despesas do Governo e a relação dívida/PIB, reduz a atividade
econômica e as perspectivas de lucro e provoca a queda da arrecadação. Ao não
conseguir o aumento de receitas normais pela dificuldade em elevar tributos,
passa a apelar para a venda de ativos o que é uma forma disfarçada de
privatização, com resultados apenas temporários.
Ao provocar o desemprego, ao apoiar medidas desfavoráveis
aos trabalhadores como alterações no seguro desemprego, no abono salarial e
outras, e ao provocar a redução do crescimento o Governo mina a sua base de
apoio social e político e as bases sociais e políticas do PT.
A retração da demanda, o aumento das taxas de juros, a
contração das atividades do BNDES, a redução das oportunidades de investimento,
a perspectiva de aumento de tributos afetam os interesses dos empresários e
aumenta o seu descontentamento com o Governo e sua política.
Não há liderança no PT além de Lula que, por seu lado, não
vê como abandonar o programa econômico do Governo Dilma sem acelerar sua queda,
mas reclama da incapacidade da Presidenta para o exercício da política.
As pesquisas de opinião podem vir a revelar níveis de
rejeição muito superiores aos que ocorreram na véspera do impeachment de
Collor. Caso os níveis de aprovação caiam abaixo de 5%, o desânimo e a
desmobilização dos movimentos sociais e dos sindicatos, a perplexidade dos
congressistas, a posição dos candidatos a prefeito em 2016, as contínuas
denúncias do Ministério Público (na realidade de procuradores individuais)
contra políticos vinculados ao PT e contra o próprio Lula, a agressividade
social e intimidatória conservadora podem gerar situação de gravíssimo perigo
político para sobrevivência da democracia.
O Governo, apático, atordoado e intimidado, parece acreditar
em sua pureza que fará que, ao final, sobreviva, único puro, à tempestade de
denúncias que atingem políticos e partidos sem compreender que o objetivo da
ofensiva conservadora não é lutar contra a corrupção e moralizar o país mas sim
derrubá-lo e recuperar a hegemonia completa na sociedade e no Estado.
O Governo se retrai, não age politicamente nem mobiliza
intensamente os movimentos sociais e os setores que poderiam apoiá-lo no
enfrentamento a esta ofensiva conservadora que fará o Brasil recuar anos em sua
trajetória de luta contra as desigualdades e suas vulnerabilidades, e de
construção de um país mais justo, menos desigual, mais democrático, mais
próspero e mais soberano.
É urgente a mobilização de todas as forças sociais
progressistas para combater o desemprego causado pelo programa de ajuste, que
está, isto sim, gerando imensa crise econômica e social, para defender a
democracia e seus representantes legítimos, para defender as conquistas dos
trabalhadores, para defender a empresa nacional, para defender o desenvolvimento
do país, para defender a soberania nacional e a capacidade de autodeterminação
da sociedade brasileira.
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