Vasculham a vida do sujeito há 41 anos. E não é qualquer
vasculhamento, vasculhação, vasculhatório. É hard vasculhation; coisa da pesada
- DEIC, DEOPS, SNI, OBAN, PF, MPF, PGR, CIA, FBI, INTERPOL, Mossad e o
escambáu. E nada! É tanta gente de olho no cara, de ouvido, de nariz e de pele,
que parece estupro coletivo. E a broxada é online.
Caralho, o cara pode ser honesto!
Cheiram o nordestino de cima abaixo e só acham cheiro de
carne-seca, suor e resquícios de caninha. Vigiam o cabra com olhos de todo
tipo: verdes, azuis, vermelhos, negros, digitais, analógicos, do capeta. E
nada! Nada! Nem um dedo!
A gente ouve: não boto a mão no fogo por ele, como não boto
a mão no fogo por ninguém. Gente das mesmas linhas amigas suspeitam como todos
suspeitam de todos. As suspeitas humanas, civilizatórias, ocidentais "Mas
é claro que ele meteu a mão!" Gente amiga que duvida? Imagine a gente
inimiga? Ou seja, quase todo mundo duvida.
E quase todo mundo é gente pra-ca-ra-lho! Como essa gente
não acha nada, sai com as saídas dos saideiros banais de allways; ah, ele usa
laranjas! Como é nordestino, chupador de laranjas de beira de estrada, sabe bem
chupar uma amarelinha. E chupa tão bem que ninguém consegue achar nem o bagaço.
Cadê os laranjas?! Ai se aparecesse um ou umazinha... nem
que tivesse virado suco! Nada! Nem uma laranja! Nem o caldo! Aí começa a bater
uma tristeza nesse povo. Uma tristeza secular, ancestral. Uma impotência
milenar, uma sensação de tamanha incompetência que atormenta todo aparato de
vigilância planetária. E aí cumpadi, surge o que não deveria surgir. Aquilo,
aquele pensamento invasivo, perturbador, a-pa-vo-ran-te que não deveria
aparecer.
Caralho, o cara pode ser honesto!
Porra, honesto é foda!
Podia ser tudo menos isso. O macho honesto? Não combina! O
cara era pobre, miserável, carrega todo esse know-how, essa retaguarda
eleitoral de lenhar e agora ainda é... honesto? Pense o perigo disso! Destoa!
Destoa de tudo o que sabemos, ouvimos, conhecemos. Destoa da cidade, destoa do
cinema, do congresso, do planalto, destoa da história da humanidade. Não pode.
Um merda honesto contamina o resto. É como um careta no meio de mil chapados. É
como um vegano no balcão de um açougue. Destoa, não bate.
O cara honesto é só o que o faltava pra desmontar tudo que
montamos. Como deixaram ele entrar? Quem abriu a porta? Quem deu a cadeira pra
ele sentar? Prum bicho desse não se abre a guarda. Cadê o responsável?
Pô, dotô, não dá pra identificar. Porque não foi um só, ou
foi dois, ou foi três. Monte de gente que abriu a porta pra ele entrar, botou a
cadeira pra ele sentar e até o tapete pra ele passar. Vermelho, viu? Mais de
milhão de gente, milhões, 60, 70 milhões... sei lá dotô! Sei que foi gente
pra-ca-ra-lho. E agora dotô? O que a gente faz com essa coisa ruim? Prende?
(Por Arthur Andrade)
No Carcará
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