Dizíamos três dias atrás (http://migre.me/tqjU9):
Não vai ter golpe por uma razão: a opinião pública entendeu
que a tentativa de impeachment de Dilma Rousseff é golpe. Simples assim.
Tudo começou com a cena retratada no post “O xadrez do fim
da síndrome de Pilatos do STF” (http://migre.me/tqjZB). Os fatos políticos
estão se passando com tal velocidade que, em poucos dias, o quadro traçado
ficou nítido.
Vamos a uma pequena rememoração até chegarmos ao xadrez de
hoje.
Os tempos da notícia
Esses tempos de redes sociais, de estilhaçamento do mercado
formal de opinião, de profusão de opinionismo, vivem pregando peças em todos os
lados.
A operação foi montada pensando na opinião pública como um
todo homogêneo. Bastaria a Lava Jato fornecer o noticiário e a imprensa
massacrar a opinião pública com noticiário diuturno sobre corrupção, para se
estabelecer a unanimidade.
É muito mais fácil propagar slogans do que desenvolver
contra-argumentos mais complexos. Ser contra a corrupção, quem há de? Explicar
o mal-uso das bandeiras, a exploração política do tema, exige mais do que 140
toques.
Desde o início havia a intenção de apanhar Lula e
inviabilizar o PT. Mas o Alto Comando montou uma estratégia habilidosa de ir
comendo pelas bordas, apanhando os peixes grandes corruptores para, através de
sua delação, atingir o objetivo finalístico: Lula e o PT.
No início, poucos perceberam a estratégia. E era
relativamente fácil rebater os alertas: bastava taxa-los de “petistas” para o
argumento ser desqualificado.
À medida em que a operação foi afunilando, a estratégia foi
ficando cada vez mais exposta.
Aí, os bravos operadores da Lava Jato incorreram em um erro
comum nas coberturas jornalísticas catárticas – tema que explorei bastante em
meu livro “O jornalismo dos anos 90”.
O leitor é amarrado pela cobertura escandalosa. Há uma
demanda crescente por notícias de impacto crescente. Para saciar a fome do
leão, o mancheteiro tem que criar sempre uma notícia de impacto maior que a
anterior. E acaba virando o fio.
Esse fenômeno ficou nítido na cobertura do impeachment de
Collor, na Escola Base, no modelo escatológico de colunistas da Veja – descrito
na série que escrevi sobre “O caso de Veja” (http://migre.me/tqbF8). E ainda
havia a necessidade de casar o ritmo das investigações com o rito do
impeachment.
]A partir dai, rompeu-se a blindagem jurídica e
escancarou-se a estratégia da Lava Jato e do Alto Comando.
Uma coisa era conseguir uma palavra de ordem pró-Dilma
contra a Lava Jato. O discurso tornava-se restrito. Quando se constatou a
ameaça às instituições, a defesa da democracia tornou-se uma bandeira maior. E
o que se observou foi o nascimento de uma solidariedade nacional que promete
ser tão bonita quanto a campanha pelas diretas.
Os grupos de opinião
Assimilar todas as informações foi um processo coletivo
lento.
Mais houve agentes facilitadores, como o procurador Carlos
Fernando dos Santos Lima e suas constantes entrevistas partidarizadas.
O edifício do impeachment ficou, então, suspenso em bases
extremamente frágeis:
1. Uma operação
policial cada vez mais ostensivamente seletiva.
2. Uma conspiração
conduzida pelo batalhão dos homens probos, Michel Temer, Eduardo Cunha, Aécio
Neves, José Serra e Gilmar Mendes.
3. Comando golpista
difuso, com cada qual querendo tirar sua casquinha da fragilidade política do
governo.
No final do ano, quando sentiu que o impeachment estava
enfraquecendo, a Lava Jato passou a se valer de qualquer bala de festim para
reacende-la. Conseguiu criar um clima tenebroso no país, estimulando passeatas,
caça a camisas vermelhas e outras manifestações típicas da psicologia de massa
do fascismo. E, aí, expôs-se de vez à opinião pública mais especializada, o
meio jurídico, acadêmico, nas próprias redações.
O nível de informação nacional estava no ponto certo quando
o Ministro Teori Zavascki furou o balão, pela primeira vez enquadrando Sérgio
Moro. Foi como dar um cutucão em um equilibrista que caminha sobre uma corda
bamba, ou completar a experiência do barco sobre as ondas, que serviu de base
para a teoria do caos. O edifício começou a vir abaixo.
Agora, tem-se o seguinte quadro:
Supremo Tribunal Federal
No julgamento da liminar da AGU (Advocacia Geral da União),
embora não fosse julgamento de mérito, houve unanimidade na condenação dos
esbirros da Lava Jato. No final de semana, o enorme dossiê preparado pelos
advogados de Paulo Okamoto – mostrando arbitrariedades de Sérgio Moro desde o
início da operação – traz as primeiras ameaças concretas de anulação da
operação.
Aliás, nas próprias admoestações à Lava Jato, Teori alertou
para os riscos dos abusos abrirem espaço para a anulação.
De qualquer modo, o STF precisa devolver à presidente Dilma
as prerrogativas açambarcadas por Gilmar Mendes, quando impediu a posse de
Lula. E Gilmar não permite dúvidas: sempre será contra o governo e a favor dos
seus, em qualquer hipótese.
PGR e Lava Jato
Janot já definiu o alvo – Lula – e o trabalho da Lava Jato é
juntar o máximo possível de evidências para instruir uma futura denúncia. A
Operação Carbono é uma continuação da saga do tríplex, do sítio de Atibaia.
Como observou Jânio de Freitas em sua coluna de hoje na
Folha (http://migre.me/tq7zg), graças à palestra do procurador Carlos Fernando
na Amcham, a convicção de que a Lava Jato se tornou uma operação
político-judiciário “deixou de ser coisa de petista”.
A Lava Jato não abriu mão de seus objetivos políticos:
1. O envio de
denúncias contra cinco políticos do PP, no momento em que o governo Dilma tenta
remontar sua base de apoio com o partido, preservando as lideranças da
oposição.
2. A caçada implacável
a qualquer negócio envolvendo os filhos de Lula, tratando de jogar qualquer
informação nos jornais, em uma evidente ofensiva persecutória.
3. Ressuscitando o
caso Celso Daniel – o prefeito de Santo André morto em um assalto e Silvio
Pereira, o ex-dirigente do PT que recebia propinas de empreiteiras, episódio
exaustivamente explorado no julgamento do “mensalão”.
A ginástica para incluir o nome de Gilberto Carvalho é pura
retaliação, devido às constantes críticas formuladas por ele, comprovando que a
Lava Jato há tempos perdeu a noção de limites e deixou se contaminar pela
raiva.
Fez mais: a condução coercitiva do jornalista Breno Altman,
tendo como único objetivo a intimidação (http://migre.me/tplGP). Aliás, o
relato de Altman, sobre o interrogatório pela Polícia Federal, será um bom
subsídio para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aquilatar o grau de arbítrio
da Lava Jato.
Não apenas devido ao factoide do caso Celso Daniel.
Hoje a Folha traz a tonitruante denúncia de que a Andrade
Gutierrez pagou uma podóloga para tratar de seus executivos e permitiu que ela
tratasse também dos pés de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, ao custo de
R$ 250,00 (http://migre.me/tq8FM).
É uma denúncia detalhadíssima, que resultou em uma
sindicância que apurou que, além da podóloga, foram encontradas “castanhas,
nozes, frutas cristalizadas, chocolates suíços e frutas exóticas".
Os casos Celso Daniel e o da podóloga comprovam que a Lava
Jato gastou seu estoque de fogos de artifício.
Alguns dias atrás, a Nota Oficial da PGR – criticando o
excesso de protagonismo e o messianismo de alguns – foi uma tentativa pública
de enquadrar a Lava Jato. Aparentemente, o PGR Rodrigo Janot percebeu que
deixou o saci escapar da garrafa e não será fácil engarrafa-lo de novo.
Mídia
Há um clima de desconforto generalizado nas redações com o
anti-jornalismo praticado pela mídia.
Observa-se isso nas matérias e entrevistas, cada vez mais
questionando a Lava Jato por seu aspecto seletivo.
Hoje, a UOL trouxe uma matéria jornalística de peso
denunciando as arbitrariedades de Moro. Mais do que um acerto comercial,
reflete os conflitos internos que estão dominando o ambiente das redações,
obrigando os jornais a respiros de jornalismo para não desmotivar totalmente a
tropa.
A perda de rumo da mídia se traduz no próprio comportamento
em relação ao impeachment.
Estadão e Folha desembarcaram, o Estadão abrindo espaço para
um inacreditável artigo propondo o estado de sítio e a intervenção militar (http://migre.me/tqquf)
e a Folha com um editorial amalucado, no qual reconhece a falta de razões
jurídicas para o impeachment, mas exige a renúncia da Dilma. Em que mundo vive
esse pessoal? Recuaram para 1992.
Conclusões finais
Conforme previmos dias atrás, a constatação de que o
impeachment de Eduardo Cunha-Michel Temer é golpe virou o jogo na opinião
pública esclarecida
Principal parceira do golpe, as Organizações Globo têm
ampliado imprudentemente seu estoque de manipulações.
De um lado, com a estratégia do “impeachment não é golpe”,
na qual entrevista juristas sobre o sentido genérico do impeachment – que, por
previsto na Constituição, obviamente não é golpe -, fugindo da análise do atual
processo de impeachment sem motivação.
Do outro, escondendo o quanto pode as críticas do Supremo ao
juiz Sérgio Moro e à condução da Lava Jato.
As tendências que se delineiam daqui para frente:
1. Esvaziamento
gradativo do impeachment com Michel Temer.
2. Atuação proativa
do Supremo coibindo definitivamente os exageros da Lava Jato.
3. Tentativa de
levar o impeachment para o campo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral),
ampliando ainda mais o coro do “não-vai-ter-golpeee”.
4. Impossibilidade
de o governo Dilma tocar o barco político sem um grande acordo político.
É esse o impasse: não tiram Dilma, mas Dilma não governa
sozinha.
A refundação do governo não poderá se dar exclusivamente na
redefinição dos cargos da fisiologia para partidos menores. Terá que chegar aos
centros de poder efetivo, para permitir ao país superar a borrasca que vem pela
frente.
Via – Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário