O homem que filmou e fotografou Lampião e seus cabras!
Por: *Rostand Medeiros
O mito imortalizado por Benjamim...
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Abrahão afirma textualmente que filmou e fotografou os
grupos dos chefes Corisco, Luís Pedro, Português, Zé Sereno, Mané Moreno,
Pancada, Canário e Gato. Praticamente ele teve a oportunidade de filmar todo o
movimento de cangaceiros que gravitavam ao redor de Lampião. Apenas os
instantâneos chegaram até os nossos dias. Em relação ao chefe cangaceiro Gato,
Abrahão afirma que estava no combate ocorrido em Piranhas, dois meses antes da
entrevista ao Diário de Pernambuco e que viu este cangaceiro ferido.
Segundo a sua narrativa, ele se encontrava a cerca de meia
légua (três quilômetros) de Piranhas, atravessando o Rio São Francisco, quando
se deu o tiroteio e logo seguiu em direção à refrega. Afirmou que “era uma
oportunidade que não poderia deixar passar”. O primeiro combate entre os
cangaceiros e os policiais ocorreu a cerca de 4 ou 5 léguas de distância da
cidade, “no meio da caatinga bruta”. A tropa volante era comandada pelo tenente
João Bezerra e neste combate foi ferida e capturada a companheira de Gato,
conhecida como Inacinha. Este buscou apoio de Corisco e de outros cangaceiros
que circulavam na região, para invadirem a cidade de Piranhas e tentaram resgatar
a cangaceira ferida. Era por volta meio dia quando um grupo de 26 cangaceiros
tentou realizar o ataque, mas a cidade recebeu seus “visitantes” com forte
fuzilaria.
No momento em que Abrahão encontrou os cangaceiros estes já
se retiravam de Piranhas. Afirma que viu o chefe Gato ainda ferido, deitado em
um “sofá”. Comenta (certamente com exagero) que quando tentou entrar na cidade
os defensores lhe tomaram como um cangaceiro e mandaram bala. Segundo o
pesquisador paraibano Bismarck Martins de Oliveira (in “O cangaceirismo no
Nordeste”, 2ª edição, págs. 228 e 229) o nome verdadeiro do cangaceiro Gato era
Josias Vieira e era natural de Santana do Ipanema, Alagoas. Ele teria entrado
no cangaço em 1922, tendo participado de inúmeras ações importantes ao lado de
Lampião, era tido como um cangaceiro de extrema violência e periculosidade
acentuada. Fez parte do bando de Corisco, mas depois decidiu montar seu próprio
grupo. Já o pesquisador baiano Oleone Coelho Pontes (in “Lampião na Bahia”, 4
edição, pág. 329) informa que o combate se deu no dia 28 de outubro de 1936,
que Gato chamou Corisco para tentaram entrar na cidade, mas a intenção era
sequestrar a mulher de João Bezerra, Cira Britto Bezerra, filha do prefeito da
cidade, a fim de vingar-se da captura da sua companheira.
Inacinha e Gato |
Em relação à companheira de Lampião, de quem Abrahão em
nenhum momento da reportagem declamou o nome com o qual ela seria imortalizada,
ele praticamente se restringe a informar que a mesma, por razão de uma
promessa, não trabalhava entre o sábado e a segunda feira. Mas Abrahão não diz
qual seria este “trabalho” e a chamava de “Maria Oliveira”, ou “Maria do
Capitão”.Mas aparentemente são os jornalistas da redação do Diário de
Pernambuco que se impressionam com a morena baiana.
Na edição do dia 17 de fevereiro de 1937, uma quarta-feira,
como sempre na primeira página e com amplo destaque, a jovem sertaneja aparece
sentada ao lado de dois cachorros que pertenciam a Lampião, um dos quais se
chamava “Ligeiro”, em uma pose que foi classificada como “cinematográfica de
uma Greta Garbo”. Dizia que ela era a única pessoa com “ascendência moral sobre
Lampião” e que chamava a atenção até mesmo pela simplicidade.
Maria Bonita com os cães guarani e ligeiro |
Para os jornalistas Abrahão descreveu que a companheira de
Virgulino estava “com os cabelos alisados a banha cheirosa, meias de algodão,
sapatos tresé e seu vestido azul claro de linho”. Estando correta a descrição
do imigrante libanês sobre a vestimenta de “Maria do Capitão”, no meio daquela
caatinga cheias de espinhos, esta fina indumentária servia apenas para rezar e
bater fotografias.
Chama atenção a descrição da utilidade das mulheres do bando
nos combates. Abrahão informou que elas “Abrem nas caatingas cerradas os
caminhos que possam fugir os cangaceiros, ante a eminencia de se verem
cercados”. Se a pose de “Maria do Capitão” na foto era simples, como o leitor
deste artigo pode observar, a manchete chamava bastante atenção. Para Abrahão
ela não trabalhava entre os sábados e as segundas feiras.
Os jornalistas passaram a comparar a companheira de Lampião
com a francesa Jeanne-Antoinette Poisson, a Marquesa de Pompadour, ou como
ficou mais conhecida Madame de Pompadour. Esta foi uma burguesa, nascida em
Paris em 1721, que usou a sedução para conquistar um lugar entre os mais nobres
e se tornar a principal amante do rei da França daquela época, Luís XV. Mas
além de ser bela, sedutora e encantadora, era extremamente inteligente e se
tornou decisiva na política francesa. Logo através de sua influência, conseguia
audiências a embaixadores, tomava decisões sobre todas as questões ligadas à
concessão de favores, de forma tão absoluta quanto qualquer monarca. A
comparação entre a cortesã francesa e a cangaceira brasileira surgiu
provavelmente após Abrahão comentar e ser publicado que “os asseclas de Lampião
lhe rendem as mais servis homenagens, tudo fazendo para não cair no desagrado
dessa Madame Pompadour do cangaço, senhora de baraço e cutelo dos sertões
nordestinos”.
Não pudemos comprovar com exatidão, mas certamente esta é a
uma das primeiras grandes reportagens sobre uma jovem sertaneja chamada Maria
Gomes de Oliveira. Baiana nascida em 1901, no sítio Malhada da Caiçara, que um
dia encantou o “Rei dos Cangaceiros” e seria conhecida em toda parte como Maria
Bonita. Abrahão volta ao Recife e novas matérias são publicadas no Diário de
Pernambuco, sempre com muito destaque e na primeira página. Elas informavam
detalhes do encontro de Abrahão com os cangaceiros e que a sociedade
pernambucana em breve teria a oportunidade de assistir nos cinemas da capital o
“film” sobre Lampião.
Sobre o tamanho do rolo de filme e sua duração, não
conseguimos apurar corretamente, pois o tamanho foi crescendo e diminuindo.
Dependia do lugar, provavelmente do gosto dos editores, ou através de
informações equivocadas de Benjamim Abrahão. Segundo o pesquisador Frederico
Pernambucano de Mello (in “Guerreiros do sol, 2ª edição”, págs. 339), em
dezembro de 1936 o libanês teria entregue a Ademar Albuquerque cerca de
“quinhentos metros de filme”, mas em abril do ano seguinte os jornais cearenses
noticiavam que havia “mais de mil metros”. Em Recife a película esticou mais
ainda. No Diário de Pernambuco, na edição de 12 de fevereiro de 1937, Abrahão
afirmava que o filme tinha “2.000 metros”, que seria exibido no Rio de Janeiro
e anunciava que além do filme, seria publicado um livro “com a maior e mais
completa reportagem sobre Lampião”.
Benjamim Abrahão aproveitava sua notoriedade...
Mas foi a mesma atenção dispensada pela imprensa que
gradativamente foi lhe criando problemas. Os jornais mostravam com destaque a
façanha de um simples imigrante libanês, que havia conseguido encontrar
Lampião, filmá-lo tranquilamente com o seu bando, enquanto que as forças de
segurança nunca davam cabo dos cangaceiros. No Rio de Janeiro, então capital do
país, a revista “O Cruzeiro”, um dos principais veículos da imprensa brasileira
da época, estampou no exemplar de 6 de março de 1937 uma manchete com cinco
fotos do bando. De forma crítica afirmava que “onde os policiais falharam,
Abrahão havia triunfado”. No dia 2 de julho de 1938, no mesmo Cinema Moderno
que apresentou a película sobre o padre Cícero, ocorreu à única exibição
conhecida do filme de Benjamin Abrahão. A fita cinematográfica foi assistida
por autoridades que se revoltaram diante do destaque dado a Lampião e seus
acompanhantes.
Logo os membros do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o órgão de censura do chamado Estado Novo, como ficou conhecida a ditadura comandada por Getúlio Vargas e implantada no ano anterior, apreenderam o filme. Benjamin Abrahão tentou reverter, sem sucesso, a situação. Ele fica em uma posição difícil e parte para o interior em busca de apoio.
Logo os membros do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o órgão de censura do chamado Estado Novo, como ficou conhecida a ditadura comandada por Getúlio Vargas e implantada no ano anterior, apreenderam o filme. Benjamin Abrahão tentou reverter, sem sucesso, a situação. Ele fica em uma posição difícil e parte para o interior em busca de apoio.
Dadá, Corisco e Benjamim |
Em 9 de maio de 1938, na então vila de Pau Ferro (atual
município pernambucano de Itaíba), a cerca de 45 quilômetros de Águas Belas,
Abrahão foi morto com 42 facadas por um homem que seria deficiente físico e que
trabalhava como sapateiro. A razão foi uma vingança ocorrida pelo fato do
libanês ter mantido relações com a mulher deste sapateiro. Entretanto, segundo
as edições do Diário de Pernambuco de 10 e 19 de maio de 1938, ao comentar
sobre a morte de Benjamin Abrahão, trazem algumas informações interessantes.
Foi divulgado que o inquérito realizado pelo delegado do 2º
Distrito Policial de Águas Belas, concluiu que o assassino do imigrante libanês
se chamava José Rodrigues Lins, conhecido como Zé de Ritinha ou Zé de Rita e
que teria sido ajudado por uma mulher chamada Alayde Rodrigues de Siqueira. Mas
as reportagens não especificavam maiores detalhes do ocorrido e nem o grau de
participação desta mulher.Para muitos pesquisadores a verdadeira razão da morte
de Abrahão teria sido as insistentes cobranças que ele fazia aos coronéis da
região, sobre uma pretensa ajuda financeira prometida para a realização do
filme. Aparentemente, diante das recursas, ele possivelmente teria feito algum
tipo de ameaça e encontrou a morte.
Certamente que em meio a um momento político onde o poder do
Estado Novo estava muito forte e centralizado, onde as velhas lideranças do
sertão já não possuíam a mesma desenvoltura nos círculos do poder, onde a
desconfiança e o temor de perda de prestígio e de força política eram
evidentes, a figura de um imigrante que sabia de muita coisa, impertinentemente
exigindo dinheiro, deveria ser uma fonte de preocupação. Seja qual for a
verdadeira razão, percebemos que faltou a Benjamin Abrahão, mesmo depois de
estar vivendo a cerca de vinte anos no Nordeste, uma maior percepção em relação
as suas atitudes e o que elas poderiam gerar.
*Rostand Medeiros - Pesquisador e Escritor
Via – Seminário Cariri Cangaço
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