Bem-vindos à Novíssima Velha República. E que os Orixás nos
protejam.
A crise econômica e politica que tomou conta do país
significou a quebra de um bloco histórico que se ergueu desde 2003 com a
ascensão do Partido dos Trabalhadores a presidência. Agora o que temos diante
de nós é a emergência de um novo período histórico, mas que carrega traços de
períodos históricos anteriores.
Os últimos treze anos da república brasileira foram baseados
no chamado neodesenvolvimentismo, com uma presença mais protagonista do estado
na economia através do financiamento dos chamados campeões nacionais e numa
relação obscura entre líderes governamentais e grandes empreiteiras, cujas
relações com o estado remontam a década 1950 maior destaque para politicas de
assistência social, atenção especial para o agronegócio por meio da defesa da
exportação de commodities; ênfase em grandes obras de infraestrutura e a
reatualização da ideologia do Grande Brasil; tentativa de criar um polo
alternativo de poder, claramente terceiro mundista, na politica externa através
da valorização dos BRICS; cooptação de líderes de movimentos sociais para a
máquina do estado com o objetivo de arrefecer as mobilizações por direitos
sociais objetivando criar a paz social necessária para investimentos externos;
e, por último, e não menos importante, a Politica da Grande Conciliação, onde o
governo federal, apoiando-se no grande desenvolvimento capitalista, conseguia,
por assim dizer, equilibrar relativamente os antagonismos, num país de
cinquenta milhões de miseráveis, ao conseguir incorporar parte deles na esfera
do consumo à revelia de questões como a reforma agrária e a questão das
populações tradicionais.
Mas vivemos na época do capitalismo mundial e qualquer
equilíbrio ou conciliação tende a ser transitório. As contradições da nossa
democracia liberal, sempre assediada pelo poder econômico e cada vez mais
distantes do cidadão comum, refém das elites locais e do Grande Capital,
alcançaram níveis que esgotaram, para o bem e para o mal, o subsistema
político; a política de exportação de commodities, por sua vez, apresentou seu
esgotamento, deixando as taxas de exportações claramente comprometidas; os
altos índices de corrupção que eram trazidos a tona, numa época em que os
valores da ética e da transparência se tornam quase um senso comum na
subjetividade coletiva brasileira, terminaram por cavar o túmulo da Nova República.
Em outras palavras, os processos de desencaixe criados pela
Modernidade Mundo fraturaram as estruturas de uma sociedade anômica, levando-a
a um impasse entre dois caminhos: a conciliação pelo alto ou reformas de base
vindas de baixo para cima.
Seguindo a tradição conciliatória entre grupos majoritários
e nossa vocação para nos apegarmos a modelos tradicionais e superados, acabamos
optando pela primeira opção.
Apesar de estarmos no início de um novo velho período, é
possível traçar algumas linhas, ainda que de caráter impressionista, das suas
principais características, conforme já disse o cientista político Christian
Edward Cyril Lynch. Entre as principais está o esfacelamento da velha esquerda,
que passará a adotar uma postura defensiva por anos ao perder continuamente a
luta pelo domínio da narrativa dos caminhos do Brasil. Hegemonia politica da
centro-direita, repartida principalmente entre os chamados liberais
conservadores. Declínio do nacional desenvolvimentismo; o Estado Nacional
tenderá a passar sua tarefa de árbitro social para o Mercado. Também espera-se
o esvaziamento de pautas relacionadas aos direitos humanos e às minorias, com o
desvio de recursos antes direcionados para a assistência e desenvolvimento
social para politicas de segurança de caráter claramente repressivo; o objetivo
disso é combater manifestações populares contra medidas de economia politica do
Novo Velho Governo e conceder a paz social necessária à reprodução dos
investimentos externos, que terão menos regulação. Emergência de um
parlamentarismo disfarçado, algo que já acontecia desde a vitória de Eduardo
Cunha para presidência da Câmara em 2014, com uma maior força do parlamento
sobre o executivo, significando que cada medida urgida pelo pseudo-presidente
Michel Temer acarretará em cada vez mais cargos e emendas negociadas com a base
parlamentar. Mais força do que Lynch chama de Mandarinato Jurídico, que
exercerá um poder cada vez mais moderador e regulador da politica e das
relações entre as esferas de poder, redundando numa judicialização dos
conflitos políticos. Por fim, teremos os golpes finais sobre o legado
trabalhista de Getúlio Vargas com a aprovação de leis que deixarão os
trabalhadores cada vez mais à deriva no mundo do trabalho; recebendo cada vez
menos e tendo que produzir sempre mais, teremos uma maior incidência de doenças
relacionadas aos locais de trabalho e queda do padrão de vida médio dos mesmos.
Um fenômeno que já era comum, de pessoas tendo dois empregos e precisando
trabalhar pelo menos doze horas por dia, tenderá a ficar cada vez mais
corriqueiro.
Obviamente que, em se tratando de ciência politica,
sociologia e processos macro-históricos, principalmente os que acabei de
descrever, os caminhos nunca são lineares e os fenômenos e fatos sociais nunca
mudam de maneira mecânica. Cada ator social neste feixe de forças
(trabalhadores não qualificados ou semi-qualificados, classe média, elites
judiciárias, politicas e econômicas, movimentos sociais progressistas e
regressistas entre outros, impossível para os propósitos deste texto listar
todos) tende a reagir aos movimentos de cada um e criar consequências, alianças
e lutas muitas vezes imprevistas. Mesmo assim, é possível divisar um bloco
liberal e conservador cujo caminho para aprovação das suas medidas num
congresso de perfil homogêneo e avesso a mudanças terá pouca resistência.
Aos grupos progressistas, nos quais estou incluído, resta
resistir nas ruas (e fazer o que for possível na esfera da politica formal e
minimalista), mesmo sabendo que isso acarretará em mais repressão, prisões e
mortes.
Mas penso que, em vez de ficarmos numa cantilena ingênua de
Fora Todos ou qualquer outro slogan secundário e colateral, deveríamos iniciar
a estratégia de contra-hegemonia sendo propositivos, mostrando ao trabalhador
porque o projeto de esquerda na verdade nunca se esgotou, pois o que defendemos
é a radicalização da democracia, da igualdade, da liberdade e da solidariedade.
O Inverno finalmente chegou e cabe a nós decidir se nos
renderemos ou lutaremos contra os Vagantes Brancos que, na verdade, sempre
estiveram ai desde a invasão europeia na América.
Bem-vindos à Novíssima Velha República. E que os Orixás nos
protejam.
Via – Blog Dag Vulpi
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